11 Abril 2024
Os seis jovens que processaram 33 países por inação climática perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não viram seu processo progredir, algo que as 2.000 mulheres que compõem o Klimaseniorinnen conseguiram no caso da Suíça. A sentença abre caminho para novos litígios por inação climática em 46 países, incluindo a Espanha.
A reportagem é de Pablo Rivas, publicado por El Salto, 09-04-2024.
São seis jovens portugueses que enfrentarão um agravamento da crise climática, algo que não afetará, por uma simples questão de idade, nem os juízes que decidiram seu caso, nem a grande maioria dos responsáveis que eles acusam. Eles nasceram entre 1999 e 2012 — têm entre 11 e 24 anos — e denunciaram em 2020 nada menos que 33 países por não frear a crise climática perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH). Hoje, 9 de abril, os juízes emitiram a sentença.
Após ouvirem os argumentos dos demandantes e dos representantes das nações acusadas em 27 de setembro passado, a Grande Sala do TEDH considerou a demanda dos seis jovens "inadmissível", o que representa um revés no front judicial contra a crise climática: os chamados "julgamentos climáticos estratégicos" que têm ocorrido nos últimos anos com o objetivo de forçar as nações a enfrentar realisticamente a mudança climática por meio de decisões judiciais.
Para a demanda contra 32 estados, os juízes apontam um conflito de competências territoriais para justificar sua decisão: "A competência territorial foi estabelecida em relação a Portugal, enquanto nenhuma competência pôde ser estabelecida em relação aos demais Estados demandados", indica o texto, que não pode ser contestado. Além disso, no que diz respeito a Portugal, país de cidadania dos seis jovens, o Tribunal também declara a demanda "inadmissível por falta de esgotamento dos recursos [judiciais] internos".
No entanto, a decisão não significa que os seis jovens tenham esgotado suas opções para continuar o processo em Portugal. "Eles não perderam", esclarece Inés Díez, responsável pela área jurídica do Greenpeace Espanha. "Para recorrer ao TEDH, eles tinham que esgotar todas as vias internas, mas foram diretamente ao tribunal. No entanto, isso não nega que possa ter havido uma violação da Convenção Europeia de Direitos Humanos, simplesmente não entra nesse mérito".
Não são todas más notícias para a luta climática. Além da sentença no caso dos seis jovens, o TEDH emitiu nesta terça-feira uma sentença em dois outros litígios climáticos importantes. Por um lado, as conhecidas como KlimaSeniorinnen (Mulheres Idosas pelo Clima), um grupo de mais de 2.938 mulheres suíças com mais de 65 anos, iniciaram em 2016 um caso no qual acusam o governo de seu país de inação diante da mudança climática, alegando que suas vidas e saúde estão ameaçadas pelas ondas de calor provocadas pela crise climática. Neste caso, a demanda teve êxito.
O Tribunal considera, com 16 votos a favor e um contra, que houve violação do artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e do artigo 6.1 (direito ao acesso a um tribunal independente e imparcial), este último por unanimidade. A Corte sustenta que o artigo 8 da Convenção "estabelece um direito a uma proteção efetiva, por meio de autoridades estatais, contra os graves efeitos prejudiciais da mudança climática na vida, saúde, bem-estar e qualidade de vida".
A sentença estabelece que "o processo de estabelecimento do correspondente quadro normativo nacional continha graves deficiências, entre elas o fato de as autoridades suíças não terem quantificado, através de um orçamento de carbono ou de outra forma, os limites nacionais de emissões de gases de efeito estufa (GEE)". Além disso, lembram que a Suíça não havia alcançado seus objetivos anteriores de redução de emissões. Portanto, os juízes declaram que "as autoridades suíças não agiram de forma oportuna e adequada ao conceber, elaborar e aplicar a legislação e as medidas pertinentes no presente caso".
Cláudia Duarte Agostinho, afirma que "Desde que começamos nossa jornada, vivemos ondas de calor recorde que nos mantêm presos em nossos lares".
Como apontado por Anne Mahrer, copresidente do Klimaseniorinnen, a razão de sua demanda baseava-se no fato de que "a Suíça está fazendo muito pouco para conter a catástrofe climática". "O aumento das temperaturas já está tendo sérios impactos em nossa saúde física e mental. O grande aumento das ondas de calor está nos fazendo adoecer", acrescentou.
Por outro lado, na terceira grande sentença climática do TEDH nesta terça-feira, o Tribunal se pronunciou sobre a demanda de Damien Carême, ex-prefeito da pequena cidade de Grande-Synthe, no norte da França, ameaçada pelo aumento do nível do mar devido à crise climática e ao derretimento polar. O atual eurodeputado Carême, que já levou o Estado francês aos tribunais por inação climática perante o Conselho de Estado, e que perdeu sua argumentação perante o alto tribunal administrativo francês, finalmente perdeu sua batalha no TEDH.
Assim como no caso dos jovens portugueses, os juízes declararam de forma unânime a causa como "inadmissível". Embora o ex-prefeito tenha afirmado que a França não tomou medidas suficientes para prevenir a crise climática e que esse fracasso representava "uma violação de seu direito à vida e de seu direito ao respeito pela vida privada, familiar e do lar", o Tribunal determinou que o demandante não poderia ser considerado uma vítima por não residir na França e não ter vínculos relevantes com Grande-Synthe no momento.
O caso dos jovens portugueses — conhecido como 'Duarte Agostinho e outros contra Portugal e outros 32' ou Youth4ClimateJustice — começou em 2017, ano em que os incêndios florestais atingiram particularmente Portugal. Entre outros eventos, a onda de calor de junho provocou um incêndio gigantesco em Pedrógão Grande, no centro do país, no qual 64 pessoas morreram. Os jovens decidiram então se organizar e contatar a Rede Global de Ação Legal (Global Legal Action Network, GLAN) com um objetivo claro: proteger-se de violações de direitos humanos devido à catástrofe climática no presente e no futuro.
Como apontado pela Greenpeace, o Estado espanhol "poderia ser condenado por violar os direitos humanos das gerações presentes e futuras devido à falta de ambição na luta contra a mudança climática".
Como Cláudia Duarte Agostinho, uma das jovens requerentes, observou dias antes do veredicto, "desde que começamos nossa jornada, vivemos ondas de calor recordes que nos mantêm presos em nossas casas e esgotam nossa energia". O aumento das temperaturas e dos fenômenos extremos é um fato que está acelerando, tanto na Península Ibérica quanto no mundo, em uma tendência que viu marcos como o fato de 2023 ter sido o ano mais quente já registrado pelos seres humanos na Terra. "A incapacidade dos governos europeus de reduzir suas emissões rapidamente está contribuindo para que enfrentemos no futuro um calor insuportável e fenômenos meteorológicos extremos", lamentou Duarte.
Abertura para novos litígios
Os processos judiciais hoje apresentados eram de particular importância por várias razões. Em primeiro lugar, são os primeiros processos climáticos julgados no TEDH. Além disso, no caso do processo apresentado por Martim Duarte e seus cinco companheiros, era a primeira vez que tantos países teriam que se defender perante o Tribunal de Estrasburgo: os 27 membros da UE, além da Noruega, Suíça, Turquia, Reino Unido e Rússia, os quais saíram ilesos hoje.
No entanto, a chave está nas consequências para as legislações nacionais que essas decisões apresentam para os 46 Estados que fazem parte do Conselho da Europa, o âmbito de atuação do Tribunal. Como observa Inés Díez, responsável pela área jurídica da Greenpeace Espanha, organização que esteve muito presente no julgamento das Klimaseniorinnen, "as sentenças do TEDH têm um amplo impacto, pois são aplicáveis em todos os países do Conselho da Europa". Qualificando a decisão em relação ao caso das mulheres suíças como "histórica", a advogada destaca sua importância porque "reconhece uma violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos no caso dos Estados quando há inação em relação à mudança climática ou não são tomadas medidas para reduzir as emissões".
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Uma histórica sentença de Estrasburgo conecta a inação climática à violação dos direitos humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU