29 Mai 2024
"Infelizmente, essa espécie de amor-próprio egoístico não está apenas além-mar. As mortes nacionais são herança de um passado que deseducou o modo de ser dos indivíduos no mundo. Há dicotomia, dualismo – é o nós versus eles - quando se fala da vida em sua forma lírica de viver, existir e morrer num mundo tão sem amor. A exiguidade de amor roubou a possibilidade de viver e morrer em paz. Barragens afogam vivências. Desmantelamentos ambientais modificam as vidas naturais, impactam os contextos sociais e ocasionam tragédias sem iguais. Poluição vai se tornando cada dia mais sinônimo de destruição. O calor vai sendo efeito da dor de um mundo maltratado e sem amor. Enchentes choram vidas e memórias no curso da história de um mundo se desenvolvendo em páginas que autoescrevem o seu fim", escreve Douglas Felipe Gonçalves de Almeida, acadêmico, pesquisador e membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara – ABEFC.
Certo é que, hegemonicamente, impera no atual momento, em formas de novos colonialismos, uma força globalista. Tal força se empodera na medida em que o tempo e o espaço se veem dominados e controlados pela hiperconectividade [reservada a uma porção não total dos viventes] que alimenta, de modo exacerbado [por meio de algoritmos], predeterminados assuntos, ideais, informações etc. “O presente é o interlocutor do passado e o locutor do futuro” (Santos, 2023, p. 53). Futuramente, o mundo como página histórica talvez seja colocado como aquele em que as conexões dominaram as relações. Faz-se conspícuo que o mundo padece do amor.
As possibilidades das conexões revelam a todos os indivíduos cuja vida em sociedade se pauta, minimamente que seja, por certa alteridade – total responsabilidade pelo outro, pela face do outro, quem quer que seja, como apresentou o filósofo Emmanuel Lévinas em sua maneira de especificar o Ethos –, que há – como também em outros tempos pretéritos – situações e circunstâncias obstinadas em dominar, vencer e controlar; por guerras [genocídio], embargos econômicos [imperialismo do capital], interferências políticas [hegemonia capitalista], estruturas de morte [fundamentalismos, moralismos], ferramentas de opressão [controles de vestimentas, orientações sexuais] e outros modos mais de limitar o sui generis florescer de cada vida.
“Temos que enfeitiçar a língua” (Santos, 2023, p. 14). O "Stop", verbo que em língua portuguesa significa parar, está posto não por estrangeirismo ou filiação ao cobiçado poder da terra do Tio Sam, mas por uma sutil e contumaz crítica ao poder que os Estados Unidos da América – tomam como se um espólio de suas intervenções, interferências e ataques sobre outros povos e nações. A vida estadunidense se privilegia de certo poder desde a língua a tantas outras características que lhe são subterfúgio muitas vezes para impactar o “resto” do mundo. Os embargos econômicos, os ataques militares, os vetos na ONU etc., quase sempre se constituem em consideração e benefício próprio. Diria ser uma espécie de amor-próprio egoístico.
Infelizmente, essa espécie de amor-próprio egoístico não está apenas além-mar. As mortes nacionais são herança de um passado que deseducou o modo de ser dos indivíduos no mundo. Há dicotomia, dualismo – é o nós versus eles – quando se fala da vida em sua forma lírica de viver, existir e morrer num mundo tão sem amor. A exiguidade de amor roubou a possibilidade de viver e morrer em paz. Barragens afogam vivências. Desmantelamentos ambientais modificam as vidas naturais, impactam os contextos sociais e ocasionam tragédias sem iguais. Poluição vai se tornando cada dia mais sinônimo de destruição. O calor vai sendo efeito da dor de um mundo maltratado e sem amor. Enchentes choram vidas e memórias no curso da história de um mundo se desenvolvendo em páginas que autoescrevem o seu fim.
É necessário amar. Cantaram Melim (Viva o amor, 2018): “Veja, a vida é uma gentileza da natureza. Viva o privilégio de se apaixonar”. Para salvar e continuar o curso de viver, sorrir e amar, é urgente parar e superar o desamor que parece conquistar modelos de vida que, longe de lograr e melhorar, são mais um verdadeiro ato de se mutilar. A ganância pelo valor, o fechamento em si, a disparatada briga por poder e voz, tudo vai arrematando as batidas do coração, inflamando os pulmões e intoxicando as mentes; a razão perdeu seu espaço na mente. Assustaria Aristóteles ao ver que a irrazão [no campo da política, social, ambiental, cultural] vai sobrepondo sua alegação de que “todo homem tende ao saber”, se interpretarmos esse saber como factual e real. Exemplifico: não existe aquecimento global! [dizem publicações não moderadas, fakes – pasmem, tem quem assim está pensando].
Talvez amaríamos mais se olhássemos a vida de tudo, de todos, todas, todxs. Na biodiversidade. Na amplitude do cosmos. Na tessitura da existência. No território das águas, nos terrenos das plantas, nas ocupações dos indivíduos, nos habitats dos animais – onde mais que a vida se desponta. Por si só, o Amor para além de mim não bastaria para sairmos do fracasso que está sendo o ato de viver? Falhamos no nosso humanismo.
O encontro com outrem é imediatamente minha responsabilidade por ele. A responsabilidade pelo próximo é, sem dúvida, o nome grave do que se chama amor do próximo, amor sem Eros, caridade, amor em que o momento ético domina o momento passional, amor sem concupiscência [...] (Lévinas, 2005, p. 143-144).
Será que resta tempo para amar? É possível tomar todas as vidas como nosso amor? Drummond eternizou em texto que “o tempo é todo vestido de amor e tempo de amar" (1987, p. 17). Não resta então alternativas a não ser acumular fôlego, dispor de energia e permitir o pulsar, batidas rítmicas e fortes do coração por uma paragem do tempo da morte, da mentira, da destruição, destituindo do pódio o medo do futuro que impede o olhar ao horizonte, calcando nas pedras da distribuição para erguer novas e “realmadas” economias, trocando as farpas da indiferença e insensibilidade pelo alinhamento coletivo – diverso e plural – por apaixonantes dias de viver harmonicamente, integralizados na escola do reconhecer-se parte, não tudo, humildemente na via biointerativa, não centralizada, como coração dependente, não solitário.
[...]
vamos conjugar o verbo fundamental essencial, o verbo transcendental, acima das gramáticas e do medo e da moeda e da política, o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar, razão de ser e de viver (Carlos Drummond de Andrade, 1987, p. 16, grifos próprios).
Este texto é obra de reflexão e visualização de amores que vêm e vão, de viver e sonhar; também é do desejar. Todavia, é do amorável professor Joaquim Mol “só o amor há de fazer o mundo amanhecer em paz” que o meu mundo fez-se aqui um pouco a esperançar.
ALMEIDA, Douglas Felipe Gonçalves de. Malogro humanista: o primado da ética no Humanismo do outro homem de Lévinas 2023 (Trabalho de Conclusão de Curso). Disponível aqui.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Amar se aprende amando. São Paulo: Record, 1987.
DOS SANTOS, Antônio Bispo. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, 2023.
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
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Stop, é necessário amar. Artigo de Douglas Felipe Gonçalves de Almeida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU