01 Mai 2024
"Diante de todo esse horror, o que a comunidade internacional vem fazendo há um ano? Pouco, se não nada. Durante a sua cúpula anual em fevereiro, a primeira desde o início do conflito, a Assembleia dos chefes de estado e de governo da União Africana nem sequer colocaram na agenda, como ponto separado, a crise no Sudão. Levou quase um ano para o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotar uma resolução pedindo a cessação imediata das hostilidades e à livre entrada de ajudas humanitárias", escreve Riccardo Noury, porta-voz da Anistia Itália, em artigo publicado Domani, 26-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ano em que o sistema de proteção dos direitos humanos entrou em colapso. Esse poderia ser o subtítulo do Relatório 2023-2024 da Anistia Internacional, recentemente divulgado. Cerca de 180 páginas, na edição italiana publicada pela Infinito Edizioni, que contam como os direitos humanos foram violados em 2023 em 155 estados.
O mundo retrocedeu décadas. A condução da guerra, nos dois conflitos conhecidos na Europa e no Oriente Médio e naqueles ignorados em África e na Ásia, colocaram em crise o sistema de proteção das populações civis que, desde a Segunda Guerra Mundial, se baseava na supremacia do direito internacional humanitário. Ataques dirigidos contra áreas com alta densidade populacional, ataques direcionados contra infraestruturas civis fundamentais, transferências forçadas de população, assassinatos ilegais de civis, captura de reféns e sua detenção prolongada: vimos tudo isso na sequência da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, bem como, desde 7 de outubro, no enésimo conflito entre Israel e o Hamas.
O sistema internacional de proteção dos direitos humanos entrou em colapso também graças à inação do Conselho de Segurança: se na década passada havia sido a Rússia a usar o poder de veto para proteger a Síria, nos últimos meses foram os Estados Unidos que barraram as resoluções para resolver a crise no Oriente Médio, protegendo assim Israel (e também continuando a fornecer-lhe armas).
Nesse contexto, outros conflitos continuaram fora do radar. O exército de Mianmar e as milícias aliadas conduziram ataques contra civis que causaram mais de mil mortes só em 2023. O Conselho de Segurança das Nações Unidas só tomou medidas quase três anos depois do golpe de estado de fevereiro de 2021.
No final do ano passado, adotou uma resolução há muito esperada que pedia o fim da violência e a libertação imediata de todas as pessoas detidas arbitrariamente por terem se oposto ao golpe de estado. A resolução não estabelece um embargo global de armas ou sanções dirigidas contra os líderes militares responsáveis por graves violações dos direitos humanos, nem, por fim, fala do deferimento da situação ao Tribunal Penal Internacional.
No Sudão, as duas partes em conflito desde 15 de abril de 2023 - as Forças Armadas Sudanesas de Apoio Rápido –não demonstraram nenhuma atenção pelo direito humanitário internacional, realizando ataques direcionados e indiscriminados que mataram e feriram civis e lançando munições explosivas contra áreas civis com alta densidade populacional. E, mais ainda, criando obstáculos à ajuda humanitária, contínuos cortes de comunicação, estupros de mulheres e garotas. Quase 15.000 civis mortos, a mais grave crise de deslocados internos do mundo (mais de dez milhões e 700.000), pouco menos de dois milhões de pessoas refugiadas em estados vizinhos (entre os quais a Republica da África Central, Chade, Egito, Etiópia e Sudão do Sul), 14 milhões de meninas e meninos (50 por cento da população infantil) que necessitam desesperadamente de assistência humanitária.
Diante de todo esse horror, o que a comunidade internacional vem fazendo há um ano? Pouco, se não nada. Durante a sua cúpula anual em fevereiro, a primeira desde o início do conflito, a Assembleia dos chefes de estado e de governo da União Africana nem sequer colocaram na agenda, como ponto separado, a crise no Sudão. Levou quase um ano para o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotar uma resolução pedindo a cessação imediata das hostilidades e à livre entrada de ajudas humanitárias. Mas mesmo depois da resolução a luta continuou em todo o Sudão e nenhuma iniciativa foi tomada para proteger os civis.
Em outubro de 2023, o Conselho de Direitos Humanos da ONU instituiu uma Missão de Verificação dos fatos, com o mandato de investigar e apurar os fatos e as causas subjacentes das violações dos direitos humanos cometidos durante o conflito. Mas a Missão ainda não está atuando.
Por fim, o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas deu o alarme: a resposta humanitária internacional à crise no Sudão continua lamentavelmente inadequada, apesar das organizações humanitárias denunciarem uma carestia iminente. No final de fevereiro o apelo lançado pelas Nações Unidas havia sido apenas em 5% financiado, o que prejudica gravemente o envio de ajudas e serviços de emergência absolutamente necessários.
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O ano mais difícil para os direitos humanos. Artigo de Riccardo Noury - Instituto Humanitas Unisinos - IHU