19 Fevereiro 2025
Como parte dos eventos ‘Osez aussi l'Église au féminin’ (Ousem também a Igreja ao feminina), organizados pela Commission d'Études sur la Place des Femmes dans l'Église (CEPFE) na terceira quarta-feira de cada mês, em cerca de vinte pessoas nos reunimos naquela noite, incluindo vários participantes de Saint-Merry Hors-les-Murs, para ouvir Geneviève Decrop, socióloga e membro da CEPFE, na apresentação de seu livro Dieu sans confession: Pour une lecture non sexiste et non religieuse de la Bible (ed. Vérone).
Dieu sans confession: Pour une lecture non sexiste et non religieuse de la Bible, de Geneviève Decrop (Foto: Divulgação)
A reportagem é de Bernadette Capit, publicada por Saint-Merry Hors-les-Murs, 11-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma pergunta que poderia estar presente em todos os encontros desta série e que está no centro das preocupações do CEPFE é apresentada logo no início: a salvação da Igreja exige uma revolução das mulheres? A resposta de Geneviève Decrop é: sim, se for uma revolução interior das mulheres. Sua fé lhe foi transmitida por mulheres: sua mãe, sua avó, uma freira professora, com valores que ainda hoje estruturam sua vida; mas sem a menor reflexão ou consciência da condição feminina. A educação para se questionar sobre a emancipação chegou para ela de fora da Igreja, por meio de seus estudos, do mundo laico e republicano! Ela leu a Bíblia (aqui estamos falando principalmente do Antigo Testamento) por décadas; há dez anos, ela a releu com uma pergunta precisa em mente: qual é a relação do monoteísmo com a violência e o patriarcado? Então redescobriu várias coisas que quis escrever. Mas que legitimidade ela tinha para escrever sobre elas, já que não era nem uma biblista nem uma historiadora? Ela se permitiu escrever e publicar com base em duas convicções:
- os textos da Torá não eram destinados a teólogos e especialistas, mas às mulheres e aos homens daquela época; portanto, valia a pena escrever para ajudar a viver as mulheres e os homens de hoje.
- a ideia de urgência e o forte desejo de não deixar a Bíblia nas mãos de fundamentalistas que fazem um uso imoderado dela, que a fazia lembrar de um versículo muito atual de Mateus (11,12): “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e os que usam de força se apoderam dele”.
A autora nos dá as principais orientações, os fios condutores de sua leitura.
Para Geneviève Decrop, o texto não é patriarcal nem misógino. Se nos despojarmos dos filtros dogmáticos, poderia até ser, nas entrelinhas, uma subversão do patriarcado. A relação social entre homens e mulheres desenvolvida na Bíblia não é uma relação de dominação sexista. A promessa de Deus sempre chega por meio de casais que se amam (Abraão/Sara, Isaque/Rebeca, Jacó/Raquel) e que são como pilares da Bíblia. E os personagens em primeiro plano não são os “grandes guerreiros brutais” ou os primogênitos, mas os mais jovens (Jacó, Davi), as mulheres estéreis (Sara, etc.), os pequenos, os não violentos, etc.
O Deus de Abraão e Moisés não é um déspota. Entre Deus e o homem sempre há espaço para negociação, não há uma relação de submissão. O homem existe e se coloca diante de Deus, ele não é submisso; mesmo que se irrite, Deus acaba ouvindo e retornando ao homem. O que é proposto não é de forma alguma uma teocracia (que, ao contrário, é muito forte neste momento da história). Há uma verdadeira autonomia do homem. Na passagem do “sacrifício de Isaque”, Abraão finalmente sai da visão sacrificial e de uma atitude de submissão a Deus. Da mesma forma, no episódio da luta de Jacó com Deus, Jacó emerge crescido, abençoado por Deus e, para indicar isso, ele muda seu nome: de Jacó ele se torna Israel; ele amplia sua consciência, embora conserve um traço de sua luta, como uma memória viva.
Deus é o objeto de uma busca, uma busca sem fim, ele não é uma identidade, uma entidade, uma consistência. É muito importante que a Bíblia se recuse a pronunciar o tetragrama e chame Deus com muitos nomes diferentes. Porque, assim que fixamos Deus em uma identidade (no Credo, por exemplo), entramos em um processo de exclusão e violência. Salomão, em seu magnífico discurso à dedicação do Templo que acabara de construir, diz que Deus é “névoa, nem a terra nem o céu podem contê-lo” e que tudo o que temos é sua Palavra gravada numa pedra. É essencial fazer essa busca infinita por Deus.
Permanece um problema não resolvido, um enigma: a questão da violência, que a Bíblia coloca desde o início, com Caim e Abel. Uma falha do cristianismo é não colocar claramente esse problema e depois afundar nele com todas as melhores intenções do mundo: a história do cristianismo tem sido incrivelmente violenta. Esse é um problema que deve sempre ser retomado e reconsiderado.
Também é muito forte o fato de a Bíblia ser uma coletânea de textos de múltiplos e diferentes gêneros: poemas, narrativas, histórias, mitos, contos... que nunca dão respostas, mas que, quando confrontados com perguntas, propõem outras perguntas ou tomam desvios - como fazem os contos - e isso torna possível que todos a possam ler, porque não é um tratado de filosofia.
É o que nós fazemos com os textos que cria violência em nossa sociedade.
Em resposta a uma pergunta sobre a dificuldade de rezar o “Pai Nosso” quando se teve um pai violento e abusivo, Geneviève Decrop responde que é desejável que cada um possa nomear Deus como achar melhor e que, se não se sentir confortável, não deve rezar o “Pai Nosso”, especialmente se isso se referir a algo doloroso. Deus não é um pai no sentido biológico do termo. Deus pode ser uma luz na neblina, mas há muitas metáforas para falar de Deus e também imagens (ventre materno, ternura, etc.) que são muito femininas. Além disso, com base na relação que os judeus têm com o Texto, que é constantemente posto em discussão, interpretado e debatido, e libertados desse Deus maciço e todo-poderoso que pesa sobre nossos ombros, podemos nos distanciar dele e até mesmo reescrevê-lo; o mesmo vale para o Credo, que muitas vezes não é rezado nas nossas comunidades (porque muitas palavras são incompreensíveis), mas é reescrito para certas ocasiões.
A leitura do Antigo Testamento, por meio de uma série de personagens, nos mostra muitos atos de libertação. Desafiando os códigos sociais, essas narrativas se revelam uma fonte de inspiração para desafiar os poderes consolidados e as relações de dominação. Muito mais do que uma revelação, esse texto é uma revolução persistente contra o enraizamento ideológico e uma celebração da liberdade. Um texto inesgotável para quem busca sentido. E, de acordo com a ideia de audácia que preside esses encontros, repetimos esta frase do livro de Geneviève Decrop: “quando deixo a zona confortável das verdades garantidas pelo dogma, entro no mundo mutável e incerto do discernimento que me chama absolutamente e sem trégua”.
Portanto, vamos ousar sair da zona de conforto, vamos ousar perturbar por meio de uma leitura renovada da Bíblia!