12 Janeiro 2024
Víctor Manuel Fernández, conhecido como “Tucho’ é a figura chave desta fase do pontificado. Há alguns dias vem sendo atacado por sites e blogs tradicionalistas por causa de seu livro de 1998, “La pasion mística”, no qual também fala de orgasmos. Eles o acusam de “pornoteologia”. Ele responde em diálogo com La Stampa: “Não há erros teológicos, mas já na época pedi que fosse retirado e hoje o escreveria de forma diferente, porque algumas passagens, lidas fora do contexto, poderiam gerar mal-entendidos”. Muito próximo do Papa Francisco, que o escolheu para o papel crucial de Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, o Cardeal Teólogo argentino colocou a assinatura e a cara - juntamente com o Pontífice - no outono das aberturas "progressistas", dirigidas em particular para o mundo LGBTQ+. E por isso está “sob ataque”, na mira da frente tradicionalista e de algumas conferências episcopais. Principalmente depois da declaração “Fiducia suplicans”, que deu luz verde à bênção dos casais homossexuais.
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 11-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, pode nos explicar o Documento?
Trata-se de redescobrir uma outra forma de ser padre, para além dos ritos litúrgicos, que têm a sua beleza, mas que não conseguem expressar ou conter toda a realidade concreta das pessoas. A Declaração nos lembra que existe também uma vida apostólica espontânea, nas calçadas, no meio do povo, onde cada um carrega o peso da sua vida como pode, e às vezes precisa de um gesto de amor e de proximidade da mãe Igreja. A minha experiência na América Latina (e especialmente aquela do Papa Francisco) era repleta desses momentos. A Declaração diz que, além das bênçãos de tipo litúrgico, que seguem um rito formal e que exigem diversas condições para não irem contra a vontade de Deus, existe também outro tipo de bênçãos que chamamos de “espontâneas” ou “pastorais”, que acontecem apenas porque as pessoas se aproximam para pedir a força de Deus para seguir em frente na vida. Esses tipos de bênçãos, na opinião do Papa, não requerem qualquer perfeição.
Em que sentido a origem da Declaração é “evangélica”?
Convida todos os fiéis a confiar na ajuda de Deus, não só para ir em frente, mas também para responder melhor à sua vontade. É por isso que a bênção é procurada. E para os padres é evangélica porque os exorta a espelhar nas suas atitudes aquelas de Jesus diante das pessoas, acolhendo, abraçando.
Se for um casal irregular, fazer uma oração para as duas pessoas pedindo saúde, paz, proteção é evangélico. E depois um sinal da cruz na testa de cada um dos dois, isso também é evangélico. O padre também pode dar-lhes algum conselho: “Procurem ser fiéis ao Evangelho, responder melhor à vontade do Senhor”. A bênção é sempre a oportunidade de anunciar Cristo, a sua infinita ternura. Não consigo encontrar argumentos para dizer que essas coisas não sejam evangélicas.
Como responde àqueles que afirmam que abençoar um casal homossexual é um "ato sacrílego", uma "blasfêmia"?
Abençoar, no sentido das bênçãos "pastorais", não litúrgicas, não poderia ser nem sacrílego nem blasfemo, porque foi bem esclarecido que não sancionam, nem qualificam, nem autorizam e nem reconhecem nada. São independentes da situação dos indivíduos ou de duas pessoas ou grupos que se aproximam para solicitá-las. Talvez sobre esse ponto seja necessário insistir. Para mim, ao contrário, um sacrilégio ou uma blasfêmia seria receber a comunhão com ódio no coração, ou aceitar que um ser humano seja preso ou morto apenas por causa da sua orientação sexual, ou viver em paz com Deus enquanto outros sofrem até a morte. Essas atitudes são uma grave ofensa ao Deus de amor. São blasfemas.
A Declaração muda a doutrina do casamento?
De jeito nenhum, e fala isso até cansar, a ponto de ficar chato.
A bênção legitima a homossexualidade?
Também não, e diz isso tão explicitamente que qualquer um pode entende-lo.
Por que vocês indicaram a duração (10-15 segundos) da bênção?
Aquele comunicado parece uma catequese para adolescentes, eu entendo, mas como alguns escreveram que não entendiam concretamente como deveriam acontecer essas bênçãos "pastorais", pensamos que fosse necessário dar um exemplo particularmente claro, para não deixar dúvidas. E uma das características da simplicidade não ritual dessas bênçãos é a duração. Eu sabia que iriam zombar da gente por este detalhe dos 15 segundos, mas corri o risco para deixar mais evidente que com essas bênçãos não cai o mundo.
Na Igreja também há quem exultou. E, como está escrito na introdução da Declaração, as novas indicações levam em consideração “diversas perguntas recebidas por este Dicastério.
Que significado tem essa atenção para o mundo LGBT+?
Olhe, o Documento não defende os “lobbies homossexuais”, nem as manifestações de “orgulho” gay. Nada do tipo. Em vez disso, pensa em muitos fiéis que sofrem por se sentirem fora da Igreja, por não poderem receber nenhum gesto de proximidade paterna. Quando um casal faz uma peregrinação e chega à sua querida igreja, ali recebe uma bênção, mesmo sabendo que não é uma absolvição: é como uma carícia de Deus, como um sopro de ar fresco que a Igreja dá aos dois peregrinos. Por que não?
As divisões e as polêmicas na Igreja preocupam o senhor?
Só quando há violência ou a necessidade de desacreditar o outro. Recebi três mensagens de ameaça: “Vamos destruir você”. Sentir-se odiado não é bom. Até porque não existem elementos tão terríveis que justifiquem tal dureza. De qualquer forma, vou ficar bem. O problema é que a unidade e a harmonia da Igreja acabam sendo feridas. Em todo caso, não é que esses documentos causem divisões, simplesmente as fazem emergir, trazem sinceridade.
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“Abençoar os casais homossexuais não é blasfemo, a ternura de Jesus Cristo é para todos”. Entrevista com Victor Manuel Fernandez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU