19 Dezembro 2024
Nasceu na Alemanha, estudou no Reino Unido e está em missão na Argentina. Tendo em conta estas coordenadas, talvez poucos adivinhassem que nos referimos a um imã. Mas para Marwan Gill, 34 anos, o fato de ter vivido sempre em países não-muçulmanos não foi motivo para se afastar do islã, pelo contrário. Na verdade, foram os seus pais que tiveram de fugir de um país de maioria muçulmana, o Paquistão, porque o grupo a que pertenciam – a comunidade muçulmana ahmadia – aí era (e continua a ser) considerada herética e, por esse motivo, perseguida. De passagem por Portugal para participar num encontro de bolseiros do Centro Internacional para o Diálogo (KAICIID), com sede em Lisboa, o atual presidente da Comunidade Muçulmana Ahmadia na Argentina falou ao 7MARGENS sobre a importância do diálogo inter-religioso, em particular entre muçulmanos e judeus, do qual tem sido protagonista. O programa de rádio que conduz semanalmente com o rabino Miguel Steuermann, intitulado Salam Shalom [as palavras árabe e hebraica para “paz”] despertou a atenção do Papa, que pediu para conhecê-los, e deu origem a um livro, que acabam de lançar (para já apenas em espanhol). Porque – como lhes disse Francisco – “agora é a altura de não desistir”.
A entrevista é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 12-12-2024.
Ser muçulmano em países de tradição cristã tem sido um desafio particularmente difícil?
Como muçulmano que viveu sempre em sociedades ocidentais não-muçulmanas, devo confessar que não senti como um desafio construir a minha identidade como muçulmano. Viver nestas sociedades – que, no caso da Alemanha e da Inglaterra, não expressam tão fortemente a religiosidade… são sociedades mais laicas e que de alguma forma se orgulham do secularismo – permitiu-me alargar o meu horizonte, conhecer outras culturas e religiões, outras formas de interpretar a espiritualidade. Mas sinto que houve um “antes” e um “depois” do 11 de Setembro…
Que idade tinha quando ocorreram os ataques?
Tinha 11 anos. E esse acontecimento veio realmente alterar a vivência que eu tinha tido até então como muçulmano. Porque antes do 11 de Setembro, o islã era, para a maioria dos ocidentais, um mundo exótico… Um pouco como são hoje o hinduísmo e o budismo. As pessoas não sabiam muito sobre o islã, assumiam que era algo diferente, e quando queriam saber mais faziam algumas perguntas. Mas, depois do 11 de Setembro, deixaram de fazer perguntas: passaram a fazer afirmações com base em preconceitos, a dar opiniões com base em estereótipos e generalizações. E de repente eu, um adolescente, fui confrontado com a necessidade de explicar como nasceu a Al-Qaeda, o que é a Al-Qaeda, qual é a relação dos talibãs com o islã… Quando eu nunca tinha sequer ouvido falar deles na mesquita ou lido sobre eles no Alcorão!
Para você também foi um choque…
Completamente! Não conhecia a Al-Qaeda… E as expressões jihad [que em árabe significa “luta”, “esforço”] ou Allahu Akbar [que significa “Alá é grande”] já as conhecia, mas só eram usadas para orar, para santificar Deus e santificar toda a Sua criação. E afinal havia muçulmanos que, em nome de Allahu Akbar, matavam outras pessoas? Não conseguia encontrar ligação entre uma coisa e a outra. Não percebia porque é que me confrontavam com isso por eu ser muçulmano e muito menos sabia explicar como é que era possível usar Allahu Akbar para justificar qualquer tipo de violência.
Foi a procura dessas respostas que o trouxe até aqui?
Sim! Estava na Alemanha e senti que o islã passou a ser um bode expiatório para os mais variados problemas, porque a sociedade não queria aprofundar as verdadeiras causas desses problemas. Por exemplo, se havia homens muçulmanos que tratavam mal as mulheres, isso não era por causa do islã. Se havia famílias muçulmanas que não conseguiam integrar-se, não era por causa do islã. Mas via que o islã era muitas vezes debatido e alvo de acusações, e ainda por cima sempre sem a participação de um muçulmano à mesa… Isso para mim foi muito forte. Então, decidi que queria sentar-me à mesa, que queria dar voz ao islã onde ele fosse debatido. Queria que o Ocidente pudesse compreender a verdadeira essência e identidade do islã. E daí a minha decisão de entrar para o seminário islâmico para ser imã.
Por que decidiu ir para o seminário em Londres?
Tinha acabado o liceu numa escola laica e queria muito aprofundar este caminho espiritual. E, tal como existe o sonho americano, eu tinha este sonho londrino, porque vivia na Alemanha, perto de Frankfurt, mas numa pequena vila onde todos se conheciam, e não só queria sair da minha zona de conforto como tinha a vontade de estar mais perto da sede da comunidade ahmadia, que é no Reino Unido, onde também vive o nosso califa [líder espiritual da comunidade]. Queria estar mais perto para rezar com ele, para o ouvir, para conhecê-lo pessoalmente. É como se um católico quisesse viver em Roma!
O que distingue a comunidade ahmadia? Por que muitos sunitas consideram vocês heréticos?
Seguimos o mesmo Alcorão que todos os muçulmanos, da primeira à última carta. As nossas fontes e a nossa tradição são as mesmas dos sunitas, seguimos as mesmas palavras do profeta Maomé… a forma de interpretar é que é diferente. E a principal diferença está no conceito messiânico e na figura do Messias, que é algo muito familiar para os cristãos. Enquanto o mundo cristão aguarda o segundo advento de Jesus Cristo, todos os muçulmanos – sejam eles sunitas, xiitas, de qualquer ramo – também aguardam o segundo advento de um Messias. A única diferença entre o mundo cristão e o mundo muçulmano sobre o Messias é que consideramos que ele será agora um Messias muçulmano, mas também com trabalho universal. E nós, ahmadis, acreditamos que o fundador da nossa comunidade [Mirza Ghulam Ahmad] foi este segundo Messias.
Mas a maioria dos muçulmanos rejeitou-o, porque esperava mais um guerreiro, uma figura política com um trono, com ferramentas militares… E ele defendeu sempre a paz, explicando que enquanto os muçulmanos tiverem liberdade religiosa, não há qualquer justificação para a violência ou a guerra. Na sua época [século XIX], havia um debate na Índia sobre se a guerra contra os britânicos poderia ser classificada como uma jihad, ou “guerra santa”, e ele disse que não, pois enquanto os britânicos garantissem aos muçulmanos o direito de praticarem livremente a sua religião, não haveria base para a jihad.
A luta pela independência é uma luta política secular, não podemos misturar os elementos quando um governo não-muçulmano concede aos muçulmanos o direito de praticar a sua religião, não há justificação. No fundo, ele de alguma forma atualizou os ensinamentos do islã para a modernidade, algo que precisa de continuar a ser feito atualmente. Considero que os problemas e a crise do mundo muçulmano não podem ser negados, em termos espirituais, morais e éticos, mas isso não se deve ao islã, deve-se a uma leitura incorreta do islã.
A verdade é que há países onde os ahmadis ainda hoje são perseguidos… Pessoalmente, já alguma vez foi alvo de perseguição ou discriminação?
Sim… A rejeição, no meu caso, é historicamente familiar. Os meus pais são do Paquistão e foram para a Alemanha há 40 anos precisamente por causa da perseguição religiosa que ali existia – e continua a existir – contra a nossa comunidade. A comunidade ahmadia nasceu na Índia no século XIX, e após a divisão entre a Índia e o Paquistão nós, como a maioria dos muçulmanos, mudámo-nos para o Paquistão. Só que, na década de 80, começou uma perseguição estatal contra a nossa comunidade.
E isto é algo único no mundo, porque é verdade que há muitos casos de perseguição religiosa – vemos cristãos que sofrem perseguição no Paquistão e na Índia, por todo o mundo há casos de islamofobia e de judeofobia e muitas minorias religiosas sofrem perseguição – mas o caso dos ahmadis no Paquistão é realmente algo único, porque o Estado não só é cúmplice, como promove esta perseguição. Na própria Constituição, nós somos declarados não-muçulmanos e, se dissermos que somos muçulmanos, isso é um crime pelo qual podemos ir para a prisão. Também não podemos chamar “mesquita” ao nosso local de culto: temos de dizer “templo”, senão vamos presos. Nem sequer podemos proferir a expressão assalamu alaikum [a paz esteja contigo], porque isso é considerado blasfêmia.
Era como se, em Portugal, a Constituição definisse quem é cristão e quem não é, e todos aqueles que, de acordo com o Parlamento, não fossem cristãos, não pudessem praticar a sua fé, não pudessem votar, e caso dissessem que eram cristãos fossem para a cadeia. Isso é o que tem acontecido com os ahmadis no Paquistão ao longo dos últimos 50 anos, e por esse motivo é que o nosso califa teve de deixar o país e a sede da comunidade passou a ser no Reino Unido. Também por isso, muitas famílias, como a minha, decidiram sair.
Já foi ao Paquistão, apesar dos riscos que isso implica?
Sim, fui. Ainda tenho lá familiares e fui principalmente para visitá-los. Mas quando vou não posso revelar a minha identidade, não posso afirmar que sou muçulmano. É demasiado arriscado… Semanalmente, há notícias de ataques, de assassinatos. Até os nossos cemitérios vandalizam. E só não há mais notícias porque os ahmadis são censurados em todos os sentidos: as páginas de Internet são proibidas, os meios de comunicação são proibidos. As organizações de direitos humanos vão tentando sensibilizar a comunidade internacional para o que se passa, mas muitas pessoas não têm noção da perseguição de que somos alvo.
E como encara o que se passa agora em Gaza?
O que se passa em Gaza é muito grave e dói-me muito… Como nasci na Alemanha, conheço bastante bem o que aconteceu durante a Shoah. E há dois anos visitei o Yad Vashem, o Memorial do Holocausto em Jerusalém, e foi muito impactante para mim. Mas o que mais me custa é ver que a sociedade foi e continua a ser cúmplice de crimes com a sua passividade. Há uma frase que Martin Luther King disse durante a sua luta contra a discriminação que trago sempre comigo: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Essas palavras ressoam de um modo muito forte dentro de mim, porque realmente vejo que, depois de duas guerras mundiais, depois da pandemia, continuamos sem conseguir valorizar a vida humana. E não estou a falar da vida de um israelense, de um palestino, de um muçulmano, judeu, cristão, ateu. agnóstico… não interessa. Acho que é importante retirar todos estes rótulos. O que interessa é que é uma vida humana. O Alcorão diz que quem mata uma vida inocente é como se tivesse assassinado toda a Humanidade: não diz “vida muçulmana”, diz “vida humana”. E quem salva uma vida é como se tivesse salvo toda a Humanidade. Mas não vejo esse empenho da Humanidade em proteger vidas. Infelizmente, parece que o valor da vida de uma pessoa se deve à sua nacionalidade, etnia ou religião…
Os líderes religiosos, em particular, são também demasiado passivos?
Falta a coerência de levantar a voz e quebrar o silêncio, e falta o compromisso, seja nos setores religiosos, seja nas Nações Unidas, nas organizações internacionais, nos diferentes Estados… E aqui falo do Ocidente, claro, dos Estados Unidos da América e da União Europeia, mas também dos países árabes muçulmanos. E digo isto porque o conflito israelo-palestino não começou há um ano…
Concordo que o [atentado do Hamas contra Israel em] 7 de Outubro [de 2023] desencadeou um novo episódio, mas este conflito vem de há sete, oito décadas… E foi realmente como deixar uma bomba ativa no meio da Humanidade em vez de a desativar. Por isso, naturalmente, o conflito não só se expande como se torna mais violento. E aqui vejo um enorme fracasso nas relações diplomáticas, mas acima de tudo no que diz respeito ao compromisso com a justiça, com a honestidade, com a santidade da vida, com a paz. E a paz não pode ser alcançada só com palavras bonitas, a paz deve ser construída e exige ações concretas.
Quais ações concretas?
Em primeiro lugar, é preciso acabar com a perda de vidas humanas. O primeiro passo seria, se assim lhe quisermos chamar, um cessar-fogo, acabar com o ato de guerra. Acredito que não é preciso ser-se judeu ou amigo de Israel para reconhecer e também sentir a dor e o sofrimento, não só daquele povo durante a Shoah, mas também no dia 7 de Outubro. E devo dizer que a comunidade ahmadia tem membros em todo o mundo, incluindo em Haifa (Israel), e que essa comunidade já estava aí estabelecida antes da criação de Israel… E o nosso califa, alguns dias depois do ataque de 7 de Outubro, condenou-o publicamente e disse que este não podia ser justificado de forma alguma, especialmente sob os ensinamentos do islã. Porque o islã em circunstância alguma permite ataques a civis, nem mesmo em estado legítimo de guerra.
Mas pouco depois lançámos também a campanha “Vozes pela Paz”, porque qualquer que seja a injustiça ou a crueldade, a resposta nunca pode ser punir coletivamente um povo, em que ainda por cima quase metade são mulheres e menores que não têm nada a ver com terrorismo, não têm nada a ver com a guerra. Por isso, para mim, é claro que o cessar-fogo é o primeiro passo para pacificar a situação, para santificar a vida, e para chegar a um acordo ou à reconciliação.
E é evidente que é preciso exercer mais pressão sobre os intervenientes internacionais para que o digam. Esses intervenientes, evidentemente, devem questionar o papel das Nações Unidas, que precisa de ser adaptado ao século XXI. Como pode o veto de um país paralisar todo o sistema? A Anistia Internacional diz que o que está a acontecer é um genocídio, há decisões judiciais do Tribunal Penal Internacional… mas isso de alguma forma fica tudo na burocracia…
E o diálogo inter-religioso… tem tido consequências práticas?
Bem, pelo menos no meu caso, o diálogo inter-religioso ajudou muito. Mas é importante compreender que dialogar não significa pensar da mesma forma. Dialogar é aproximar as pessoas, conhecer o outro, conhecer as suas diferenças, respeitar essas diferenças, e partir desta diversidade para pensar em ações conjuntas, para um caminho conjunto. Porque, no final, todas estas religiões são religiões de paz e têm também muito em comum, que pode resumir-se a “amar a Deus, através do amor a toda a Sua criação”. Então, o destino é o mesmo. E o que o diálogo faz é destruir paredes e construir mais pontes para chegarmos a esse destino comum, a uma sociedade melhor… mantendo a diversidade.
Pode dar exemplos desse diálogo que tenham feito a diferença?
Sim… Na Argentina, temos a maior comunidade judaica da América Latina. E essa comunidade foi vítima de dois ataques terroristas nos anos 1990. Pouco tempo depois de eu ter ido viver para lá, organizou-se, pela primeira vez no país, um evento inter-religioso para assinalar o aniversário desses ataques, para o qual quiseram convidar um imã, um padre e um rabino. E eu fui esse imã, o primeiro a participar oficialmente num encontro inter-religioso e a manifestar as condolências à comunidade judaica pelas vítimas. Na sequência desse encontro, a Rádio Judia da América Latina (JAI), que dá voz à comunidade judaica em todos os países de língua espanhola, propôs-me fazer um programa semanal juntamente com um rabino, intitulado Salam Shalom [as palavras árabe e hebraica para “paz”] que seria um programa teológico, académico, de diálogo entre um muçulmano e um judeu.
Eu aceitei, mas com o tempo esse diálogo deixou de ser meramente teológico e acadêmico e tornou-se num diálogo de amigos. Muitas vezes, terminávamos de gravar o programa e íamos juntos ao café. Já não éramos o imã Marwan e o rabino Miguel, já não éramos um muçulmano e um judeu… éramos simplesmente o Marwan e o Miguel. E depois começámos a agregar também as nossas famílias ao diálogo. Ele veio no Ramadã a minha casa, à nossa mesquita… eu fui a casa dele e à sua comunidade no Shabat e no Rosh Hashaná… E no Natal, que nem eu nem ele celebrávamos, pensámos no que é que poderíamos fazer juntos pela comunidade católica… Então fizemos uma recolha de brinquedos nas nossas comunidades e entregámo-los numa das paróquias locais.
E, entretanto, este diálogo chegou também aos ouvidos do Papa Francisco, que vos quis conhecer!
Sim, em 2022 o Papa Francisco soube da iniciativa e nessa altura convidou-nos para a cerimônia de beatificação de João Paulo I e para uma audiência privada no dia seguinte.
Como foi a experiência de conhecer o Papa?
Para mim, foi muito emocionante. Porque, sendo ele um Papa católico e não sendo eu cristão, pensei que a audiência seria algo oficial, muito formal e superficial. Isto é, um encontro educado, com todo o respeito, mas não profundo… e também pensei que seria uma coisa curta, não mais do que 15 minutos. Mas foi exatamente o contrário! Quando entrei, o Papa fez questão de me conhecer: fez-me imensas perguntas sobre o que é que eu fazia, como é que tinha chegado à Argentina, como é que me sentia lá… Passaram dez minutos e chegou o secretário dele. E eu pensei: “pronto, já terminou e não falámos de quase nada…”. Mas o Papa disse: “Não, não! Vamos continuar. Agora é que vamos começar! E depois foi como se ele também abrisse o seu coração. Não senti qualquer barreira. Começou a contar-nos sobre a sua vida como cardeal, várias histórias pessoais, e até algumas muito íntimas, incluindo sobre os bastidores da assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana com Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed al-Tayyeb, em Abu Dhabi. E outra coisa que não esqueço foi o fato de ele ter usado o pronome “nós” o tempo todo… Ou seja, falava da Humanidade, dos muçulmanos, dos judeus, e incluía-se, o que para mim foi um grande gesto de humildade e de liderança, que colocou a sua palavra e a sua ação em coerência.
Aquilo que eu tinha lido na [encíclica] Fratelli Tutti, vi quando estava com ele. O Papa acredita mesmo nisso e pratica isso… Depois, entrou novamente o seu secretário, e eu pensei: “Pronto, agora é que terminou mesmo”. Mas não! O Papa disse que íamos continuar… Portanto, a audiência demorou quase 45 minutos. E até no fim, quando realmente terminámos e eu disse ao Papa, tendo em conta as suas limitações físicas, que não havia necessidade de cumprir o protocolo e ir acompanhar-nos até à porta, ele insistiu: “Quero muito acompanhar-vos porque foi muito bom para mim conhecer-vos e receber as vossas notícias”.
Foi tão bom que já esteve com o Papa uma segunda vez, e agora vai estar a terceira, para lhe entregar o livro que nasceu desta iniciativa… O que lhe disse o Papa no segundo encontro? E o que espera deste terceiro?
É verdade! O segundo encontro aconteceu em fevereiro deste ano, porque foi canonizada a primeira santa argentina, Mama Antula, e convidaram-nos a participar na celebração. Ao mesmo tempo, sinto que o Papa queria falar conosco também por causa do contexto da guerra… Um contexto completamente diferente do que existia no nosso primeiro encontro, quando Israel tinha assinado os Acordos de Abraão com os países árabes e havia uma grande esperança no diálogo.
Este ano, falar de Salam Shalom já não é a mesma coisa… Há cada vez mais separações e polarizações, é como se fosse tudo a preto e branco. E o Papa fez questão de nos dizer que agora é a altura de não desistir. Então decidimos que tínhamos de converter esta nossa experiência também num livro, para ser como uma centelha de esperança, de inspiração para os outros, e é esse livro que lhe vamos entregar. Será mais um momento muito especial para mim, porque admiro muito o Papa Francisco, mais do que tudo pelo seu compromisso com o diálogo inter-religioso e também porque a sua mensagem não é limitada apenas aos católicos. Muitas vezes, ele fala olhando realmente para toda a Humanidade… E quero manifestar-lhe que o acompanho neste caminho.
O diálogo com os judeus é mais difícil agora… mesmo na Argentina.
Sim, é mais difícil porque falta transparência e confiança, mesmo fora do Oriente Médio. Porque o conflito foi exportado… ou foi importado. Vivemos verdadeiramente num mundo globalizado e a guerra no Oriente Médio afetou totalmente as nossas relações. Mas uma coisa é verdade: é importante envolvermo-nos, participarmos ativamente na pacificação do conflito. Ou seja, não ficarmos indiferentes ao que se passa, mesmo que seja um conflito do outro lado do mundo. Ao mesmo tempo que mantemos os nossos relacionamentos, o que nem sempre é fácil…
É também para manter esses relacionamentos que está em Portugal, a convite do KAICIID?
Sim, na semana [passada] foi o encerramento de um programa sobre diálogo inter-religioso em que participei, juntamente com outros bolseiros que trabalham neste diálogo em diferentes partes do mundo. Sejam muçulmanos, judeus, cristãos, hindus, budistas… E levo daqui muita esperança. Porque se lermos as notícias, só se fala em guerras ali, conflitos acolá… E pensas em tanta escuridão. Mas aqui vi todas estas pessoas diferentes em harmonia e que querem o bem, querem a paz. E eu diria que somos a maioria, mas muitas vezes não encontramos os espaços para nos unirmos… falta-nos ligação, falta-nos diálogo. E é por isso que estas plataformas são essenciais.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Depois de duas guerras mundiais e da pandemia, continuamos sem conseguir valorizar a vida humana”. Entrevista com Imã Marwan Gill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU