09 Janeiro 2024
A reportagem é de Hernán Reyes Alcaide, correspondente no Vaticano, publicada por Religión Digital, 08-01-2024.
Um olhar abrangente pela paz a 360 graus, que integra de forma abrangente não apenas os conflitos abertos em todo o mundo, mas também suas causas, consequências e possíveis soluções. Em um discurso no qual revisou corajosamente e com determinação a situação mundial, o Papa Francisco considerou hoje que os ataques a civis nos conflitos em curso na Ucrânia e Gaza são "crimes de guerra" e rejeitou que sejam considerados "danos colaterais", ao mesmo tempo que renovou seu apelo para a adoção de dois Estados para Israel e Palestina durante seu discurso tradicional ao corpo diplomático credenciado no Vaticano, no qual também lamentou a situação preocupante na Nicarágua.
Em um contexto onde parece não haver mais uma distinção clara entre os alvos militares e civis, não há conflito que não acabe de alguma forma atingindo indiscriminadamente a população civil. Os eventos na Ucrânia e em Gaza são uma evidência clara disso", lamentou Francisco ao dirigir sua mensagem aos embaixadores de todo o mundo na chamada Sala das Bênçãos do Palácio Apostólico.
"Não devemos esquecer que as violações graves do direito internacional humanitário são crimes de guerra, e não é suficiente evidenciá-los, mas é necessário preveni-los", enfatizou o pontífice em seu discurso, considerado o ponto central da diplomacia do Vaticano para o ano. Segundo informações do Vaticano, atualmente há 184 Estados que mantêm relações com a Santa Sé, dos quais 91 têm representação em Roma.
Para o Papa, "pode ser que não percebamos que as vítimas civis não são danos colaterais; são homens e mulheres com nomes e sobrenomes que perdem a vida".
O Papa na ocasião de seu discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé. (Foto: Reprodução | Vatican News)
Em uma análise dos conflitos abertos no mundo e dos grandes desafios para 2024 em termos de paz, o pontífice expressou novamente sua preocupação com a guerra no Oriente Médio e condenou "o ataque terrorista à população de Israel em 7 de outubro passado, no qual tantos inocentes foram feridos, torturados e brutalmente assassinados, e muitos outros foram tomados como reféns".
Após condenar "qualquer forma de terrorismo e extremismo", Francisco afirmou em seu discurso que "não é assim que as disputas entre os povos podem ser resolvidas; na verdade, isso as torna mais difíceis, causando sofrimento a todos".
"De fato, o que provocou foi uma forte resposta militar de Israel em Gaza, que resultou na morte de dezenas de milhares de palestinos, principalmente civis, incluindo muitas crianças, adolescentes e jovens, e provocou uma situação humanitária gravíssima com sofrimentos inimagináveis", desenvolveu Jorge Bergoglio.
Nesse contexto, Francisco reiterou seu apelo "a todas as partes envolvidas para que concordem com um cessar-fogo em todos os fronts, inclusive no Líbano, e para a libertação imediata de todos os reféns em Gaza" e pediu "que a população palestina receba ajuda humanitária e que os hospitais, escolas e locais de culto tenham toda a proteção necessária".
"Confio que a comunidade internacional promova com determinação a solução de dois Estados, um israelense e um palestino, bem como um estatuto especial internacionalmente garantido para a Cidade de Jerusalém, de modo que israelenses e palestinos possam finalmente viver em paz e segurança", solicitou para o futuro da região.
Nesse contexto, o Papa se uniu às vozes que alertam para uma possível regionalização da guerra e afirmou que "o atual conflito em Gaza desestabiliza ainda mais uma região frágil e carregada de tensões".
"Que a comunidade internacional encoraje as partes envolvidas a empreender um diálogo construtivo e sério e a buscar soluções novas para que o povo sírio não tenha que continuar sofrendo devido às sanções internacionais", exemplificou, antes de também expressar preocupação com a situação no Líbano.
Além do conflito no Oriente Médio, a mensagem do Papa centrou-se no que ele considerou "os quase dois anos de guerra em larga escala da Federação Russa contra a Ucrânia" e lamentou que "a desejada paz ainda não tenha encontrado lugar nas mentes e nos corações, apesar das inúmeras vítimas e da enorme destruição".
"Não se pode permitir que um conflito que está se deteriorando cada vez mais se prolongue, em prejuízo de milhões de pessoas", destacou sobre a guerra iniciada em fevereiro de 2022.
Após pedir por diversas situações na Ásia e África, o Papa manifestou sua "preocupação também com a tensa situação no Cáucaso Meridional entre Armênia e Azerbaijão, exortando as partes a chegarem à assinatura de um tratado de paz".
Ao lembrar da situação nas Américas, Francisco afirmou que, embora não haja guerras abertas na região, "existem fortes tensões entre alguns países, por exemplo, entre Venezuela e Guiana, enquanto em outros, como Peru, observamos fenômenos de polarização que minam a harmonia social e enfraquecem as instituições democráticas".
Assim, ele afirmou que "a situação da Nicarágua ainda é preocupante; é uma crise que se prolonga há algum tempo, com consequências dolorosas para toda a sociedade nicaraguense, especialmente para a Igreja Católica", após a perseguição a bispos e sacerdotes no país centro-americano.
"A Santa Sé não cessa de convidar para um diálogo diplomático respeitoso do bem dos católicos e de toda a população", destacou nesse contexto.
Além de pedir uma redução nos gastos com armamentos e exigir soluções para as crises migratórias abertas no mundo, especialmente no Mediterrâneo.
Em um discurso com uma visão abrangente sobre a paz, o Papa também mencionou os avanços obtidos na cúpula climática COP28 do fim do ano passado e, nesse âmbito, afirmou que há "desastres que também são atribuíveis à ação ou negligência humana e que contribuem gravemente para a atual crise climática, como o desmatamento da Amazônia, que é o pulmão verde da Terra".
Além de sua visão geopolítica, o Papa mais uma vez expressou sua defesa intransigente da vida desde a concepção até a morte natural e considerou explicitamente a maternidade de substituição como lamentável. Assim, em um claro apoio à proposta da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni para que a prática seja considerada um crime universal (ou seja, passível de julgamento também para seus cidadãos, mesmo que seja cometido no exterior), Francisco se juntou a esse apelo.
"O caminho para a paz exige respeito à vida, a toda vida humana, começando pela do feto no útero materno, que não pode ser suprimido nem transformado em produto comercial", afirmou nesse contexto.
"Nesse sentido, considero deplorável a prática da chamada maternidade de substituição, que ofende gravemente a dignidade da mulher e da criança; e é baseada na exploração da situação de necessidade material da mãe. Um filho é sempre um presente e nunca o objeto de um contrato. Portanto, faço um apelo para que a comunidade internacional se comprometa a proibir universalmente essa prática", acrescentou depois.
Num plano semelhante, ele voltou a evidenciar suas críticas à chamada "ideologia de gênero" e a considerou parte das "colonizações culturais" da modernidade.
Para o Papa, "novos direitos, nem sempre compatíveis com os originalmente definidos e nem sempre aceitáveis, deram origem a colonizações ideológicas, entre as quais a teoria de gênero ocupa um lugar central, sendo extremamente perigosa porque apaga as diferenças em sua pretensão de igualar a todos", disse.
Além das definições sociais, também no campo migratório, o Papa pareceu apoiar os apelos de Roma, que, juntamente com outros países da região, busca envolver toda a Europa na gestão por meio do aprimoramento do sistema de cotas.
"Diante desse desafio, nenhum país pode ficar sozinho e nenhum pode pensar em abordar a questão de forma isolada, através de uma legislação mais restritiva e repressiva, aprovada às vezes sob a pressão do medo ou em busca de um consenso eleitoral", afirmou, mostrando sua satisfação com o compromisso da União Europeia de "buscar uma solução comum por meio da adoção do novo Pacto sobre Migração e Asilo, embora apontando algumas de suas limitações, especialmente no que se refere ao reconhecimento do direito de asilo e ao perigo de detenção arbitrária".
A íntegra do discurso do Papa Francisco ao Corpo Diplomático, no dia 08-01-2024, pode ser lido, em português, aqui.
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Francisco advertiu Israel que os ataques a civis em Gaza são “crimes de guerra” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU