São Paulo: uma metrópole mundial, altamente desigual e com múltiplas disputas sobre o seu futuro. Entrevista especial com Daniel Hirata

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Por: Leslie Chaves | Edição Patricia Fachin | 25 Agosto 2016

A gestão urbana das periferias das grandes metrópoles é determinada por “processos transversais”, “de escalas variáveis, que articulam dinâmicas locais, nacionais, regionais e transnacionais” e, nesse contexto, a periferia paulista se caracteriza pela sua “imensidão, seu crescimento muito acelerado, mas também pela sua história social e política mais recente, que produziu uma cidade muito particular”, resume Daniel Hirata à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.

O sociólogo integra o grupo de pesquisa Cidade e Trabalho do Laboratório de Pesquisas Sociais – LAPS da Universidade de São Paulo - USP e tem pesquisado a gestão de conflitos em cidades contemporâneas como São Paulo. Um dos tópicos da sua análise é a questão da segurança pública nas periferias, a qual, segundo ele, “é parte do problema que constrói o que muitos pesquisadores estão chamando de ‘dispositivo de gestão das mortes’, que é um processo desigual, seletivo e que é produzido na interface entre os coletivos criminais e a gestão da segurança”.

Quando se trata de refletir sobre essa temática, frisa, “não é possível separar as duas coisas: como o encarceramento massivo se relaciona com a emergência de coletivos criminais? De que modo os grupos de extermínio, que nunca desapareceram, se relacionam com a economia criminal? Como as relações entre política, polícia e crime constroem conjuntamente, relacionalmente, as mortes de jovens, negros e periféricos?”


Daniel Hirata (Núcleo de Estudos da Violência da USP - NEV/USP)

Daniel Hirata leciona no Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense - UFF. É doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, com estágio doutoral na Université de Toulouse-le Mirail e na École des Hautes Études en Sciences Sociales.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para além das desigualdades econômicas, que elementos você destacaria como sendo as principais diferenças entre as práticas urbanas da periferia e do “centro”?

Daniel Hirata - As diferenças são muitas e importantes: são diferenças econômicas, sociais, políticas, raciais, de gênero etc., e haveria muito a ser dito sobre como essas dimensões são equacionadas de forma desigual nesses lugares, mas é igualmente importante perceber as passagens entre a periferia e o centro, as circulações e as relações que são estabelecidas entre ambas. "Periferia" e "Centro" não são categorias estáticas, não são "mundos isolados", o risco de reificação quando opomos esses dois termos é enorme. Existe, me parece, uma tensão crescente que é politicamente importante nessa oposição, mas me parece que pensar de forma relacional é a melhor maneira de se entender criticamente como as suas conexões são feitas de maneira complexa e, de um ponto de vista acadêmico e político, me parece que isso tem mais potência.

IHU On-Line – Em linhas gerais, é possível apontar em que as relações sociais e a gestão do espaço urbano das periferias das grandes metrópoles se assemelham e se diferenciam?

Daniel Hirata - Existem processos transversais que atravessam a gestão urbana das periferias das grandes metrópoles, são processos de escalas variáveis, que articulam dinâmicas locais, nacionais, regionais e transnacionais. A circulação de modelos de "boas práticas" é algo que articula uma prática gestionária que é experimental, onde as cidades são os grandes laboratórios, passando por grandes centros de triagem que ao mesmo tempo são centros de difusão de modelos de intervenção no urbano. A relação entre cada um desses circuitos, que articula tecnologias de gestão, gestores públicos e privados é um enorme mercado que vem sendo estudado por diversos pesquisadores.

São Paulo é uma metrópole mundial, altamente desigual e com múltiplas disputas sobre o seu futuro

Mas tudo isso não é feito sem resistências, a disputa pelo espaço é feita de forma feroz e pontual para cada movimento de intervenção governamental. É exatamente no coração dessa dinâmica que encontramos as semelhanças e diferenças entre a gestão dessas cidades.

IHU On-Line - Quais seriam as especificidades da periferia paulista em relação às de outras metrópoles?

Daniel Hirata - O que caracteriza a periferia paulista talvez seja a sua imensidão, seu crescimento muito acelerado, mas também pela sua história social e política mais recente, que produziu uma cidade muito particular. As transformações da economia e da política urbana, no sentido mais forte do termo, é o que podemos dizer que posiciona São Paulo de maneira interessante: é uma metrópole mundial, altamente desigual e com múltiplas disputas sobre o seu futuro.


Favela Nova Jaguaré, em São Paulo (Foto: Hugo Martins/Flickr)

IHU On-Line – A questão da segurança é um dos principais problemas da periferia das metrópoles? Por quê?

A segurança pública é um processo desigual, seletivo e que é produzido na interface entre os coletivos criminais e a gestão da segurança

Daniel Hirata - A questão da segurança pública é um dos problemas das periferias sim, mas seria importante qualificar do que estamos falando. A "questão da segurança pública" é parte do problema que constrói o que muitos pesquisadores estão chamando de "dispositivo de gestão das mortes", que é um processo desigual, seletivo e que é produzido na interface entre os coletivos criminais e a gestão da segurança ou a "questão da segurança". Não é possível separar as duas coisas: como o encarceramento massivo se relaciona com a emergência de coletivos criminais? De que modo os grupos de extermínio, que nunca desapareceram, se relacionam com a economia criminal? Como as relações entre política, polícia e crime constroem conjuntamente, relacionalmente, as mortes de jovens, negros e periféricos? Essas são algumas das questões que aparecem quando tomamos a "questão da segurança pública" como parte do problema a se refletir.

IHU On-Line – O contexto da criminalidade sofreu mudanças, ou se reorganizou, a partir das transformações sociais, sobretudo após políticas de promoção do consumo advindas dos governos Lula e Dilma?

Daniel Hirata - As políticas dos governos Lula e Dilma foram importantes, mas promoveram um tipo de inserção muito particular, cujo impacto no crime é muito difícil de se qualificar. Mas o que me parece certo é que, no contexto de crise permanente que vivemos, o conflito social tende a tensionar e então veremos bem o que vai acontecer. Nessa direção, seria importante perceber como a "inclusão" por meio da forma empresa, crédito e empreendedorismo será impactada nesse novo momento, e quais linhas de força e tensão serão estruturadas.

IHU On-Line – Que papel o crime organizado, principalmente o Primeiro Comando da Capital – PCC, desempenha hoje na periferia de São Paulo?

Daniel Hirata - O PCC é uma caixa de ressonância de muitas coisas que estão aquém e além dele mesmo. Por isso ele aparece sempre de uma forma espectral... Nas minhas pesquisas o PCC aparece como um agente econômico, político e moral, conectado e conectando uma série de outros agentes. Para entender o papel que ele desempenha, é importante seguir essas conexões, que são múltiplas e situadas. De que política o PCC faz falar? De que economia urbana o PCC faz parte? De que moralidades o PCC é atravessado?

IHU On-Line - De que forma o poder público intervém nos conflitos e gesta os espaços urbanos da periferia? Em que pressupostos se embasam as ações do Estado nessas áreas?

Daniel Hirata - Os poderes públicos atuam sempre de forma contraditória, porque são absolutamente diferentes e variáveis as suas entradas nas periferias. Os conflitos são, como dizia acima, acionados nessa relação, têm que ser pensados de forma relacional. Mas a construção do inimigo, que pode ser criminal ou político, de forma indistinta, criminaliza parcelas inteiras da população, suspende qualquer tipo de garantia legal e autoriza a produção de mortes seriais em certos segmentos mais específicos.

A militarização é um processo global

IHU On-Line - A partir de suas pesquisas mais recentes acerca da periferia, que relações você aponta como possíveis de estabelecer entre o padrão histórico de controle social militarizado e o processo de gestão militarizada de espaços urbanos que se observa contemporaneamente?

Daniel Hirata - Essa é uma ótima questão. Há um processo antigo de militarização e processos recentes, que são distintos, de escalas variáveis e que conectam, um atualizando o outro. A militarização é um processo global, muito visível em cidades de norte a sul do planeta, mas há também uma herança brasileira que deve ser considerada. O efeito de encaixe desses processos mostra como nossas cidades estão sendo produzidas, o espaço cada vez mais é pensado como uma variável militar mais ampla, "espaços defensíveis", para usar a expressão de Oscar Newman, que faz alusão a Jane Jabocs, se opondo a ela no principal: o espaço para a ativista era uma dimensão do encontro e por isso poderia ser mais seguro, agora, o espaço é função da segurança, o que o torna um lugar que afasta as pessoas. Esse me parece ser o efeito mais perverso da coadunação entre controle social militarizado e gestão militarizada dos espaços urbanos.

IHU On-Line – O que revelam sobre as concepções do Estado acerca da periferia, as ações que evocam a metáfora da guerra na gestão desses espaços urbanos? Que implicações essa referência de imagem sobre a periferia pode trazer?

Daniel Hirata - A guerra é a maneira pela qual o conflito social é organizado em uma sociedade como a nossa, mas como se medeia essa relação é toda a questão a ser respondida. A produção de inimigos internos e externos são as formas mais comuns de se organizar a metáfora da guerra, o que ela produz é um espelho de si mesmo; portanto, o conflito social tende sempre a crescer.

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