22 Junho 2024
Entre os dias 5 e 7 de junho, o Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru – IDEHPUCP foi sede do Seminário Regional Latino-Americano ‘A Filosofia frente aos direitos humanos hoje’, promovido pela Confederação Mundial das Faculdades de Filosofia das Universidades Católicas (COMIUCAP) e coorganizado pelo Centro de Estudos Filósofos e a nossa instituição.
No âmbito deste encontro, conversamos com o padre jesuíta João Vila-Chã, representante da Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália, e presidente da COMIUCAP, sobre a filosofia, os direitos humanos e a globalização das ideias e movimentos antidireitos.
A entrevista é de Kathy Subirana, publicada por IDEHPUCP, 18-06-2024. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Vivemos uma época em que as tendências conservadoras vêem o tema dos direitos humanos como uma perda de tempo, inclusive como um tema incômodo para o poder e o “desenvolvimento”. Como observa esta tendência?
É bastante preocupante e é um tema que deve ser levado muito a sério. A partir da filosofia, isto pode ser visto como uma resistência ao bem. Existe a ideia de que todos queremos o bem, mas também existe a resistência ao bem. E é necessário reconhecer que os direitos humanos não são inerentes à vida do ser humano, ao contrário, são algo que levou milhares e milhares de anos para se concretizar, compreender e ganhar sentido.
A ideia de progresso social e político, a meu ver, converge no sentido que damos aos direitos humanos. Digamos que os direitos humanos são uma criação nossa, uma descoberta pela qual pagamos um preço muito alto e que se deu quando compreendemos o potencial autodestrutivo do ser humano. Então, as e os inventores dos direitos humanos, aquelas figuras, homens e mulheres, filósofos e juristas, que articularam esta ideia e através dela a possibilidade de paz, também sonhavam que os seres humanos vivam a sua humanidade, que deixem para trás tudo aquilo que destrói e corrompe.
Estou convencido de que a crise dos direitos humanos tem a ver com a falta de reflexão acerca deles e com uma situação cultural e política em que primam os interesses individuais e não os coletivos. Contudo, os direitos humanos são a coisa mais sensível, a mais delicada que temos. São a primeira coisa que se ataca quando chegam os tempos de guerra e de crise, e devemos colocá-los em primeiro lugar, não só quando chegamos à crise, mas sempre.
Compreendo, então, que em determinado momento pensamos que os direitos humanos, a sua defesa e preservação eram como o sentido comum do ser humano. Esta crise que enfrentamos tem a ver com a desumanização do ser humano?
O ser humano é um ser muito complexo. De fato, estamos aprendendo a ser humanos todos os dias, desde que ganhamos consciência e redescobrimos isto ao longo de nossa vida, no dia a dia. A lógica ditava que o respeito aos direitos humanos era a única alternativa após guerras tão sangrentas como foram as duas guerras mundiais, que embora tivessem o seu centro nevrálgico na Europa, alcançaram o mundo todo. Apesar do que a lógica dizia, desde o início, houve muita resistência em estabelecer os direitos humanos.
Não foi algo que se deu de forma rápida e pacífica, sem objeções. E 80 anos depois, as guerras não acabaram no mundo. Neste momento, enquanto conversamos, há pessoas morrendo na Ucrânia, em Gaza, em vários países do continente africano... A Declaração dos Direitos Universal dos Humanos quis pôr fim a muitas coisas que hoje estão se repetindo.
Estava pensando na guerra e na pandemia, quando fomos fechados em nossas casas. Muitos de nós pensamos que quando a pandemia acabasse voltaríamos ao mundo sendo pessoas melhores, seres humanos melhores.
Eu também pensei isso. Contudo, a humanidade dá dois passos à frente e depois retrocedemos para avançar novamente. É assim que a história é construída. A questão da pandemia é que não pensamos, como humanidade global, o que deveríamos ter pensado durante a crise.
Nós, como humanidade, tivemos muita sorte durante a pandemia, pois vivemos uma emergência sanitária em um mundo onde existe internet e uma série de condições que nos fizeram sobreviver com certa qualidade de vida. Nós tivemos muitos benefícios e, por isso, temos mais obrigações com nossos antepassados e com os que vierem.
No entanto, penso que o isolamento profilático que nos foi imposto teve consequências que não imaginávamos. Não me refiro apenas à estabilidade psicológica e física, mas também ao fato de que nos fechou em nosso mundo e nos esquecemos da perspectiva de comunidade.
A guerra Rússia-Ucrânia vem sendo gestada há 10 ou 20 anos, mas ninguém queria enxergar, e isto é muito preocupante porque, neste momento, esta guerra representa um perigo nuclear que pode rapidamente se traduzir no fim da humanidade. E não digo isso porque sou fatalista. Desde a bomba atômica no Japão, não tivemos este risco. Nem no Vietnã, nem na Coréia. É por isso que a ameaça aos direitos humanos hoje é maior do que nunca.
Eu diria que Putin invadiu a Ucrânia porque pôde. As guerras começam porque uma das partes pode iniciá-las, tem poder para isso. Podemos falar em uma ética do poder?
Uma coisa que deve ser considerada, e digo isso como cidadão, é que quando temos a felicidade de viver na democracia, devemos preservá-la. Quando vamos votar, temos que ver para quem vamos transmitir o poder. O poder político é um poder real e eu acredito que, muitas vezes, não pensamos assim.
O poder na política é um serviço, ou deveria ser. Um poder que não está a serviço da lógica da paz é um poder que não promove os direitos humanos. Ou seja, não promove o princípio segundo o qual cada ser humano, pelo simples fato de sê-lo, possui direitos inalienáveis.
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“O ser humano demorou séculos para construir a ideia de direitos humanos”. Entrevista com João Vila-Chã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU