12 Outubro 2023
As Cúpulas do Clima deveriam “exigir responsabilidades” e não “ser um evento anual onde os líderes vão só para fazer belos discursos”, pede a economista nigeriana. Oladosu é embaixadora do movimento I Lead Climate para a restauração da região do Chade e é considerada uma das 12 mulheres que lideram a ação climática em todo o mundo pela Global Citizen.
A reportagem é de Aida Cuenca, publicada por La Marea, 06-10-2023. A tradução é do Cepat.
No ano passado, a África Ocidental sofreu um dos fenômenos meteorológicos extremos mais catastróficos. As inundações que atingiram a Nigéria, entre outros países, mataram mais de 600 pessoas. Também deslocaram 1,5 milhão de pessoas e destruíram cerca de 570 mil hectares de terras agrícolas num país que depende fortemente da agricultura. E este não é um acontecimento isolado: acontece todos os anos e provoca secas, chuvas torrenciais e insegurança.
Adenike Titilope Oladosu (Abuya, 1994) deu-se conta de que a crise climática afetou o seu país de forma multifacetada durante os seus estudos em economia agrícola. A partir desse momento, quis levantar a voz para denunciar a injustiça climática que não só a Nigéria, mas todo o continente atravessava, apesar de ser o menor emissor de gases de efeito estufa do planeta. E conseguiu. Ela é membro do Fridays For Future, embaixadora do movimento I Lead Climate para a restauração da região do Chade, e foi nomeada uma das 12 mulheres que lideram a ação climática global pela Global Citizen. Mas, acima de tudo, uma ecofeminista e orgulhosa disso.
Oladosu está em um giro pela Catalunha com a organização Ciutats Defensores dels Drets Humans, uma iniciativa criada para dar visibilidade e conscientizar sobre o ativismo em escolas e municípios. Conversamos com ela na sua passagem por Barcelona sobre o papel das mulheres na crise climática, nas inundações e nas promessas vazias.
Na Nigéria, as mulheres são responsáveis por garantir que haja água em casa. São elas que caminham até 20 quilômetros para encontrá-la, até mais de uma vez por dia. Quando crianças, são elas que têm que deixar a escola para cuidar da casa. No entanto, elas não possuem terras e, portanto, têm um controle limitado sobre elas.
“Na África Subsariana, entre 60 e 80% da nossa agricultura provém das mulheres, mesmo com recursos limitados. Imaginemos que nos foram concedidos esses direitos alimentares, que fomos ajudadas a melhorar o nosso sistema agrícola, a reduzir a pobreza, a empoderar as meninas... A Nigéria tem um grande número de meninas casadas, o que significa que meninas como eu, que “deveriam receber educação, abandonam a escola e até são dadas em casamento ilegalmente como mecanismo de sobrevivência”, explica a ativista.
Oladosu fundou a I Lead Climate em 2019 para impedir que isso aconteça. Um de seus programas de empoderamento feminino consiste em fornecer-lhes fertilizantes orgânicos, plantas nativas e os equipamentos necessários. Desta forma, a organização garante “o fortalecimento dos meios de subsistência das mulheres, ao mesmo tempo que ajuda a restaurar o ecossistema”. Especialmente na região do Chade.
O Lago Chade é estudado na escola como um dos maiores da Terra. Mas agora não é mais. Ou é cada vez menos. Em 60 anos, foi reduzido em 90%, segundo as Nações Unidas.
Esta massa de água é o meio de subsistência de mais de 40 milhões de pessoas no Níger, Nigéria, Chade e Camarões e a principal fonte de água do Sahel até recentemente. Foi também até há pouco tempo uma região pacífica. Os confrontos entre agricultores e criadores de gado provocados pela escassez de recursos partilhados são comuns. A falta de água potável, a poluição ambiental... resultam numa insegurança alimentar que segue sendo alimentada por mais violência. O grupo terrorista Boko Haram soube aproveitar esta situação para recrutar jovens: oferece-lhes comida ou sustento às suas famílias em troca de se juntarem a eles.
A massa de água diminuiu 90% desde a década de 1960 devido à sobre-exploração e aos efeitos das mudanças climáticas (Fonte: Organização das Nações Unidas)
“A população considera estes confrontos como uma questão religiosa, política ou étnica, mas não como um problema ambiental”, lamenta Oladosu. “A democracia inclui a voz do povo. Precisamos de uma democracia que inclua também a voz do meio ambiente. Se não considerarmos os direitos humanos ambientais, a democracia não será capaz de resistir ao teste das mudanças climáticas. É até possível que nos próximos anos vejamos muitas democracias fracassarem por não incorporarem este elemento”. E ainda assim, a ativista garante que os governos correm riscos para continuar a fazer política com isso. “Os créditos de carbono são apenas uma forma de ganhar tempo”, diz a crítica.
A riqueza da Nigéria é medida em barris de petróleo. É o maior produtor deste ouro líquido do continente: representa 60% das receitas do governo e 90% das receitas em divisas. Isto tem como consequência que, embora o país tenha lançado o seu Plano de Transição Energética para atingir emissões líquidas zero até 2060, o governo declarou estes próximos anos como a Década do Gás.
“A Nigéria poderia crescer economicamente através da diversificação. Não temos de continuar a concentrar a nossa atenção e os investimentos nos combustíveis fósseis. Temos que continuar a pensar na agricultura e em como torná-la sustentável”, defende a economista.
“Ao mesmo tempo, precisamos continuar a apoiar a justiça climática e os defensores do ambiente que estão tentando levar a cabo mais iniciativas, encorajando-os a serem inovadores e criativos, e a fornecer ferramentas que possam ajudar a proteger o nosso ambiente e os nossos recursos. É por isso que o financiamento climático é importante: para tentar mobilizar os recursos, materiais e inovações necessários para enfrentar esta crise”. Mas isto não pode ser feito apenas pela Nigéria. “É necessária a solidariedade de todos, do Norte e do Sul Global. E também vontade política”.
Adenike Oladosu tem a mesma idade que edições da Cúpula do Clima: 28. Este ano é quando se realiza a última, em Dubai, no final de novembro. Ela participou pela primeira vez da COP25 em 2019. “As conferências têm de começar a tomar outro caminho, outra forma de tentar exigir responsabilidades. Não podem ser um evento anual onde os líderes vão só para fazer belos discursos”.
A cúpula do ano passado, a COP27, foi encerrada com um acordo histórico: o fundo para perdas e danos, criado para ajudar os países mais vulneráveis diante das mudanças climáticas, como a Nigéria. Mas esse dinheiro continua não chegando. “A mudança climática já não é uma ameaça, é uma realidade. Agir deveria ser uma decisão rápida. Não temos tempo se negociarmos tudo. E, se o fizermos, teremos tudo a perder”.
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Adenike Oladosu: “Muitas democracias fracassarão por não considerarem os direitos humanos ambientais” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU