12 Março 2025
Donald Trump deve ter sido aquela criança que, ao começar a perder no jogo, agarra a bola e sai de campo, emburrada. Aliás, a cara dele é uma caricatura permanente de emburrado arrogante. Tão pretensioso, deve estar intimamente convicto de que a morte jamais o abaterá.
O artigo é de Frei Betto é escritor, autor de “Quando fui pai do meu irmão” (Altabooks/70), entre outros livros.
Ele veio bagunçar o arrumadinho coreto da ordem ocidental. Os países da União Europeia parecem um bando de baratas tontas sem saber para onde correr depois que Trump levantou o tapete. Deu uma banana para a Ucrânia, humilhou Zelensky no salão oval da Casa Branca, suspendeu as ajudas bélicas e financeiras, fragilizou a OTAN e – o mais sintomático – confirmou que é aliado de Putin, hoje o inimigo número 1 da Europa Ocidental.
Finda a cornucópia de Washington, a União Europeia desembolsa, agora, 800 bilhões de euros para produzir armamentos e aumentar a defesa de suas fronteiras. Dinheiro para a morte nunca falta. Para a vida, como erradicar a fome no mundo, nunca há.
Eis a pergunta que vale 1 trilhão de dólares: por que Trump é refém de Putin? As raras críticas feitas por ele ao governante russo sempre foram amenas e, em seguida, contrabalançadas por ponderações elogiosas. Sim, Trump considerou “horrível” (horrible, ele adora este adjetivo) a invasão da Ucrânia. Mas qualificou de “inteligente” a estratégia do russo.
Durante seu primeiro mandato, Trump criticou a construção do gasoduto subaquático Nord Stream 2. Disse que tornaria a Europa mais dependente da energia russa. E impôs sanções à Rússia para tentar bloquear o projeto. Em setembro de 2022, uma operação de sabotagem explodiu o gasoduto. Suspeita-se que tenha sido uma operação da CIA realizada por um ucraniano.
Os EUA sempre se opuseram ao Nord Stream 2 porque querem forçar a Europa a comprar energia “made in USA”. Em 2019, o embaixador estadunidense na Alemanha, Richard Grenell, enviou cartas ameaçadoras para as empresas alemãs envolvidas na construção do gasoduto. Ainda assim, a obra foi concluída em 2021. E, no ano seguinte, destruída.
Com o início da guerra à Ucrânia em fevereiro de 2022, a União Europeia adotou sanções contra a Rússia e Putin reduziu a fornecimento de gás do Nord Stream 1 aos países europeus da OTAN. Em agosto do mesmo ano, interrompeu-o totalmente. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que ele só seria retomado quando as sanções contra a Rússia forem suspensas. E vale observar que as sanções em nada prejudicam a Rússia. Aliás, o país se fortaleceu nos últimos anos.
É bom não esquecer: Trump esteve três vezes em Moscou, em 1987, para discutir possíveis investimentos em hotéis; em 1996, para um investimento imobiliário que não teve êxito; e em 2013, para promover o concurso Miss Universo, do qual detinha todos os direitos.
Nesta última viagem, Trump se hospedou no Ritz-Carlton Moscou, um dos mais requintados do mundo. (Agora, Carlton Moscou, desde que o grupo Marriott, ao qual pertencia, se retirou da Rússia em julho de 2022, devido à guerra com a Ucrânia). O hotel é famoso não apenas por seu luxo, mas também por abrigar em seus bares as mais belas prostitutas russas, atraídas pelos hóspedes endinheirados.
Também é bom não esquecer: Putin fez sua carreira profissional, primeiro, como agente do serviço de inteligência da KGB ao longo de 16 anos (1975-1991). Ingressou em seguida no FSB, que sucedeu a KGB, da qual se tornou diretor em 1998. Permaneceu no cargo até 1999, quando foi nomeado primeiro-ministro da Rússia. Trump acaba de cancelar o serviço de inteligência dos EUA na Ucrânia, o que torna o país ainda mais vulnerável aos ataques.
Por que Trump é refém de Putin? Segundo a mídia usamericana, relatório vazado da CIA registra que Trump teria praticado “golden showers” com garotas de programa no hotel Ritz-Carlton. Não há comprovação. A revista pornô Penthouse chegou a oferecer 1 milhão de dólares por um suposto vídeo da orgia.
Quem conhece a história da espionagem sabe que as agências do setor utilizam como recursos de cooptação e submissão de fontes duas iscas em especial: dinheiro (corrupção) e sexo (chantagem). Vide os filmes de 007, baseados na obra de Ian Fleming, ex-agente do serviço secreto britânico.
Quando Trump se olha no espelho vê a cara de Putin. E vice-versa. Os dois são autocratas, os dois são imperialistas - vide a anexação de territórios da Ucrânia, de um lado; de outro, as ameaças de anexação do Canadá, Groenlândia e Canal de Panamá. Os dois consideram os migrantes raça subumana.
Trump faz uma verdadeira “limpeza étnica” nos EUA ao promover deportações em massa de imigrantes. A Rússia, em 2013, tinha de 7 a 8 milhões de trabalhadores estrangeiros em seu território. Hoje o número é três vezes menor.
Após Moscou ter sido abalada pelo atentado jihadista à sala de concertos Crocus City Hall, em março de 2024, a Federação Russa fechou suas fronteiros aos migrantes da Ásia Central. Milícias de direita participam com a polícia de incursões “preventivas” em mercados e mesquitas. O Quirguistão e o Tadjiquistão passaram a aconselhar seus cidadãos a não viajarem para a Rússia. Mais de trinta regiões russas proibiram imigrantes de trabalharem como taxistas, comerciários ou educadores. Em agosto passado, Putin assinou um decreto que autoriza a expulsão de estrangeiros em situação irregular sem que haja questionamento na Justiça. E até o próximo 30 de abril todos os estrangeiros deverão fornecer suas informações biométricas ao governo e comprovar que estão empregados e falam russo. (Le Monde Diplomatique, 2/2025).
Com o papa Francisco adoecido e o mundo controlado pelas Big Techs, versão tecnológica de Argos Panoptes, o monstro de cem olhos da mitologia grega, resta-nos buscar, com urgência, uma nova Élpis, a deusa da esperança que restou no fundo da Caixa de Pandora.