12 Agosto 2024
“Os católicos não perdem medalhas em Paris; eles já perderam o espaço de onde saem os medalhistas! E sim, a religião mostra-se um ingrediente de extrema importância na competitividade”, escreve Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, padre da Arquidiocese de Londrina.
Inicialmente, perguntei-me se era coisa da minha cabeça! Mas pelo pouco que tenho acompanhado os Jogos Olímpicos, vejo que a religião é um condimento especial nesse banquete! As manifestações de alguns atletas são explícitas e outras sublimadas, mas a fé está lá. E tem mais! A maioria dos que chegaram ao pódio, são protestantes, concretamente neopentecostais! Isso não pode ser um detalhe. É incrível a ousadia deles em tornar pública a sua fé e ligar músicas gospels à sua vitória! É um fenômeno e como tal, devemos hermeneuticamente abordá-lo.
As notícias que nos chegam dão conta que:
- Rebeca, a brasileira com mais medalhas olímpicas cantou a faixa gospel Estou te preparando, que segundo ela representa a sua vida como atleta. A letra: “eu estou te preparando para um novo tempo que já vai chegar. Para a linda história que você vai interpretar”. E a atleta conclui:” é realmente isto. Deus está fazendo coisas incríveis que eu jamais poderia imaginar”!
- A primeira medalhista do Brasil, a skatista Rayssa, foi até advertida por ter feito linguagem de sinais: “Jesus é o caminho, a verdade e a vida”.
- Gabriel Medina escreveu nas suas redes: “Tudo posso naquele que me fortalece”.
- Caio Bonfim se ajoelhou com uma medalha de prata da marcha atlética.
O fato não passou desapercebido na imprensa. “É justo acreditar que atletas evangélicos recebem mais medalhas e se sim, como a prática religiosa interfere na preparação física e emocional desses atletas”?, perguntava-se um articulista! É uma pergunta pertinentíssima.
Paralelamente, verificamos que os evangélicos do “lado de cá”, mais do que celebrar as medalhas, regozijam-se quando os seus cristãos dão testemunhos de fé! De onde surgiu essa atitude? Se é verdade que a originalidade cristã implica o testemunho e quiçá o martírio como ingrediente fundamental, também devemos creditar isso, essencialmente, a um "instinto de sobrevivência” que acompanhou os evangélicos desde os inícios do século XX. Não esqueçamos, que eles eram minoria “até ontem”! A vibração da claque é mais do que satisfação; é um grito de visibilidade que confirma a mudança de perfil. Possui, entretanto, um minúsculo, mas razoável indício de proselitismo.
Mas há algo mais a considerar. O habitat desses atletas evangélicos é em geral a periferia das grandes cidades, banhadas por tudo que caracteriza abandono do Estado e presença galopante de Igrejas Evangélicas. Os católicos não perdem medalhas em Paris; eles já perderam o espaço de onde saem os medalhistas! E sim, a religião mostra-se um ingrediente de extrema importância na competitividade.
Assim como já foi provado o papel da espiritualidade na superação de momentos de sofrimento e dor. A religião na periferia é pertença. É combate ao abandono. É trampolim para o sucesso! Superar os medos, vencer a fatalidade de se ter nascido em determinadas circunstâncias (alguns atletas filhos de mães solo). A religião, associada aos projetos sociais, é o melhor combo para chegar a Paris!...
Haver uma maioria de atletas vencedores, evangélicos, não reflete linearmente, a estatística absoluta dos números religiosos nacionais. Os católicos ainda estão à frente! Porém, eles são os porta-vozes de uma vitalidade e presença que nós parecemos ter perdido nas últimas décadas! No chão da favela, forjam-se os que venceram e os inúmeros que a polícia matou! Predominantemente, pretos e evangélicos! Lá, nós não estamos tanto quanto eles! O que significa?
É um fenômeno complexo que foge a qualquer abordagem simplista. Mas na década de 70 e 80, muitos desses atletas teriam surgido de projetos tocados pela Igreja Católica, ou quem sabe de Comunidades Eclesiais de Base. A urbanização aumentou e nós encolhemos. Com reconhecido baixo investimento estatal e público, é de se acolher a tese de que quem ocupa a periferia acaba realizando esses feitos.
Não se esgota por óbvio a questão; contudo, o pódio de Paris diz mais sobre nós, do que poderíamos imaginar. Nos últimos anos tenho (por curiosidade) assistido a funerais de vítimas da violência policial nos bairros degradados. A conclusão, pela linguagem usada, é a mesma: Há um oceano religioso específico impondo suas ondas!
Paris, a cidade das luzes e do Estado Laico por excelência, também jorrou um foco intenso no fenômeno mundial da religião versão 2.0. Se em poucos lugares do planeta o discurso político está isento da influência religiosa, os Jogos, por sua vez, estão revelando que a religião parece influenciar a vida inteira, enquanto tal! Tomei conhecimento, de que o COI providencia assistência espiritual aos atletas. Os que preconizavam a morte da religião erraram feio! Ela nunca esteve tão viva! Tinha razão o teólogo Karl Rahner.
Porém, nunca como hoje, foi tão geradora de tensões e conflitos, especificamente quando sequestrada pelo pensamento da extrema direita. Associada ao fenômeno dos refugiados, rouba a cena, jogando a Europa num caos existencial, em que visando resgatar o que não é mais, morre de medo do que poderá vir a ser! Eis a religião no comando! Bem-vindos a Paris, repleta de bairros sofridos e excluídos, de onde brotam “religiosos” nem sempre abertos ao diálogo, mas dóceis aos que estão substituindo o Estado! Lá como cá, o fenômeno é o mesmo! Só mudam os símbolos!
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A religião e o pódio. Artigo de Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU