13 Dezembro 2023
"O Concílio Vaticano II enfatizou a importância dos bispos diocesanos a ponto de serem chamados de vigários de Cristo em suas dioceses. Eles são sucessores dos apóstolos e membros do colégio episcopal sob a liderança do papa. Eles não são gerentes de filiais sob um CEO papal que pode demiti-los a qualquer momento. Um papa não pode simplesmente remover todo bispo com o qual ele tenha discordância. Se fosse o caso, tanto João Paulo quanto Francisco teriam dizimado a hierarquia americana no início de seus papados", escreve Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Edusc, 1998), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 07-12-2023.
As recentes ações do Papa Francisco contra dois proeminentes líderes da Igreja conservadora americana, o cardeal arcebispo Dom Raymond Burke e o bispo Dom Joseph Strickland do Texas, levantam questões sobre a autoridade do papa para demitir ou remover um bispo.
Ambos deixaram claro seu desacordo com as políticas de Francisco. Recentemente, Burke afirmou em uma discussão em Roma, durante o início do Sínodo sobre a Sinodalidade, que a reunião global de bispos e leigos no Vaticano corria o risco de "confusão, erro e divisão" entre os fiéis. Em maio, Strickland foi longe a ponto de acusar o papa em um tuíte de "minar o Depósito da Fé" - o conjunto de Escrituras e tradições que compõem a crença católica.
Em 10 de novembro, Francisco removeu Strickland como bispo de Tyler, Texas, e dias depois foi relatado que o papa retiraria o salário de Burke e seu apartamento.
É provável que aqueles que concordam com Francisco e suas políticas achem que ele agiu corretamente disciplinando Burke e Strickland. Aqueles que não concordam tenderão a ver as ações como abuso de autoridade.
Gostaria de pedir a ambas as partes que realizem um exercício simples. O que você pensaria se fosse o Papa João Paulo II agindo contra bispos que tivessem dito e feito coisas semelhantes contra ele? Aqui, muitos católicos progressistas ficariam indignados com as ações do papa, enquanto os católicos conservadores o aplaudiriam.
Da mesma forma, quando João Paulo estava no cargo, católicos progressistas apoiavam bispos independentes e conferências fortes de bispos, enquanto conservadores enfatizavam a primazia papal. Agora que Francisco é papa, os conservadores de repente descobriram a importância das conferências de bispos e elogiam bispos independentes, enquanto os progressistas pedem que os bispos sejam leais ao papa.
Essa dinâmica é familiar em nossa política nacional. Quando o partido favorito está no poder em Washington, a supremacia do governo federal se torna primordial. Quando esse partido está fora do poder, os direitos estaduais de repente se tornam importantes.
Em outras palavras, ambos os lados, seja na política ou na Igreja, são menos principais do que afirmam. Apoiamos qualquer posição que ajude nosso lado a alcançar seus objetivos.
Então, como devemos pensar sobre esses dois casos? Primeiro, os dois casos são muito diferentes. Um envolve um bispo diocesano, o outro um cardeal arcebispo que trabalha no Vaticano.
O Concílio Vaticano II enfatizou a importância dos bispos diocesanos a ponto de serem chamados de vigários de Cristo em suas dioceses. Eles são sucessores dos apóstolos e membros do colégio episcopal sob a liderança do papa. Eles não são gerentes de filiais sob um CEO papal que pode demiti-los a qualquer momento.
Um papa não pode simplesmente remover todo bispo com o qual ele tenha discordância. Se fosse o caso, tanto João Paulo quanto Francisco teriam dizimado a hierarquia americana no início de seus papados.
Normalmente, a liderança episcopal só muda quando um bispo completa 75 anos ou morre. João Paulo e Bento foram capazes de remodelar a Igreja pós-Vaticano II porque juntos tiveram 35 anos para remodelar o episcopado à sua imagem. Francisco, após um reinado de 10 anos, teve apenas um impacto limitado, e muitos de seus opositores viverão mais que ele.
Historicamente, a remoção de um bispo diocesano tem sido muito rara. Com mais frequência, embora ainda raramente, quando enfrentam desaprovação papal, os bispos renunciam. A maioria dos casos recentes envolveu bispos que não protegeram crianças de padres ruins. Outros que renunciaram estavam envolvidos em impropriedades sexuais ou financeiras.
Isso não impediu João Paulo e Bento de removerem bispos. Bento demitiu Dom William Morris, da diocese de Toowoomba, Austrália, em 2011, depois que Morris sugeriu em uma carta pastoral que a ordenação de homens e mulheres casados poderia se tornar uma necessidade. "Podemos precisar ser muito mais abertos a outras opções [além de homens celibatários] para garantir que a Eucaristia seja celebrada", escreveu ele.
Em 1995, João Paulo removeu Dom Jacques Gaillot da diocese de Évreux, Normandia, França, que também apoiava a ordenação de homens casados. Ele foi acusado de não exercer "o ministério da unidade".
Católicos progressistas condenaram essas remoções. Note que nenhum desses bispos ameaçou ordenar homens ou mulheres casados. Eles foram removidos simplesmente por levantarem a ideia. Eles nunca foram desrespeitosos com o papa.
E Strickland? Suas declarações atacando o papa e suas políticas estão no domínio público, assim como seu apoio ao Dom Carlo Maria Viganò, que escreveu um manifesto atacando o papa.
Antes da remoção de Strickland, ele e sua diocese passaram por uma visitação apostólica ou investigação conduzida por Dom Dennis Sullivan de Camden, Nova Jersey, e pelo bispo emérito Dom Gerald Kicanas, de Tucson, Arizona.
O Cardeal Daniel DiNardo, do Texas, notou que os dois bispos "realizaram uma ampla investigação em todos os aspectos da governança e liderança da diocese". Eles concluíram que "a continuação no cargo de Strickland não era viável", segundo DiNardo. Ainda assim, Strickland se recusou a renunciar e teve que ser removido.
Embora os fundamentos canônicos para a remoção de Strickland tenham sido delineados por Dom Juan Ignacio Arrieta, secretário do Departamento para Textos Legislativos, dúvidas permanecem. Infelizmente, o relatório da visitação não foi divulgado para que todos pudessem ver as razões para pensar que Strickland precisava partir.
Strickland se destaca entre os bispos por seus ataques públicos e ultrajantes ao papa. Nenhum outro bispo diocesano jamais atacou Francisco, muito menos João Paulo ou Bento, com tamanha falta de respeito.
Desejamos outra solução. Strickland poderia ter se desculpado, retirado seus tuítes ou expressado suas críticas de maneira mais respeitosa dentro do clube episcopal. Ele poderia simplesmente ter se concentrado nas necessidades de sua diocese, mas não o fez. Sentiu-se tão forte e convencido de suas opiniões que continuou a se manifestar.
É significativo que nem os padres de sua diocese nem os bispos do Texas tenham vindo em sua defesa. Ele se mostrou um caso isolado que estava disposto a se tornar mártir. Era um lobo solitário sem apoio fora dos reacionários conservadores na Igreja. Ele rompeu a comunhão com o papa. Sua remoção simplesmente reconheceu isso.
O caso de Burke é muito diferente. O papa tem o direito legítimo de demitir qualquer funcionário da Cúria Romana que não esteja alinhado com suas políticas. Pensar o contrário é ver os funcionários da Cúria como príncipes e nobres, em vez de servidores civis que trabalham para o papa.
Eu teria dito a mesma coisa sob João Paulo e Bento. Bento tinha todo o direito de remover o Cardeal Joseph Tobin da Cúria depois que Tobin defendeu freiras católicas ativistas contra a vigilância do Vaticano e de transferir o então arcebispo Dom Michael Fitzgerald de Roma para o Cairo. Discordo das decisões, mas defendo o direito do papa de decidir quem deve trabalhar na Cúria.
O Vaticano é uma burocracia, não um tribunal. Como sugeriu o Sínodo sobre a Sinodalidade, seria melhor se os burocratas do Vaticano não fossem bispos e cardeais. Isso não apenas abriria vagas para os leigos, mas também facilitaria a substituição de altos funcionários que não estão funcionando. Se não fossem bispos, o papa não precisaria encontrar outra posição para eles quando fossem removidos.
Note que Francisco não removeu Burke do Colégio Cardinalício. Até completar 80 anos, Burke ainda terá o direito de votar em um conclave papal. E ele não passará fome. Um oficial aposentado ou demitido do Vaticano não tem o direito de ficar em Roma, especialmente se estiver causando problemas. Ele tem o direito humano a benefícios de aposentadoria compatíveis com sua antiga posição, mas é só isso.
Uma das minhas reclamações sobre Francisco é que ele não substituiu mais rapidamente os funcionários do Vaticano e que continuou nomeando bispos e cardeais como altos funcionários.
Em resumo, o argumento para remover Burke, um oficial no Vaticano, é simples. O argumento para demitir Strickland é mais complicado. A remoção de um bispo diocesano deve continuar sendo uma exceção rara na Igreja.
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Quando o Papa pode demitir um bispo? Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU