24 Outubro 2024
A questão da participação das mulheres na liderança eclesial (também em formas ministeriais) é uma questão central para o desejado processo de reforma missionário-sinodal.
O artigo é de Serena Noceti, publicado por Donne Chiesa Mondo, em outubro de 2024. A tradução é de Luisa Rabolin.
Serena Noceti é teóloga, professora de Eclesiologia no Instituto Superior de Ciências Religiosas da Toscana.
Ao examinar, mesmo em uma primeira leitura rápida, o Instrumentum laboris que orienta os trabalhos da segunda Assembleia Sinodal (outubro de 2024), o leitor fica impressionado com o retorno da locução “homens e mulheres”: 22 vezes é usada para definir a identidade dos discípulos de Cristo, os destinatários do anúncio evangélico e dos missionários, dos batizados, dos santos, dos envolvidos na vida pastoral. É um sinal evidente de um reconhecimento da subjetividade do gênero e da contribuição específica de uns e de outras, expressando a consciência, já madura, de que a linguagem que usamos, as palavras que usamos para falar de nós mesmos, moldam a nossa identidade e as nossas relações. Assim, o documento nos atesta a intencional superação da tentação do neutro ao pensar os seres humanos, os crentes em Cristo e os pertencentes ao corpo eclesial, e o reconhecimento de um cânone constitutivo, o da pluralidade diferenciada, sem o qual a sinodalidade não pode acontecer. Com a repetição dessa locução, cria-se um espaço de verdade antropológica e de livre corresponsabilidade eclesial para mulheres e homens, gerador de novas possíveis “composições”: para as mulheres, um espaço para sair da condição de “parceira eclesial invisível”; para os homens, um caminho e uma perspectiva inédita para finalmente poder falar de si mesmos em sua parcialidade específica, encontrando palavras para compreender a masculinidade.
A consciência da centralidade da questão de gênero para a vida e a missão da Igreja também emerge da colocação da reflexão nesse segundo Instrumentum laboris: a encontramos na primeira parte, dedicada aos “Fundamentos” da visão da sinodalidade. Em particular, os dois primeiros parágrafos delineiam um modelo relacional de “reciprocidade dinâmica”, de “relacionalidade, interdependência, reciprocidade”, que leva para além dos obstáculos das lógicas de “complementaridade” de masculino e feminino, das perspectivas essencialistas, nas quais havia se ancorado também nas últimas décadas tanta reflexão eclesial para apresentar uma “natureza abstrata” própria de cada Homem e de cada Mulher, independentemente das dinâmicas culturais e dos desenvolvimentos históricos, tão “essenciais”, ao contrário, à subjetividade humana. Os três parágrafos seguintes, especificamente dedicados à contribuição das mulheres para uma igreja sinodal e missionária, estão enraizados nessa nova visão geral: refletir sobre o futuro da igreja como comunhão missionária envolve abrir espaço para uma participação ativa de cada christifidelis, reconhecendo que, por meio do batismo, nos tornamos - todos e todas - “parte” do corpo eclesial e somos chamados - todos e todas - a “tomar parte” ativamente na vida do povo de Deus.
O Sínodo sobre a Sinodalidade, afinal, se propõe a desenvolver uma nova “composição” eclesial, um conjunto de várias partes em relação recíproca.
A visão delineada no segundo Instrumentum Laboris representa uma etapa significativa de amadurecimento nessa direção, precisamente por causa do modelo antropológico e eclesiológico que assume nesse tema (“Irmãos e irmãs em Cristo: uma reciprocidade renovada”). Não insiste tanto nas narrativas do Gênesis quanto na contribuição das mulheres na Igreja, a partir de sua condição de discípulas de Jesus e anunciadoras da ressurreição. Mas o surgimento do tema das mulheres foi progressivo no decorrer dos trabalhos sinodais; por alguns aspectos, esse já é um dos frutos do diálogo sinodal.
O Documento Preparatório, surpreendentemente, não apresentava, de fato, nenhuma demanda sobre as mulheres na Igreja; se referia a duas mulheres - a cananeia e a samaritana - para lembrar a vontade de Jesus de incluir todos. O tema da participação das mulheres surgiu com força em todas as Sínteses enviadas pelas Conferências Episcopais: onde as mulheres podem tomar a palavra em primeira pessoa, chamam a Igreja a reconhecer sua contribuição insubstituível, mas também destacam o “desequilíbrio de gênero” que marca - embora de formas muito diferentes nos vários contextos eclesiais - a vida pastoral. As mulheres são o “parceiro impensado” do Vaticano II, mas são o “parceiro primário” para a recepção do Concílio: com a riqueza da sua palavra de anunciação do Evangelho e de serviço ministerial e pastoral, moldaram a face da Igreja Católica em todo o mundo. O documento para a etapa continental Amplia o espaço da tua tenda dedicou uma reflexão aprofundada às razões para a subestimação da contribuição feminina para a missão da Igreja, às razões para a exclusão das mulheres dos papéis de liderança e aos possíveis fatores de mudança em termos de mentalidade e de estruturas eclesiais. O documento permite compreender que a questão realmente importante não é tanto a da participação das mulheres (em si mesma óbvia), mas a da liderança feminina, como a função de condução e animação de processos coletivos e comunitários de igreja, nos vários níveis, como a assunção de papéis de autoridade no e para o Nós eclesial institucionalizado.
As sínteses das sete assembleias continentais nos fazem perceber a onipresença e o caráter pervasivo da questão sobre o reconhecimento da subjetividade das mulheres na Igreja, mas também as diversidades existentes no plano cultural e social entre as diferentes igrejas locais no mundo sobre a questão da liderança. Em particular, deve-se observar que a questão da liderança na América Latina, América do Norte, Europa e Oriente Médio se manifesta numa dupla forma de pedido de uma liderança mais ampla exercida por leigas e religiosas (também nos níveis mais altos das igrejas nacionais ou nos dicastérios do Vaticano) e na demanda de ordenação ministerial das mulheres, ao diaconato em muitos casos, mais raramente a todos os graus do ministério. Na África, a questão da liderança das mulheres está correlacionada à contribuição pastoral e eclesial das religiosas, mas sem uma exigência declarada de ordenação ministerial. Para todos, permanece qualificadora a Magna Charta das relações eclesiais: “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.” (Gl 3,28): a re/composição das relações eclesiais a partir desse “tema base” fundador deve ser desenvolvida.
A redação do Instrumentum laboris para a Assembleia de outubro de 2023 correlaciona o reconhecimento da contribuição das mulheres e sua participação na vida da Igreja, também “em papeis de autoridade e de governo”, ao tema da igual dignidade das mulheres e sua contribuição específica, enquanto no Relatório de síntese publicado no final da Assembleia denuncia-se com clareza clericalismo, masculinismo “discriminação de trabalho e remuneração desigual”, apela-se a uma “corresponsabilidade não competitiva”, afirma-se que “é urgente garantir que as mulheres possam participar dos processos de tomada de decisão e assumir papéis de responsabilidade na pastoral e no ministério”, citando a esse respeito o exemplo dado pelo Papa Francisco, que trabalhou para um aumento significativo de mulheres “em posições de responsabilidade na Cúria Romana”. Em todos esses documentos, fica evidente que não se trata apenas de reconhecer o fato das mulheres serem empenhadas e “discípulas corresponsáveis na missão” eclesial: também devem ser abertos espaços de ação para as mulheres nos contextos em que as decisões são tomadas para a vida e a atividade pastoral, e devem ser definidas “mudanças estruturais” que permitam efetivamente que as mulheres assumam papéis de autoridade nas igrejas locais, em nível nacionais e de igreja universal.
As transformações culturais, legislativas, políticas e econômicas que acompanharam o amadurecimento e o empoderamento das mulheres e modificaram os modelos de relação entre homens e mulheres nas sociedades ocidentais afetaram positivamente a condição das mulheres católicas e a práxis eclesial, mas são inúmeras as resistências e os dispositivos de bloqueio. Persiste um espesso teto de vidro, bloqueando o acesso das mulheres aos contextos em que são decididas as estratégias de ação pastoral e as prioridades de formação, mesmo naqueles contextos em que as mulheres são a maioria dos agentes pastorais e em que a função não exige, por si só, a presença de um ministro ordenado. Mantêm-se leituras estereotipadas generalizadas do feminino e do masculino; há práticas pastorais consolidadas e inquestionáveis que relegam as mulheres ao papel de eficazes colaboradoras, mas excluem papéis de autoridade, com a exceção de poucas cooptadas pela hierarquia, sem que isso aporte uma mudança na cultura eclesial e nas estruturas.
Essas experiências mostram que a mudança é possível, mas o risco é que a referência a essas mulheres “presentes nos níveis mais altos” possa atrasar as reformas gerais e estruturais em uma perspectiva de gênero, pois se desloca o foco para as possibilidades dadas a indivíduos em vez de atuar na transformação da cultura eclesial clerical, muitas vezes patriarcal. De qualquer forma, devemos reconhecer que o tema da liderança na Igreja também está ligado ao ministério ordenado. O tema da ordenação diaconal de mulheres não é objeto de discussão na assembleia de outubro: o tema foi confiado a um grupo de estudo coordenado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé. Mesmo em torno desse delicado tema de pesquisa, é evidente que o tema das mulheres é revelador e central: o modo como é abordado mostra, de fato, qual é o modelo eclesiológico e de ministério ao qual realmente se faz referência, qual é o modo de pensar a relação entre Evangelho, Tradição, cultura e história, quanto e como a leitura dos sinais dos tempos é relevante para pensar a vida e a missão da igreja hoje.
A questão da participação das mulheres na liderança eclesial (também em formas ministeriais) é uma questão central para o desejado processo de reforma missionário-sinodal. Aqueles que, em um processo abrangente vital, não reconhecem um dos parceiros - aliás, o mais ativo na base eclesial e o mais significativo para as mudanças que ocorreram no plano sociocultural - enfraquecem, retardam, dificultam qualquer dinâmica transformadora; tiram da “composição musical” a força de uma voz insubstituível e subtraem do devir do corpo eclesial aquela criatividade que só pode nascer do encontro entre mundos diferentes.
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Um sinal do Sínodo: retorna a locução “homens e mulheres” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU