26 Abril 2024
"Sujeitas às privações de todas as dimensões, as periferias já quase naturalizaram a violência, a poluição, a devastação da natureza e o abandono social. Já não acreditam nas promessas eleitorais, pois foram enganadas por décadas." escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), Manaus.
Uma visita atenta nas periferias de Manaus possibilita a audição de vozes de diferentes nuances. A realidade ou realidades das periferias expressam sofrimentos e dramas históricos, mas também alegrias e sonhos de muitas populações e grupos que personificam estes territórios. São vozes que gritam no deserto, pois elas não chegam a ser ouvidas pelos centros de poder, pelo Estado e pela sociedade. São ignoradas, mas nem por isso deixam de existir e persistem na luta pela vida.
São territórios marcados por preconceitos e isolamentos que afetam a autoestima das populações e dificultam ainda mais as conquistas de direitos necessários para a sobrevivência. A falta de serviços básicos como água potável, saneamento, saúde, trabalho, transporte, escola e lazer bloqueia estes lugares da vivência e da experiência da cidadania. Abandonadas por tudo e por todos, elas são invisibilizadas e ignoradas pelos gestores urbanos, não sendo contempladas pelas políticas públicas ou benefícios do Estado ou governo.
Sujeitas às privações de todas as dimensões, as periferias já quase naturalizaram a violência, a poluição, a devastação da natureza e o abandono social. Já não acreditam nas promessas eleitorais, pois foram enganadas por décadas. Resultados de uma gestão descomprometida com a dignidade da pessoa e da natureza, as periferias são expressões visíveis da desigualdade, da injustiça e de um sistema econômico excludente. Os políticos só aparecem nas campanhas eleitorais para pedirem votos, mas logo depois das eleições eles esquecem as promessas realizadas e os caminhos que levam às comunidades.
Abrigos de grupos tradicionalmente perseguidos, como indígenas, afrodescendentes, operários, migrantes, refugiados e desempregados as periferias gritam loucamente tentando fazer chegar as suas vozes na Prefeitura municipal, na Câmara dos vereadores, no Ministério público, na Defensoria pública e nas organizações da sociedade. Estes órgãos, no entanto, são expressões do sistema econômico e político predominante, que consolidam o cenário presente e nada fazem para transformar a realidade, pois trabalham para manter a ordem estabelecida.
Apesar deste cenário, as periferias possuem sonhos e buscam insistentemente pela vida. Jovens, idosos e pessoas de todas as configurações identitárias se mobilizam individualmente ou coletivamente para conquistarem direitos e alcançarem uma melhor qualidade de vida. Pescadores, professores, ecologistas, estudantes, donas de casa, sindicatos e associações heroicamente resistem às agressões e mantém o timbre da voz. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça...
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Gritos das periferias são ignorados em Manaus. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU