26 Abril 2013
Se Lutero retornasse hoje à Itália ficaria atônito ao ver a difusão do texto sagrado em um grande fluxo de edições e de cópias, mas sobretudo ao descobrir a interminável produção exegética que se acumula nas livrarias não só religiosas.
A opinião é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 21-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Na Itália, a Sagrada Escritura é tão esquecida que raríssimamente encontra-se uma Bíblia". Com essas palavras, Lutero ironizava nos seus Discursos à mesa, opondo à Igreja romana o seu grande compromisso não só de comentador, mas também de tradutor da Bíblia. De fato, em 1521, ele havia se dedicado ao Novo Testamento e, depois, por 12 anos, até 1534, havia se consagrado ao Antigo, propondo assim de gantze heilige Schrifft Deutsch, toda a Sagrada Escritura em alemão, uma versão que ele reelaborou até 1545. Ela teve não apenas um estrondoso sucesso editorial, mas também se tornou a mãe da língua alemã unitária, estandarte da cultura e da própria nação alemã.
Pois bem, se Lutero retornasse hoje à Itália ficaria atônito ao ver a difusão do texto sagrado em um grande fluxo de edições e de cópias, mas sobretudo ao descobrir a interminável produção exegética que se acumula nas livrarias não só religiosas. Para os meus leitores, eu gostaria agora de acenar apenas a alguns vislumbres dessa efervescência bibliográfica, escavando nas montanhas de volumes de matérias bíblicas que cresceram sobre a minha escrivaninha privada em poucos meses.
Por isso, sou obrigado a elencar, esperando que cada um se depare com uma "flor" temática que lhe interesse. Não é só Tommaso Campanella que assina embaixo desta confissão: "Quantos livros tem o mundo não saciam o meu apetite profundo: como eu comi! E de jejum, porém, eu morro...".
Voltemos à questão muito delicada da tradução. Eis a primeira e mais célebre, La Bibbia dei Settanta: começou sob a direção de Paolo Sacchi, com o Pentateuco sob a responsabilidade de Paolo Lucca, a aventura de apresentá-la integralmente no texto grego e com a versão italiana na frente. Sabemos que toda versão é também uma interpretação e, nesse caso, o é de maneira muito significativa, sendo essa a Bíblia que o Novo Testamento usaria).
Depois da tradução, eis o antigo gênero da "introdução", o guia que conduz em páginas, como as bíblicas, cuja aparente simplicidade esconde abismos de enigmas históricos, de segredos literários, de profundidades teológicas. Assinalo apenas dois. De um lado, a sofisticada e, às vezes, um pouco exaustiva mas muito documentada análise das questões referentes à Torah e storiografie dell'Antico Testamento, organizada por Gianantonio Borgonovo e colaboradores, um emblema do altíssimo nível alcançado pela atual pesquisa histórico-crítica. O tomo faz parte de um curso inteiro de estudos bíblicos chamados de Logos.
Por outro lado, a igualmente imponente, mas preciosa, também pela sua nitidez estrutural, Introduzione al Nuovo Testamento, organizada por Martin Ebner e Stefan Schreiber.
Entremos agora no texto propriamente dito, percorrendo ao menos alguns dos 73 livros que compõem aquela que é chamada justamente de Biblia, um plural grego de biblion, portanto, os "livros". Comecemos do início absoluto, Gênesis 1-11, páginas que somam em si um extraordinário acúmulo de problemas literários, filosófico-históricos, teológicos, até mesmo estéticos (não é à toa que eu quis pôr nas mãos dos artistas que serão hospedados no primeiro pavilhão da Santa Sé na Bienal de Veneza justamente esses capítulos como inspiração temática). Eles são apresentados, com o texto hebraico em frente, de modo sintético exemplar, por Federico Giuntoli para a coleção Nuova Versione della Bibbia dai testi antichi. Uma coleção que agora também oferece os Proverbi, um delicioso e complexo escrito bíblico organizado por Sebastian Pinto, um tesouro de sabedoria culta e popular (toda a série já tem outros 17 títulos publicados).
A exegese em sentido mais sistemático, com todo o seu aparato analítico, é representado por outra coleção intitulada I Libri Biblici, organizada pelas Paoline, irmãs das edições San Paolo: a última publicada tem como sujeito um livro fascinante pelos relatos dos seus protagonistas (pense-se em Débora, Gideão, Jefté, Sansão), e cabe a um estudioso refinado como Giovanni Rizzi revelar-nos os segredos do livro de Juízes, um termo que designava os governadores tribais do Israel recém-alocado na terra prometida, personagens envolvidos às vezes também no halo da lenda.
Mas o Antigo Testamento também inclui textos de surpreendente "modernidade": é o caso do enigmático Qohelet (o Eclesiastes), do qual aparecem quase simultaneamente dois comentários, o de Franco Piotti, que nessas páginas bíblicas intui "a busca do sentido da vida", e a leitura feita por William P. Brown na coleção Strumenti da editora valdense Claudiana.
Nessa mesma coleção – que já tem às suas costas uma densa sequência de livros –, são agora publicados dois outros comentários, o de Jerome F. D. Creach sobre Josué, o livro que serve de antessala ao relato dos Juízes, porque narra a conquista da Terra Santa por Israel, e a análise do chamado "Primeiro Isaías", o profeta clássico do século VIII, cuja obra é reunida em Isaías 1-39, a grande sessão inicial do "rolo" feita de nada menos do que 66 capítulos e de 16.930 palavras hebraicas.
E como ignorar os Salmos, o livro bíblico que até hoje tem uma presença insone na oração judaica e cristã? Eu mesmo optei por essa coleção poética orante como base da última pregação dos Exercícios Espirituais diante de Bento XVI.
Dentro dessas 150 composições, tem-se um fascículo de 15 invocações muito sugestivas (Salmos 120-134): eles trazem o título hebraico de shîr ha-ma'alôt, "canto das ascensões" ou também "das subidas". Gianpaolo Anderlini, comentando-os, prefere a versão dos 15 Degraus, evocando não só os degraus materiais do Templo de Jerusalém, mas também os degraus de um percurso espiritual ascensional.
Diante de nós estão agora os 27 livros do Novo Testamento, com as suas 138.013 palavras gregas. Mas devemos nos deter aqui por razões de espaço e também para não sobrecarregar o leitor. Será a ocasião para uma outra parte deste percurso no "ataque" que a exegese faz aos textos sagrados para descobrir toda a sua riqueza. Uma riqueza que não é apenas teológica, mas também cultural.
No fim, gostaríamos, então, de sugerir aos nossos leitores duas verdadeiras joias, destinadas a fazer brilhar a dimensão "estética" das Escrituras.
De um lado, o grande crítico da universidade californiana de Berkeley, Robert Alter, oferece uma fascinante análise da Arte della poesia biblica. De outro lado, um finíssimo teólogo e literato como Jean-Pierre Sonnet aborda algumas "questões de poética narrativa na Bíblia hebraica" no seu livro L'alleanza della lettura.
Livros citados:
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A redescoberta da Bíblia. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU