23 Outubro 2024
"Ninguém negou o valor do juízo de Moltmann, citado por Francesco Cosentino, para quem a mediação entre a tradição cristã e a situação do mundo atual seria a tarefa mais importante da teologia. Tampouco me parece ter havido quem tenha negado que exista um problema em aberto a esse respeito, argumentando que, de fato, os teólogos de hoje desempenhariam adequadamente essa tarefa. Em sua maioria, as respostas à solicitação apresentada procuraram explicar as razões e justificar a timidez da teologia atual, que decorreria do autoritarismo do magistério e do desinteresse da cultura contemporânea por seu discurso", escreve Severino Dianich, teólogo italiano, em artigo publicado por Settimana News, 21-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eu ousei escrever sobre “traição” dos teólogos, pensando que a palavra dura seria exorcizada pelo fato de que se tratava de um empréstimo literário do famoso texto de Julien Benda, La trahison des clercs. Em vez disso, foi levada muito a sério, dando origem a várias reações, que enfrentaram o problema ampliando seus conteúdos.
Sobre o silêncio dos teólogos, eu havia falado em um sentido bastante circunscrito, referindo-me à ausência de uma reflexão ampla e profunda, que seria necessária, sobre a relevância para a fé e para a teologia de eventos como o ressurgimento dos nacionalismos, a virulência renovada do racismo e do antissemitismo, o uso de roupagens religiosas pelos conflitos e guerras.
Sobre o silêncio dos teólogos, por outro lado, depois se discutiu em um sentido amplo e geral. O tema sobre o qual se concentrou a atenção, resumindo, parece-me ter sido o problema da solidão do teólogo, citada como justificativa por suas timidezes.
Ninguém negou o valor do juízo de Moltmann, citado por Francesco Cosentino, para quem a mediação entre a tradição cristã e a situação do mundo atual seria a tarefa mais importante da teologia. Tampouco me parece ter havido quem tenha negado que exista um problema em aberto a esse respeito, argumentando que, de fato, os teólogos de hoje desempenhariam adequadamente essa tarefa. Em sua maioria, as respostas à solicitação apresentada procuraram explicar as razões e justificar a timidez da teologia atual, que decorreria do autoritarismo do magistério e do desinteresse da cultura contemporânea por seu discurso. As dificuldades objetivas, no entanto, explicam o sucesso limitado dos teólogos que, sempre que possível, tentam fazer com que suas vozes sejam ouvidas nas conversas públicas, mas não justificam sua rendição diante das dificuldades. Muito menos aquele certo desinteresse dos ambientes de Igreja pela teologia, nem mesmo os riscos de colusão com os imperativos do magistério constituem razão suficiente para poder trair a própria vocação.
Deve-se dizer, além disso, que, desde a época do modernismo, os teólogos nunca desfrutaram da liberdade de que desfrutam hoje. Eles devem se precaver, se for o caso, da tentação de renunciar à sua liberdade para seguir carreiras acadêmicas que, a propósito, terão pouco a lhes retribuir, seja em dinheiro seja em prestígio, pelos sacrifícios que fizeram.
Quanto à surdez da cultura dominante, embora seja verdade que o interesse pelo religioso seja, no mínimo, escasso, também é verdade que hoje está despertando dramaticamente no contexto dos conflitos e guerras que dele se revestem como de um nobre manto.
Seja como for, e independentemente de como se julguem as dificuldades que o teólogo encontra hoje, pois o carisma é ao mesmo tempo graça e responsabilidade, não lhe é permitido eximir-se de exercer sua função crítica sobre a experiência de fé e sobre as práticas da vida e da missão da Igreja. “Vai e clama aos ouvidos de Jerusalém” (Jr 2,1): a palavra dirigida ao antigo profeta continua a ressoar e o teólogo é um de seus primeiros destinatários.
Não se deveria esquecer os vários Chenu, Congar, De Lubac, Daniélou e tantos outros que, na primeira metade do século XIX, mesmo tendo que sofrer desconfiança e censura, prepararam, sem saber da preciosidade de seus esforços, o terreno do qual o Concílio Vaticano II tirou sua preciosa colheita.
Já se foram os dias em que os teólogos da Sorbonne estavam empenhados em condenar as heresias. A teologia, mesmo quando a definimos como dogmática, absolutamente não é dogmática: não define os dogmas, mas os interpreta, à medida que a cultura e as sensibilidades mudam, para que possam resultar vivos e significativos, de maneira diferente, nos mais variados ambientes.
Costuma fazer isso apresentando diferentes hipóteses interpretativas, tentando verificar sua eficácia e adotando uma ou duas para abrir novos percursos para falar da fé, de modo a torná-la capaz de se inserir na conversa pública atual.
O fato de a teologia hoje não desfrutar de nenhuma autoridade lhe garante a máxima liberdade e lhe permite poder até errar. Movendo-se nesse seu espaço de liberdade, ela se torna criativa, capaz de abrir caminhos, os mais variados, que pela Igreja podem ser desdenhados, recusados ou aceitos, em vista de seu futuro. Se, no entanto, os teólogos não fizerem isso, a se impor serão os medos e a preguiça daqueles que nada querem mudar.
O primeiro dever da profissão de teólogo será cuidar da exatidão da documentação das fontes, mas, ao fazê-lo, também terá de tomar ciência de suas bivalências, de seus silêncios e dos espaços que deixam em aberto. Esses serão os espaços nos quais se mover com liberdade e esse será o terreno no qual lançar as sementes das inovações necessárias para que possam continuar a falar ao mundo em transformação. Basta pensar, por exemplo, de quantos falsos problemas o debate sobre o diaconato para as mulheres poderia ser poupado se fosse lembrado que, ao longo da história, a Igreja várias vezes modificou os graus da Ordem, de modo que resulta muito difícil negar que ela tenha o poder de voltar a instituir, bem como de instituir ex novo, a ordem das diáconas. Uma vez realizada com a máxima acríbia e honestidade intelectual a entrega do estudo das fontes, do carisma do teólogo despontarão as mais variadas hipóteses hermenêuticas. Assim, das fontes da fé brotarão novas respostas para as novas perguntas que surgem continuamente com o passar do tempo.
O teólogo, porém, deve saber arriscar, dando livre curso às suas intuições, apresentando as suas propostas com disponibilidade para ser contestado.
Não da quietude dos pensamentos diferentes, mas de sua ativa dialética, o pensamento teológico sempre extraiu e doou à Igreja seus melhores frutos.
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Sobre a profissão dos teólogos e das teólogas. Artigo de Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU