"É necessário um esforço conjunto, pois o problema é global e exige iniciarmos ciclos e processos diferentes", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Eis o artigo.
Os recentes acontecimentos ocorridos no Rio Grande do Sul trouxeram muitos prejuízos e vítimas, inclusive fatais, impactando todo o Brasil e gerando uma onda de solidariedade do norte ao sul do país. As chuvas torrenciais somadas às outras contingências sociais e políticas provocaram uma tragédia jamais vista na história do território gaúcho. As consequências são inegáveis e deixarão rastros que não serão esquecidos por um bom tempo. Nenhum setor foi poupado de prejuízos significativos: economia, indústria, comércio, agricultura, educação, etc.
No segundo semestre do ano passado, a Amazônia também sofreu as consequências de uma seca prolongada e severa, deixando os gigantescos rios amazônicos secos e gerando sofrimento para as populações que ficaram sem acesso à alimentação, à água potável, ao trabalho, a escola e aos aparatos de saúde. Muitos grupos populacionais ficaram isolados em seus territórios, pois desapareceram os rios que ofereciam as vias de deslocamento e de ligação com as cidades e outros povoados. Na mesma época, cidades como Manaus sofreram uma invasão de fumaça produzida pelas queimadas, deixando o ar insuportável e favorecendo o aparecimento de doenças respiratórias e o agravamento de outras.
Em 2015, São Paulo, a maior cidade do país, esteve à beira de um colapso total do abastecimento de água, por questão de dias. Além de tudo simbólico, em 2021, nuvens de poeira escureceram os céus do estado. Não é necessário lembrar da Pandemia do Covid 19, que escancarou em 2020, 2021 e 2022 a nossa falta de cuidado com a natureza. O individualismo e o consumismo nos fecharam nos nossos mundos sedentos de sucesso, lucros e satisfações imediatas, tirando do nosso campo de visão as possíveis consequências da destruição ambiental causadas por nossas intervenções desastrosas.
Mudanças do clima, desigualdade social e ausência de políticas públicas urbanas permanentes são os principais fatores que causam tragédias recorrentes. Estas tragédias que se tornam cada vez mais comum não deixam dúvidas sobre o momento histórico em que vivemos. A crise climática prevista por pesquisadores, ambientalistas e organizações da sociedade civil, já não representa um perigo para o nosso futuro. Ela já está presente, vivendo tête-à-tête conosco. Não precisamos mais esperar para viver as tragédias ambientais anunciadas durante as últimas décadas.
O que podemos fazer agora é partir para ações concretas, tentando reverter este processo mortífero iniciado por nós mesmos e pelo nosso estilo de vida profundamente agressivo à natureza. No entanto, mais do que atualizar os nossos ordenamentos jurídicos agregando regras e normas ambientais, precisamos mudar nossas atitudes, repensando as nossas relações com os outros, incluindo a natureza. É necessário nos reconciliar com o planeta, inserindo-nos efetivamente na rede da vida, com suas incontáveis expressões.
Não é possível mais esperar, pois milhares de pessoas são perdidas todos os dias em decorrência de nossas práticas anti-vida. Não há mais lugar para o negacionismo instalado nem para o antropocentrismo exacerbado que tanto tem prejudicado a nós e às milhares de espécies vivas nos mais diversos biomas e territórios. É hora de agirmos coordenadamente buscando saídas apropriadas e sustentáveis. É necessário um esforço conjunto, pois o problema é global e exige iniciarmos ciclos e processos diferentes.
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A crise climática chegou. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU