04 Novembro 2024
Em um movimento que pegou muitos observadores de surpresa, a conferência dos bispos brasileiros, tradicionalmente vista como de esquerda, organizou recentemente uma cúpula de alto escalão para padres “influenciadores”, a maioria dos quais está associada aos círculos tradicionalistas e conservadores em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 02-11-2024.
O grupo de influenciadores clericais, que têm altos perfis nas mídias sociais, era formado principalmente por padres tradicionalistas e membros da Renovação Católica Carismática, que tendem a se alinhar às ideias de Bolsonaro. O ex-presidente frequentemente entrou em choque com a conferência dos bispos durante seu mandato, certa vez chamando-a de “a parte podre da Igreja”.
Surpreendentemente, durante a recente cúpula de 29 a 30 de outubro, organizada pela Comissão Episcopal de Comunicações, outros padres que também têm muitos seguidores online, como o ativista de direitos humanos Pe. Julio Lancelloti, mas que são vistos como tendo visões mais progressistas, não estavam na lista de convidados.
Os organizadores explicaram que a iniciativa de reunir influenciadores começou em 2015, mas naquela época o grupo focava em cantores católicos. Hoje, enquanto alguns músicos também participaram do encontro, mas o critério básico de seleção foi clérigos com seguidores substanciais nas mídias sociais.
A CNBB postou vídeos e fotos do encontro nas redes sociais semanais. Cada postagem atraiu dezenas de comentários, muitos dos quais refletiam surpresa com a lista de participantes, especialmente o mais polêmico, o Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Junior.
Famoso por suas aulas online, que são acessíveis por meio de um esquema de assinaturas, e seus comentários públicos contra o clero de esquerda, Ricardo ganhou a reputação de “defensor do verdadeiro catolicismo” entre os tradicionalistas na última década. Em muitas ocasiões, ele criticou ações da CNBB e da Igreja como um todo.
Sua amizade com Olavo de Carvalho (1947-2022), também gerou polêmica. Olavo, jornalista e autoproclamado filósofo, publicou artigos sobre a crescente influência social do chamado “marxismo cultural” por décadas, denunciando as formas como a esquerda supostamente estava tomando o controle da sociedade e da Igreja. Ele era considerado uma espécie de intelectual interno do governo Bolsonaro, apesar de viver na Virgínia, nos EUA. Uma foto do Pe. Ricardo segurando uma arma de grande porte lado a lado com Olavo de Carvalho viralizou nas redes sociais brasileiras.
De acordo com relatos da CNBB, os participantes foram informados sobre a iniciativa da Conferência de 2015 e a ideia de transformar tal grupo em algo permanente. Eles trocaram impressões e experiências e rezaram juntos. Entrevistas individuais em vídeo foram produzidas por jornalistas da CNBB com alguns deles e foram publicadas online, com Ricardo entre os destaques.
Alguns analistas viram a iniciativa como um movimento institucional da conferência dos bispos para aproximar esses padres mais conservadores do episcopado após anos de desentendimentos. Fundada há 60 anos por Dom Hélder Câmara, figura central na história da Teologia da Libertação no Brasil, a CNBB tem sido majoritariamente liderada por progressistas ao longo de sua história.
Na opinião do padre Manoel Godoy, prestigiado teólogo que lecionou durante anos numa faculdade jesuíta de Belo Horizonte, a mudança aparentemente significou que “a CNBB quer mostrar a eles que mudou”.
“Me parece que a CNBB queria que eles soubessem que não é tão radical como costumava ser e como era vista por eles. Então, eles poderão contar com o episcopado agora”, disse ele ao Crux.
Embora as atuais lideranças da CNBB incluam alguns progressistas, o presidente é Dom Jaime Spengler, de Porto Alegre (recentemente nomeado cardeal) e o secretário-geral é o bispo auxiliar Dom Ricardo Hoepers, de Brasília, ambos vistos como moderados.
Anteriormente, a CNBB havia apoiado um estudo sobre o fenômeno dos influenciadores digitais católicos, coordenado pelo bispo auxiliar de Belo Horizonte D. Joaquim Mol Guimarães. Moises Sbadelotto, especialista em comunicação católica e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, foi um dos membros do grupo de estudo. Para ele, os influenciadores digitais que se encontraram em Brasília “não são representativos da diversidade da Igreja brasileira. Havia apenas 17 padres lá – e temos muito mais ministros no Brasil com presença relevante na internet”, disse ele ao Crux.
Sbadelotto explicou que a investigação sobre os influenciadores católicos estabeleceu cinco parâmetros para avaliar sua legitimidade: 1) a primazia do Evangelho de Jesus (o influenciador deve trabalhar para anunciá-lo e deve ser fiel ao Jesus do Evangelho); 2) a primazia da caridade (o que significa que o influenciador deve pautar suas ações pelo amor e pela cordialidade); 3) a primazia da graça (o influenciador deve reconhecer que é um servo da missão de Jesus e não um sabe-tudo); 4) a primazia da sinodalidade (o influenciador deve entender que todos os batizados têm um papel na Igreja); 5) a primazia da unidade eclesial (o influenciador deve trabalhar por ela e evitar manifestações agressivas contra outros membros da Igreja, incluindo os bispos e o Papa).
“Alguns desses influenciadores manifestaram opiniões agressivas contra a CNBB. Precisamos analisar suas ações de acordo com esses parâmetros”, disse Sbardelotto.
No entanto, o pesquisador acredita que a iniciativa de convidar esses padres para formar um grupo de influenciadores pode ser positiva, já que o Papa Francisco já disse em diversas ocasiões que a Igreja deve estar aberta a todos. “Mas a intolerância não pode ser tolerada para sempre. Se depois dessa reunião alguns deles continuarem divulgando vídeos contra o episcopado e até mesmo o papa, outras ações devem ser tomadas”, disse ele.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Em homenagem aos conservadores, bispos brasileiros acolhem padres influenciadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU