23 Janeiro 2024
"O casamento homossexual nunca teve o favor papal – algo que a Fiducia suplicans confirma - e pode-se constatar que Francisco olha e respeita as pessoas primeiramente como pessoas, não como identidades militantes – porque parece que realmente não aprecia a militância LGBT", escreve Laurent Lemoine, psicanalista, ex-editor-chefe da Revue d'éthique et de theologie morale, em artigo publicado por Temoignage Chretien, 04-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco gosta de evocar as “surpresas de Deus”. Fiducia supplicans é uma surpresa muito boa! O papa já havia iniciado um processo sinodal para a Igreja Universal, e alguns lamentam que seja tão longo e aparentemente tão pouco frutífero. Nesse céu turvado por duas guerras, na Ucrânia e no Oriente Médio, Fiducia suplicans aparece como… uma notícia bomba! Na verdade, ninguém pensava que o Papa decidiria superar esse limite numa questão tão espinhosa. Uma questão que revela as dilacerações presentes na Igreja, tanto que cristaliza paixões (não só na Igreja católica, mas também nas outras Igrejas cristãs, como a Comunhão Anglicana, que se dividiu nessa questão). As divisões ocorrem tanto dentro das famílias como no nível dos Estados, enquanto a homossexualidade ainda é amplamente criminalizada, tanto em África como na Rússia.
O casamento homossexual nunca teve o favor papal – algo que a Fiducia suplicans confirma - e pode-se constatar que Francisco olha e respeita as pessoas primeiramente como pessoas, não como identidades militantes – porque parece que realmente não aprecia a militância LGBT.
Para conseguir que a mudança fosse recebida, o Cardeal Fernandez escolheu a brecha pastoral, por assim dizer, da bênção popular, extralitúrgica. Sempre se pode abençoar uma pessoa, isto é, desejar-lhe o bem de Deus. Ao fazê-lo, a Igreja não abençoa tudo da sua situação, mas deseja que progrida e valorize o bem daquilo que já vive.
Certamente há carência no texto... mas é uma brecha, uma oportunidade favorável em suma, sem tocar a doutrina. O papa fez o que pôde com base no que tem e caracterizando esse tipo de bênção para que ficasse claro que não se trata de um casamento. E foi justamente o bispo de Roma quem assinou o texto. Não devemos nos surpreender que outros, por sua própria autonomia, não o recebam. É uma boa maneira de se expor abertamente no âmbito pastoral, porque esse tipo de bênção já é praticado de forma mais ou menos manifesta, por exemplo na Alemanha, cujas exigências prementes sobre essas questões são conhecidas.
Na realidade, os detratores, independentemente dos esclarecimentos teológicos, nunca ficarão convencidos: as paixões, incluindo a mais crassa homofobia, alteram a razão, a prudência e o discernimento desejados pelo Papa.
Não há ninguém mais surdo do que quem não quer ouvir.
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Fiducia supplicans. Certamente é uma surpresa, mas, mais do que uma surpresa, é uma brecha. Artigo de Laurent Lemoine - Instituto Humanitas Unisinos - IHU