15 Fevereiro 2025
“Francisco afirma que é necessário favorecer o amadurecimento de uma política que regule a migração ordenada e legal. No entanto, o referido “amadurecimento” não pode ser construído através do privilégio de alguns e do sacrifício de outros. O que se constrói à força, e não a partir da verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e terminará mal”, escreve Simón Vargas Aguilar, consultor em temas de segurança, inteligência, educação, religião, justiça e política, em artigo publicado por La Jornada, 14-02-2025. A tradução é do Cepat.
Vinte e seis dias se passaram desde a posse de Donald Trump e ficou evidente que seus compromissos em temas como segurança nacional, migração, deportações e combate aos cartéis e ao crime organizado não eram apenas lemas de campanha, mas promessas que, ao chegar à Casa Branca, foram se tornando realidade.
Como mencionei antes, foi ficando evidente que suas declarações mantiveram um tom forte e repleto de advertências. No entanto, hoje gostaria de me concentrar em uma das áreas que mais gerou indignação, preocupação e, claro, medo.
Desde a designação de Tom Homan como o czar da fronteira, afirmou que realizaria a maior operação de deportação já registrada em seu país e foi visto como um dos homens mais importantes para cumprir a promessa de campanha que teve um papel fundamental para a vitória de Trump.
Diante do aumento das perseguições, da pobreza extrema, da insegurança, dos conflitos armados e da injustiça, mas sobretudo diante da dor de milhares de crianças e adultos que precisam migrar, no último dia 10 de fevereiro, o Papa Francisco enviou uma carta aos bispos dos Estados Unidos. Nela, embora reconheça o direito de uma nação de se defender e manter suas comunidades a salvo dos que cometeram crimes violentos ou graves enquanto estavam no país ou antes de chegar, também faz um chamado significativo.
Francisco afirma que é necessário favorecer o amadurecimento de uma política que regule a migração ordenada e legal. No entanto, o referido “amadurecimento” não pode ser construído através do privilégio de alguns e do sacrifício de outros. O que se constrói à força, e não a partir da verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e terminará mal.
Afirma que um verdadeiro Estado de direito pode ser observado justamente no tratamento digno que todas as pessoas merecem, especialmente as mais pobres e marginalizadas.
Uma figura tão polêmica como Homan não perderia a oportunidade de opinar sobre a contundência da carta e respondeu dizendo que o Papa deveria se concentrar em seu trabalho e deixar as questões relativas à fronteira para ele. Inclusive, criticou sua reprovação dizendo: “Quer nos atacar por protegermos nossas fronteiras? O Vaticano tem um muro ao redor, não é? Tem um muro que protege ele e os seus, mas nós não podemos ter um muro ao redor dos Estados Unidos? Então, deveria se ater à Igreja Católica e deixar que cuidemos da segurança da fronteira”.
A carta de Francisco questiona as medidas de Trump, que mantém um perfil conservador e, inclusive, pode ser taxado de “religioso”. Não podemos esquecer que afirmou que “Deus salvou sua vida”, após o atentado na Pensilvânia, mas também, na última sexta-feira, 7 de fevereiro, assinou um decreto para a criação de um Escritório da Fé da Casa Branca, que será dirigido pela telepregadora Paula White.
O escritório será acomodado no Conselho de Política Nacional e será dirigido por um assessor superior do Escritório da Fé da Casa Branca, tendo múltiplas funções:
1) Fazer recomendações ao presidente, por meio do assistente do presidente para política interna, sobre mudanças em políticas, programas e práticas, e aspectos da agenda política;
2) Estar em coordenação com todas as agências para implementar capacitação e educação em todo o país;
3) Identificar e propor meios para reduzir os obstáculos para o livre exercício da religião, incluindo barreiras legislativas, regulatórias e outras à participação plena e ativa de entidades religiosas, entre outras.
Após as ações de Trump em prol da liberdade de culto, talvez surjam muitos questionamentos sobre suas reais intenções por trás da criação deste escritório e a maneira como deturpou alguns dos valores cristãos para justificar seus ataques. Não esqueçamos que, algumas semanas atrás, a bispa de Washington, Mariann Budde, pediu misericórdia ao presidente para aqueles que estavam assustados e ele respondeu solicitando um pedido de desculpas e a chamando de “pseudobispa”.
Pouco depois do decreto de criação do Escritório da Fé, que também pede a nomeação de um “contato religioso” para todas as agências federais, em um prazo de 90 dias, o Papa enviou uma mensagem significativa a Trump.
As declarações de Francisco tocam em pontos sensíveis, sobretudo em um país dividido pelos acontecimentos dos últimos dias, onde o medo, o desespero e a ansiedade tomaram conta de famílias inteiras, que testemunharam a forma dolorosa com que milhares de pessoas começaram a ser presas e deportadas.
Os migrantes merecem ser tratados assim? Por que as políticas públicas foram renunciadas diante do fenômeno migratório? Como abordar um tema tão complexo, buscando, é claro, criar pontes e não muros?
É claro que a passagem de migrantes por diferentes nações representa mudanças na estrutura econômica, social e de segurança, o que pode desencadear a falta de oportunidades de emprego, uma governança frágil e a violência entre comunidades. É urgente atender as causas deste fenômeno, com base no amor ao próximo.