24 Outubro 2024
Atualmente, o Sínodo Mundial está em sessão em Roma. Contudo, qualquer tipo de comunicação com a mídia está proibida para os participantes. "Essa falta de transparência é negativa", afirma Marco Politi. Como está a Igreja Católica e qual é o estado da eterna discussão sobre a questão das mulheres, explica o conhecedor do Vaticano e autor de uma biografia sobre o Papa Francisco. Ele também explica o que o Papa tem em comum com uma tartaruga.
A entrevista é de Udo Gümpel, publicada por Ntv, 22-10-2024.
O Papa perdeu a coragem de reformar profundamente a Igreja? Ele quer apenas "manter as coisas funcionando" e entregar ao seu sucessor uma Igreja - no papel - unida?
Partamos do fato de que ele teve de sobreviver por dez anos a algo que eu descreveria como uma guerra civil dentro das fileiras da Igreja. Contra ele estavam vários cardeais conservadores, bispos, conferências episcopais que às vezes sabotavam e até mesmo um Papa emérito. A Igreja hoje é um mosaico de diferentes tendências, visões e culturas. Há conferências episcopais profundamente divididas, como a dos Estados Unidos, e grandes diferenças entre as igrejas da Europa Oriental e da Europa Ocidental. Essas diferenças se manifestam em todas as questões em aberto. Por exemplo, igrejas no hemisfério norte querem abençoar homossexuais, enquanto na África são totalmente contra. Nesse sentido, Francisco realmente precisa manter tudo unido.
O Sínodo é uma oportunidade perdida?
De fato, esse Sínodo poderia ter sido um "mini-concílio", mas no Concílio Vaticano II os bispos conquistaram grande liberdade. No Sínodo, Francisco - contrariamente à tradição de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI - proibiu a divulgação de informações abertas, de reportar quem disse o quê. Essa falta de transparência é negativa.
Francisco teme que a divisão em muitos temas se torne evidente?
Essa suposição não está totalmente errada, mas acredito que o Papa, com este Sínodo a portas fechadas, embora algumas informações vazem para nós, está perseguindo a ideia de uma "terapia em grupo" para sua Igreja. Ele não quer excluir os pontos críticos, como a homossexualidade e as mulheres na Igreja, mas quer primeiro que as diferentes partes da Igreja e do catolicismo se conheçam melhor diretamente, para que futuras rupturas possam ser evitadas. Sabemos, pelas conversas com muitos participantes, que isso também tem seu lado positivo. O Sínodo funciona como um grande workshop, onde ninguém deve impor sua vontade ao outro.
Quais seriam, então, as novidades?
Eu acho o tema da responsabilidade extremamente interessante, a responsabilidade que os bispos agora devem prestar. A quem? Eles já devem isso ao Papa, durante as visitas Ad-limina regulares e obrigatórias dos bispos. Então, só pode se referir aos irmãos bispos e às próprias comunidades. Esse é um pensamento muito interessante, que pode tornar a Igreja mais permeável e transparente. Aqui vemos também a abordagem do Papa. Isso também se aplica ao problema das mulheres. Francisco adota a estratégia da tartaruga, que avança lentamente, mas de forma constante, com pequenos passos, mas sempre para frente.
Os pontos de discórdia: a questão das mulheres, a autonomia das igrejas locais e também o tratamento da homossexualidade e das pessoas trans. O Papa teme um cisma?
O Papa tem um exemplo ruim em mente: a Comunhão Anglicana. Ela está totalmente dividida entre as igrejas do norte e do sul. As igrejas do sul não aceitam sacerdotes homossexuais e têm dificuldades com bispas. Os anglicanos não conseguiram organizar um sínodo por muitos anos, porque o conflito era muito forte. Hoje, o Primaz de Canterbury disse que vivem sob a mesma tenda, embora com ideias diferentes. Mas o Papa não quer esse tipo de convivência lado a lado. A força da Igreja Católica é justamente que o Papa fala com uma única voz para 1,3 bilhão de católicos, e sua voz tem peso no cenário mundial. Isso é especialmente evidente na guerra na Ucrânia. O Sul Global apoia as posições papais, sem se alinhar nem com os Estados Unidos nem com a Rússia. O Sul Global, que é a grande maioria da humanidade na Terra. A unidade da Igreja Romana no Papa é, portanto, um bem muito valioso, apesar de todas as diferenças.
Como Roma pretende lidar com a condenação da homossexualidade e o papel da mulher na Igreja?
Este Papa tirou toda a questão sexual da mesa. A condenação generalizada do sexo, das parcerias homossexuais ou a prática de negar a comunhão a casais divorciados e recasados: isso hoje desapareceu. Sabemos que, no primeiro Sínodo sobre a família, o Papa não conseguiu maioria para permitir a comunhão dos divorciados recasados, mas em sua exortação apostólica "Amoris Laetitia", ele indiretamente permitiu isso em uma nota de rodapé. Agora, cabe ao padre individual, ao bispo. Portanto, está permitido. Não devemos esquecer que mais de 100 bispos e cardeais conservadores coletaram 800.000 assinaturas em todo o mundo contra isso na época: foi o início da guerra civil na Igreja Católica, que ainda persiste. Sobre os homossexuais, o Papa disse: "Eles são filhos de Deus como qualquer outra pessoa, e quem sou eu para julgá-los?". O Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Fernandez, que tem relações estreitas com o Papa Francisco, agora expressamente aprovou a concessão de uma bênção a casais homossexuais. Uma bênção que não deve ser dada durante a liturgia regular, esse é o compromisso, mas ainda assim: uma bênção!
Uma bênção de segunda classe?
É assim que muitos percebem, mas é um passo na direção certa: esses casais não são mais demonizados, esses casais não vão mais "para o inferno", como se dizia antes; esses casais têm o direito de viver seu amor em sua parceria. Esse é o marco deste pontificado, apesar de todas as críticas.
O papel da mulher: "abnegada", misericordiosa, sempre louvada em todos os lugares. Mas, quando se trata de tomar decisões, ela fica de fora?
Já houve uma mudança aqui. Na questão das mulheres, Francisco já começou a fazer o que prometeu no início de seu pontificado: hoje, as mulheres ocupam cargos de liderança no Vaticano, participam de decisões em vários dicastérios, os ministérios vaticanos, no governo do Estado da Cidade do Vaticano, o Governatorato. Isso agora precisa ser implementado no nível da Igreja mundial. Até onde sei: a Conferência Episcopal Alemã está à frente desse movimento, e a Dra. Beate Gilles é secretária-geral. 99% de todas as conferências nacionais não têm uma. O Papa, por exemplo, nomeou a irmã francesa Natalie como secretária do Sínodo: esse foi um passo importante. Lembro também que, na última sessão do Sínodo, no outono de 2023, as mulheres tiveram direito de voto pela primeira vez. Após 1700 anos de história da Igreja Romana, onde apenas os homens podiam decidir. Foi uma virada de época. Certamente, a questão de saber se as mulheres podem se tornar sacerdotes ou diáconas ainda está em aberto. O Cardeal Fernandez, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, informou de forma bastante abrupta ao Sínodo que o Papa lhe confiou esse tema. Isso incomodou muitos no Sínodo. Por outro lado, ainda não há um consenso majoritário na Igreja sobre o diaconato feminino. O Papa não é mais um monarca absoluto hoje, que pode impor tudo de acordo com seu gosto, nem mesmo uma decisão "progressista". Ele precisa buscar maiorias, e não há maioria para o sacerdócio feminino no momento.
O que a seleção dos cardeais diz sobre a futura Igreja que o Papa Francisco está moldando?
Certamente, a Igreja hoje tem um conclave onde 80% dos 140 cardeais eleitores foram nomeados por Francisco. Mas o pensamento desses cardeais é completamente incerto. Existem cardeais que apoiam a comunhão para os divorciados recasados, ou aqueles que defendem a ordenação de diáconas ou querem abençoar homossexuais. Muitos outros são contra. O mais importante para a Igreja será encontrar um Papa que traga mais unidade, que consiga reduzir a polarização crescente. Não haverá um Papa que retroceda, que seja reacionário. Um pequeno passo atrás foi tentado com Ratzinger. Isso não funcionou, gerou muitos conflitos. Será um Papa de centro, que possa reunir todos novamente, mas que também seja um Papa carismático. No século XXI, não se pode mais governar a Igreja de uma mesa no Vaticano; é preciso liderar 1,3 bilhão de fiéis. Para isso, é preciso carisma, o Papa deve ser um grande "captador de almas".
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"Francisco persegue para a Igreja a 'ideia de uma terapia em grupo'". Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU