06 Março 2025
Ao criticar os bispos católicos dos EUA por seu apoio aos imigrantes, o vice-presidente J.D. Vance, que é católico, reacendeu anos de ataques do Partido Republicano à Igreja Católica.
A reportagem é de Claudine Castelnau, publicada por Garrigues et Sentiers, 07-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos líderes católicos expressaram consternação depois que Vance questionou publicamente se o apoio de décadas da Igreja Católica aos imigrantes seria motivado pelo desejo de dinheiro. “É simplesmente escandaloso”, respondeu o Cardeal Timothy Dolan, de Nova York, falando na terça-feira em sua transmissão em um canal católico. John Carr, que por duas décadas chefiou o escritório da Conferência episcopal estadunidense no trabalho por uma justiça social, disse que as críticas de Vance “mostraram uma falta de respeito sem precedentes pelo trabalho da comunidade católica, uma falta de consideração ao promover acusações falsas e ultrajantes de que a Igreja Católica faria isso por dinheiro [...] e uma ignorância da parte de Vance sobre o que é o acompanhamento da Igreja Católica aos refugiados”.
“Parecia uma tentativa de intimidação”, declarou John Carr. E o Washington Post ressalta que essas trocas de farpas são mais uma escaramuça em uma guerra verbal que remonta à primeira candidatura de Trump em 2016, quando o Papa Francisco disse que Donald Trump “não era cristão” em relação ao muro que ele queria construir na fronteira EUA-México para desencorajar a entrada de migrantes em seu país.
Na véspera da posse de Trump em 2025, o Papa Francisco repetiu seus comentários, definindo como “vergonhoso” o plano de Trump de deportar imigrantes em grande escala e acusando o presidente dos EUA de querer fazer com que “os pobres infelizes que não têm nada paguem pelos desequilíbrios [mundiais]”.
A organização dos bispos católicos trabalha com imigrantes de várias maneiras, principalmente por meio das Catholic Charities, estipulando contratos com o governo federal, mas, como muitas outras organizações de caridade e municipalidade, também recebe fundos públicos para ajudar as pessoas na fronteira que precisam de serviços básicos, como moradia e alimentação.
Por fim, o último capítulo do conflito entre a Igreja Católica e Donald Trump ocorreu depois que este último decidiu recentemente que os agentes de imigração podem entrar em áreas antes protegidas, como igrejas e escolas, para prender estrangeiros ilegais. Em resposta, os bispos disseram que “a aplicação dessas leis sobre a imigração [em igrejas e escolas]... seria contrária ao bem comum”. E que a nova política forçaria os imigrantes a manterem seus filhos em casa e a não participar aos serviços religiosos.
Questionado sobre essa declaração à CBS no domingo, Vance disse que os bispos precisam “se olhar um pouco no espelho e reconhecer que, quando recebem mais de 100 milhões de dólares para ajudar a reassentar imigrantes ilegais, eles estão preocupados com questões humanitárias? Ou estão realmente preocupados com seus lucros?” A resposta dos bispos às acusações de Vance de ganhar dinheiro às custas das ajudas aos imigrantes foi que os contratos e os subsídios do governo federal totalizavam 129 milhões de dólares em 2023, enquanto a Igreja Católica gastou US$ 134 milhões no mesmo ano para ajudar imigrantes e refugiados.
Também sabemos, por meio de uma breve declaração enviada por mensagem de texto por sua secretária, que Vance não consultou nenhum líder católico antes de fazer sua declaração... E que ele “não está interessado em consultar o Washington Post sobre sua fé católica”, pois o jornal “não tem nenhuma credibilidade em questões espirituais”. Isso é puro Trump: você faz uma acusação falsa e espera que entre na cabeça das pessoas... e que alguma coisa pegue.
É assim que milhões de estadunidenses ainda acreditam que Trump foi roubado na eleição presidencial de 2020! Alguns legisladores republicanos chegaram a propor que os líderes católicos comparecessem diante do Congresso por ter alimentado a imigração ilegal, enquanto a representante republicana da Geórgia, Marjorie Greene, declarou já em 2023 que os grupos católicos que ajudam os migrantes são a prova de que “Satanás controla a Igreja”.
A resposta a essa onda de ódio contra os imigrantes veio de um padre católico, o Reverendo Michael Bryant, da área de Washington. Em seu sermão, no dia seguinte à posse do presidente, começou acusando Trump de violar a fé cristã com suas leis contra os imigrantes. Em seguida, o padre leu para seus paroquianos o sermão que a Bispa Episcopal Mariann Budde proferiu na presença do Presidente Trump durante o Serviço Nacional Inter-religioso na Catedral de Washington, exortando-o a “ser misericordioso com o estrangeiro, pois nós também já fomos estrangeiros nesta terra”.
Bryant disse que é “vergonhoso” que Trump esteja pedindo prisões em massa de imigrantes enquanto perdoa aqueles que atacaram o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.
“Orem por aqueles que estão sendo alvo de ataques em nosso país, vindos da Venezuela, da América Central e do Haiti”, foi uma das exortações da assembleia. “Senhor, ouça a nossa oração”, responderam os fiéis. Alguns saíram durante o sermão. Outros aplaudiram e agradeceram no final do culto. Muitos bispos e líderes católicos que lidam com a questão se recusaram a comentar, refletindo a sensibilidade de um conflito que agora inclui não apenas o presidente e o papa, mas também o vice-presidente católico do país. Mas a maioria dos bispos aderiu às declarações que afirmam o apoio da Igreja aos imigrantes.
“Nossas paróquias, escolas e ministérios estão aqui para vocês, oferecendo-lhes espaços onde podem encontrar uma comunidade.”
O sermão de Mariann Budde foi amplamente repercutido e comentado. A começar por Trump, que em sua rede chamou a bispa de “má”, uma “pseudobispa” da “esquerda radical”, apesar do fato de ela ser a primeira mulher bispa da diocese episcopal de Washington e responsável pela Catedral Nacional de Washington.
Mulheres de uma rede feminista católica escreveram ao Le Monde para expressar sua alegria por esse sermão, assim como padres católicos estadunidenses, pastores e bispos episcopais estadunidenses e outros cristãos e não cristãos que disseram: “Finalmente, uma voz misericordiosa se fez ouvir, encorajando-nos a continuar a luta!”