25 Março 2024
"O debate, especialmente, o sinodal, para promover uma abordagem empática à homossexualidade vai resultar na relocalização, ainda pendente de ser aceita por muitos católicos, da ‘lei natural’ e da moralidade a ela vinculada", escreve Jesús Martínez Gordo, padre e professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, na Espanha. O artigo foi publicado em Religión Digital, 21-03-2024.
Nos Sínodos de 2014 e 2015, além de aprovar a plena acolhida eclesial dos divorciados e recasados, também foi abordada a questão da homossexualidade. Com ela, começou-se o debate sobre a relação entre, por um lado, a perspectiva ou paradigma teológico, pastoral e moral estabelecido, até então, na chamada "lei natural" e, por outro lado, a fundamentada tanto nos recentes resultados alcançados pelas ciências humanas (a razão em liberdade) quanto na criação de todos os seres humanos "à imagem e semelhança de Deus", incluindo os homossexuais.
Na origem desse debate sinodal estava a histórica coletiva de imprensa concedida pelo Papa Francisco no avião que o transportava do Rio de Janeiro para o Vaticano (Jornadas Mundiais da Juventude) em 28 de julho de 2013. Respondendo às perguntas dos jornalistas, depois de se referir aos divorciados que se casaram novamente, ele se manifestou favorável a mudar o tratamento e a atitude em relação à homossexualidade: "Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?"
O resultado dessa intervenção papal e do debate, especialmente, sinodal, para promover uma abordagem empática à homossexualidade será a reposição, ainda pendente de ser aceita por muitos católicos, da "lei natural" e da moralidade a ela vinculada. E, com essa reposição, a percepção de que a tradicional doutrina sobre a homossexualidade – e as atitudes católicas a ela associadas – enfrentavam (e continuam enfrentando) dificuldades para escapar da inclusão em doutrinas e atitudes homofóbicas.
Desde então, os católicos estão urgentemente convocados a agir. E mais cedo ou mais tarde, se não quisermos ser considerados também responsáveis pela homofobia que paira (e ainda continua) na "extrapolação cultural", ou seja, na absolutização de um dado que, recebido da cultura, começa a ser percebido como difícil de compatibilizar tanto com as pesquisas sexuais mais recentes quanto com o coração doutrinário das Escrituras.
Além disso, a recente decisão papal de permitir a bênção de casais homossexuais ou de pessoas em situações irregulares (declaração Fiducia supplicans, 2023) evidenciou, por um lado, a atenção que se deve prestar à cultura e, ao mesmo tempo, a obrigação de evitar o que poderia ser chamado de "polarização cultural"; um fundamentalismo que não apenas ronda os "europeus seculares", mas também outros países e sensibilidades não tão entregues aparentemente aos encantos da modernidade, mas a uma tradição insustentável à luz dos avanços atuais, antropológicos e escriturais.
Essa extrapolação se caracteriza por submeter a verdade escriturística de que todos fomos criados por Deus aos ditames de supostos culturais que já não são aceitáveis porque aqueles que os assumem acriticamente acabam excluindo e condenando uma minoria, neste caso, homossexual, em nome da maioria heterossexual, acolhida e convertida em suposta "universalidade heterossexual". Esse é, além do aspecto escriturístico, o erro lógico e racional em que incorre a extrapolação fundamentalista e homofóbica que, até agora recebida como cultural e teologicamente normal, deve ser deixada de lado.
Até o momento, parece ser uma mudança ou conversão que muitos católicos podem perceber como excessivamente rápida, se não absurda. Tanto que parece particularmente difícil de ser assumida por muitos daqueles que pertenceram a uma geração que nasçeu e viveu e assumiu, como inquestionáveis e solidamente fundamentadas, as chamadas "verdades inegociáveis", ancoradas na "lei natural" e, portanto, reflexo da vontade de Deus.
Mas vamos por partes.
Como é sabido, a proposta de revisão da doutrina católica sobre a homossexualidade foi encerrada no Sínodo de 2014, devido à capacidade de bloqueio da minoria. Essa minoria, composta, naquela ocasião, por boa parte dos bispos centro-africanos, por alguns americanos (com o cardeal R. L. Burke à frente) e por outro grupo de prelados europeus, principalmente do leste, não estava disposta a ir além do que era sustentado a respeito no catecismo católico.
Diante dessa situação, a estratégia adotada pelos responsáveis sinodais concentrou-se em tentar aprovar no Sínodo de outubro de 2015 tudo relacionado aos divorciados recasados, deixando de lado a possibilidade de lidar com a homossexualidade com um mínimo de empatia, considerando as dificuldades que, aparentemente insuperáveis, não apenas os bispos americanos, mas, sobretudo, a grande maioria dos centro-africanos com alguns europeus, especialmente os do leste, apresentavam. Insistir nesse assunto, buscando uma evolução doutrinária, moral e jurídica mais gentil, não oferecia garantia alguma de superar o bloqueio em que estava imerso no Sínodo do ano anterior.
Não restou alternativa senão concentrar esforços para alcançar a maioria sinodal necessária para que, pelo menos, os divorciados casados civilmente pudessem ser reintegrados plenamente na comunhão eclesial.
No entanto, esse bloqueio sinodal não impediu que houvesse contribuições que, como a do dominicano Adriano Oliva, sustentassem a necessidade de uma mudança não apenas de perspectiva, mas também doutrinária, no que diz respeito às pessoas homossexuais [1].
Segundo A. Oliva, era preciso revisar a equiparação moral que o Catecismo acabava estabelecendo, de fato, entre comportamento homossexual e sodomia. Ao considerar ambas como "intrinsecamente desordenadas", ao homossexual que pretendesse ser também cristão, restava apenas renunciar a todo relacionamento sexual.
No entanto, prosseguiu, era uma exigência que os discriminava em relação às pessoas heterossexuais, pois, ao obrigá-los a não realizar "atos homossexuais" e propor a vida celibatária como única alternativa, fechava-lhes a possibilidade de escolha. Era urgente, portanto, repensar a doutrina moral contida no Catecismo para eliminar qualquer vestígio de discriminação injusta e poder acolher essas pessoas na Igreja "com sensibilidade e delicadeza".
Envolvido nesse trabalho, denunciou, apoiado em outras pesquisas, a inadequação de identificar os "comportamentos homossexuais" com o pecado de sodomia. Essa associação não era aceitável. Era necessário descartá-la e, obviamente, não restava outra alternativa senão revisar a suposta imoralidade dos atos homossexuais e da própria homossexualidade à luz desse distanciamento. E propôs seguir e aprofundar-se na porta aberta por Tomás de Aquino.
São Tomás de Aquino, informou A. Oliva, levava a sério a realidade e a vida concreta das pessoas. Por isso, não aceitava a existência da natureza humana de forma abstrata, mas apenas concretizada nas pessoas de carne e osso. E também não uma única e uniforme lei natural, sem graduação, sem uma obrigatoriedade diferenciada e à parte das exceções. Partindo desse modo unitário de ver a realidade e a vida, questionou-se, estudando o caso da sodomia, se era conforme à condição humana a existência de uma inclinação e um prazer "antinaturais" ou "contra a natureza", ou seja, com pessoas do mesmo sexo.
Sua resposta foi que essa inclinação, e, portanto, a busca pelo prazer correspondente, apesar de ir contra a natureza específica e geral do ser humano, era, no entanto, "conatural" ou "de acordo com a natureza" daquela pessoa considerada individualmente. Era assim que se concretizava a natureza humana geral e específica. Nisso consistia sua "alma", ou seja, o que constituía e qualificava cada ser humano como tal.
Portanto, a inclinação homossexual não era, para Aquino, uma questão cultural, mas antropológica. Infelizmente, uma vez chegando a essa conclusão, ele não a desenvolveu. Limitou-se a continuar com suas considerações sobre o ato sodomítico como pecado contrário ao mandamento de Gn 1,28 de crescer e multiplicar.
Essa contribuição, apontou A. Oliva, abria as portas para um oportuno desenvolvimento doutrinário no que diz respeito à concepção do amor, da sexualidade e do próprio casamento. E mais, a partir do momento em que a Igreja reconheceu que na vida conjugal existiam circunstâncias em que era possível desvincular o mandamento de procriar e a comunicação mútua do amor.
No entanto, não apenas facilitava articular a comunicação mútua do amor e a procriação a partir da centralidade do primeiro. Devidamente atualizada, também permitia superar a discriminação dos homossexuais; possibilitava sua acolhida eclesial com sensibilidade e delicadeza e diferenciava a sodomia da homossexualidade.
De fato, apontou A. Oliva, a revelação cristã reconhece que o ato sexual, fundamentado na inclinação inata, é moralmente aceitável se estiver inserido em um relacionamento único, fiel e gratuito. Portanto, as ações humanas, como coroamento da inclinação inata, são boas ou más dependendo se o relacionamento que um homossexual mantém com a pessoa amada é único, fiel e gratuito.
Ao manter um relacionamento nessas condições, está desenvolvendo aquilo que o constitui e qualifica como ser humano singular (a "alma"), ou seja, está realizando e desenvolvendo plenamente sua existência como pessoa homossexual, sem precisar frustrar, como o Catecismo pede, sua capacidade inata de amar. Estaríamos falando de um relacionamento homossexual que, ao seguir essas características, deveria ser aceito pelos católicos como moralmente aceitável, de forma análoga ao relacionamento heterossexual.
À luz dessa contribuição, era possível diferenciar a naturalidade e conaturalidade da inclinação homossexual, aplicável à bissexualidade e à transexualidade, da sodomia. Este último seria um ato moralmente reprovável, pois mantém um relacionamento no qual não existem exclusividade amorosa, fidelidade e gratuidade. Por carecer disso, vai "contra a natureza" da pessoa homossexual que pretende ser cristã.
Obviamente, o relacionamento de um casal homossexual não é identificável com um casamento, porque não pode estar, por si só, aberto à procriação. Mas é importante notar, apontou A. Oliva, que São Tomás de Aquino não aceitou que essa procriação fosse a essência do casamento e do ato sexual.
Se essa doutrina fosse aplicada, afirmou o Aquinate, teríamos que concluir que o relacionamento entre José e Maria também não foi matrimonial e que, portanto, não foi uma união verdadeira e perfeita, mas aparente e falsa. E o mesmo argumento é sustentado pelo magistério pontifício na carta encíclica Humanae vitae (1968) quando, abordando a questão da paternidade responsável, admite a possibilidade de um relacionamento sexual único, fiel e gratuito, e excepcionalmente não aberto à procriação.
Concluindo, o dominicano destacou que quando a relação homossexual é vivida dentro desses termos, é difícil não reconhecê-la como contendo elementos de verdade e como um caminho de santificação. Portanto, não deveria haver problema algum para que os católicos homossexuais pudessem participar dos sacramentos ou serem plenamente integrados na comunidade eclesial.
No entanto, isso, por mais significativo que seja, não era tudo. A contribuição de A. Oliva permitiu perceber, como mencionei anteriormente, outro dado extremamente relevante: que a lei natural não é universal, mas sim da maioria, uma vez que normalmente é formulada de maneira indutiva. E, como consequência disso, entendemos que o que é majoritário é universal, considerando as exceções como erros, extrapolacões ou desvios inaceitáveis.
Felizmente, hoje percebemos e aceitamos que a maioria heterossexual não pode se impor, e muito menos, em nome da vontade de Deus, sobre a minoria homossexual, por mais minoritária que seja. Isso significa que a lei moral, considerada, até o presente, como sacrossanta por nela visualizarmos a vontade de Deus, não é tal, por não ser universal, mas sim majoritária, e não atender adequadamente à minoria homossexual.
A partir dessa contribuição de A. Oliva, começamos a perceber o viés homofóbico, quando não, a homofobia inquestionável, dos defensores ferrenhos da chamada lei natural e da moral sexual resultante dessa lei natural; socializada, como é evidente, em amplas camadas da sociedade civil e da Igreja.
Não resta alternativa senão encontrar outro fundamento, teológico e doutrinário, para condenar a homossexualidade ou, na impossibilidade disso, mudar o registro doutrinário, jurídico e moral a respeito.
Com isso, percebemos que a doutrina, a moral e as atitudes da Igreja em relação à homossexualidade, consideradas até agora como verdades inegociáveis, têm mais a ver com uma extrapolação cultural limitada do que com uma verdade racional (atenta às descobertas sexológicas) e às contribuições doutrinárias fundamentadas nas Escrituras, ou seja, têm dificuldades em evitar a polarização homofóbica.
Os católicos e os bispos alemães são, sem dúvida, aqueles que, ao longo destes últimos anos, têm se aventurado por esse caminho com mais clareza e coragem. Isso é o que precisaremos discutir em outra oportunidade.
[1] Cf. A. OLIVA, “L’amicizia più grande. Un contributo teologico alle questioni sui divorziati risposati e sulle coppie omosessuali”. Florencia, Nerbini, 2015. J. MARTINEZ GORDO, “Estuve divorciado y me acogisteis. Para comprender ‘Amoris laetitia’”, PPC, Madri, 2016.
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A polarização homofóbica na Igreja. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU