10 Setembro 2014
O cardeal Timothy Dolan (foto) de New York é ex-presidente da Conferência dos Bispos dos EUA e, com apenas 64 anos, está posicionado para ser uma força na vida católica, tanto dentro quanto fora do país, por ainda um bom tempo.
No capítulo final da entrevista exclusiva do sítio Crux, feita por John Allen, Dolan discute uma possível visita do Papa Francisco a Nova York em setembro de 2015, o próximo Sínodo dos Bispos sobre a família no Vaticano, a atual disciplina que proíbe divorciados e recasados católicos de receber a comunhão, a causa de santificação do arcebispo Fulton Sheen, uma iminente rodada de fechamentos de paróquias em Nova York, assim como o seu legado pessoal e se ele está interessado em terminar a sua carreira em Roma.
A entrevista é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 06-09-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Durante a sua coletiva de imprensa durante o seu retorno da Coreia do Sul, o papa falou sobre uma viagem para os Estados Unidos em setembro de 2015 e mencionou que pode fazer uma parada em Nova York. Qual é a situação disso?
Eu também estou me perguntando. Acredite-me, não há ninguém que queira saber mais do que eu, e me fazem essa pergunta o tempo todo. Espero que isso aconteça. Eu já o convidei, tanto em uma carta, quanto também pessoalmente nas duas ou três vezes em que estive em sua companhia.
Nosso prefeito [Bill de Blasio] tem se esforçado para deixar claro que essa é uma de suas prioridades. No seu segundo dia no cargo, ele me chamou e disse: 'Eu acho que lhe devo um pedido de desculpas'. Ele disse que um bom amigo dele, Joseph Stiglitz, economista judeu da Universidade de Columbia, que atua na Pontifícia Academia das Ciências Sociais, estava com ele na cerimônia de posse e disse que estava indo para Roma e, provavelmente, iria encontrar-se com o papa. O prefeito disse que escreveu uma carta manuscrita convidando Francisco para Nova York e deu-a para Stiglitz dar ao papa.
Ele me disse: 'Me desculpe, eu não segui o protocolo. "Eu disse, 'Meritíssimo, estou muito feliz que você fez isso. Eu já fiz isso, e agora que você fez isso você pode pagar por tudo!"
O senhor acha que ele vem?
Eu acho que ele vem. A outra coisa que acrescenta alguma urgência é que vai ser o 50º aniversário da visita do Papa Paulo VI às Nações Unidas no dia da festa de São Francisco. Eu gostaria de vê-lo, quem sabe, refazer esses passos. A história é importante para ele.
Quanto tempo o senhor acha que ele vai ficar na cidade?
Se ele vier, provavelmente apenas por um dia.
Se ele passar a manhã na ONU, o que o senhor espera da tarde?
O que eu gostaria de ver acontecer é ele fazer uma visita à Catedral de St. Patrick para uma oração, para oferecer uma bênção.
Será que as reformas estarão terminadas? [a Catedral de St. Patrick está atualmente passando por uma extensa renovação tanto interna quanto externamente, cujo custo total é estimado em cerca de US$ 175 milhões.]
Elas estarão com certeza, se ele aparecer! Essa é outra razão pela qual eu espero que ele venha, porque ele vai nos dar o impulso que precisamos, tanto no trabalho físico quanto na captação de recursos.
Espero que ele faça um belo passeio a pé ou de carro pelas ruas de Nova York, para que o nosso povo possa vê-lo, e ele possa vê-los. Espero também que haja uma missa pública.
No Yankee Stadium?
Sim, no Yankee Stadium.
Quando o Papa Bento XVI rezou a missa no Yankee Stadium em 2008, eles montaram o altar entre a segunda base e a interbase [shortstop], por isso algumas pessoas sugeriram que Derek Jeter poderia lhe dar dicas sobre como jogar o campo interno. O senhor tem algum plano para Jeter desta vez?
Eu vou pedir a Jeter para fazer uma segunda coleta!
Vamos falar sobre o Sínodo dos Bispos sobre a família, em outubro. Quem vai representar os Estados Unidos?
Joe Kurtz [arcebispo de Louisville], como presidente da Conferência, é quase o único oficial. O Santo Padre também pediu ao arcebispo William Skurla [que conduz a Igreja bizantina em Pittsburgh], o que é um sinal sensível às Igrejas orientais.
[O cardeal Donald] Wuerl e eu, que somos membros eleitos do secretariado do Sínodo, não sabíamos na última reunião se éramos para ir ou não. A propósito, se você quiser falar sobre algo novo no pontificado de Francisco, as reuniões do secretariado costumavam ser... bem, vamos apenas dizer que você realmente não ficava muito ansioso para participar delas. Mas agora, ele vem para essas reuniões. Ele está lá. De qualquer forma, eu perguntei na última reunião: 'Nós deveríamos nos organizar para vir, ou é apenas para os presidentes das Conferências?'. Recebemos um esclarecimento do cardeal Lorenzo Baldisseri [chefe do sínodo] que eles contam com a nossa presença. Não está claro para mim, no entanto, se estaremos lá como delegados, ou mais como ouvintes ou parte da equipe.
Eles também disseram que estariam convidando alguns leigos, talvez alguns casais. Existem norte-americanos nesse grupo?
Nós não sabemos ainda. Seria de esperar que o novo frescor e abertura que se encontram dentro do funcionamento interno da Santa Sé iriam ter um efeito nessas coisas de logística, e, dessa forma, poderíamos saber o que irá acontecer um pouco antes e estar a par de tudo. Vamos encarar, se você chegar para alguém agora e lhe pedir para participar do sínodo, a pessoa provavelmente diria: "Mas falta apenas um mês agora... eu estou lecionando, ou quem vai tomar conta das crianças?' Você não pode fazer dessa maneira. Foi-nos dito que haverá especialistas e consultores indicados, mas até agora não sabemos quem são eles.
Uma questão polêmica é saber se os católicos divorciados e recasados deverão ser capazes de receber a comunhão. As pessoas podem esperar uma mudança dramática?
Provavelmente não. Pessoalmente, eu não vejo como poderia haver uma mudança dramática sem ir contra o ensinamento da Igreja. O que eu espero é que, ao contrário, o sínodo olhe para o quadro maior e descubra maneiras de reintroduzir as pessoas no romance e na aventura de um casamento amoroso e fiel.
Vocês passaram por um processo de planejamento pastoral em Nova York que vai levar a algumas decisões difíceis sobre a fusão e fechamento de paróquias. O senhor está satisfeito com o processo?
Estou muito satisfeito. Você sabe, eu admito que eu não sou um cara de processo. Se fosse por mim, eu me sentaria com alguns bons homens e mulheres com experiência de rua e apenas montaria uma lista do que deve ser fechado, o que deve sofrer uma fusão e o que deve ser continuar em funcionamento. Mas eu sei que você não pode fazer isso dessa forma.
Nós tivemos um processo de cinco anos. Quando cheguei aqui, há cinco anos, [o bispo] Dennis Sullivan, que foi meu vigário-geral e um dos caras mais experientes que você poderia conhecer, me disse: 'Tim, a grande prioridade é o planejamento pastoral'. Ele disse: 'Terry Cooke tentou fazê-lo, e não deu em nada. John O'Connor tentou fazê-lo, e não deu em nada. Ed Egan queria fazer e fez um pouco, por isso estamos prontos para isso. [Nota: Cooke, O'Connor e Egan são todos ex-cardeais-arcebispos de Nova York]. Precisamos fazê-lo em um processo cuidadoso e sistemático'. Começou naquela época... Dois anos atrás nós tínhamos os dados, nós sentíamos a agitação do povo. Havia um sentimento de verdadeira unanimidade de que algo tinha que ser feito. Todo mundo diz que temos muitas paróquias, todo mundo diz que algumas têm de fechar... contanto que ela não seja a minha!
Temos coisas em ordem. Eu não tenho medo de admitir alguma apreensão, porque agora nós temos que tomar as decisões. Nas próximas duas semanas eu tenho três reuniões durante todo o dia com os meus auxiliares e do conselho de consultores que tem trabalhado com tudo isso. Nós temos a lista que veio do povo, a lista que foi revisada pelos consultores, nós temos a lista que foi aprovada pelo conselho pastoral e pelo conselho dos sacerdotes. Agora eu tenho que decidir se vou aceitá-la como está, ou se há outras questões que foram levantadas e talvez devêssemos repensar essa ou aquela.
Quando a poeira assentar, quantos lugares o senhor acha que vai ter que fechar?
Neste momento, as recomendações que me deram são cerca de 60 de um total de 380 paróquias. Eu não acho que vão ser todas essas.
Como as pessoas estão reagindo?
A primeira coisa que eu estou ouvindo são comentários ad-hoc das paróquias específicas, 'Por favor, não feche a nossa paróquia'. A segunda grande coisa que estou ouvindo é: 'Não recue. Você tem que fazê-lo, porque tem que ser feito'. Poderíamos questionar uma meia dúzia, mas em geral isso tem que ser feito.
[O bispo Nicholas] DiMarzio [de Brooklyn], que passou por isso há não muito tempo, disse-me: 'Tim, enfrente a situação, faça isso, vai fazer sentido'.
Nós enterramos recentemente o cardeal Edmond Szoka que tentou fazer a coisa certa, mas talvez não fez isso da maneira certa. Nós olhamos para trás para o que ele fez em Detroit, e você vê uma decisão corajosa... ele foi criticado porque não seguiu o processo, apenas executou-o. Mas ele estava à frente na curva, e seus sucessores louvaram a Deus por ele. Louvo a Deus pelas decisões difíceis que Ed Egan tomou, em termos de decisões difíceis na administração. [Nota: Como arcebispo de Detroit no final dos anos de 1980, Szoka executou o fechamento de 35 paróquias, na época, o maior fechamento na história dos EUA.]
O senhor tem planos para lidar com resultados adversos?
Nós não só falamos sobre isso, nós já antecipamos isso. Nas paróquias que o cardeal Egan teve de fechar, ele teve adversidades, e em alguns casos elas ainda estão acontecendo. A propósito, essa é outra maneira que a Santa Sé poderia nos ajudar. O Papa Francisco fala sobre uma Igreja colegial no qual você confia nos bispos, para que quando as pessoas impetram recursos canônicos contra esses fechamentos, gostaríamos de obter uma resposta rápida. Nós também gostaríamos de pensar que não haverá pedido de desculpas, que a Santa Sé tenda a confiar no bispo local. O dever de Roma é ver se o bispo seguiu o processo corretamente, mas a tendência é confiar nele.
O senhor está confiante de que o que está fazendo vai resistir a uma análise canônica?
Dois anos atrás, perguntei a um canonista de fora para examinar o nosso processo, dizer-nos o que fazer, certificar-se de que não há pedra sobre pedra. Sabe quem mais tem sido útil? O cardeal Raymond Burke. Ele disse-me: "Certifique-se de fazer isso, isso e isso, porque eu vou estar na Suprema Corte quando vierem os apelos, e é isso que olhamos".
Vai ser doloroso. De certa forma, porém, eu fico meio feliz que as pessoas fiquem chateadas quando sua paróquia fecha, porque isso significa que elas amam suas paróquias e são leais a elas.
O senhor se sente frustrado que algumas das pessoas que se queixam não estavam lá ao longo dos anos para apoiar o estabelecimento?
Nós percebemos isso em algumas das escolas que já tivemos que fechar, e eu disse isso quando eu me encontrei com as pessoas. Eu disse: 'Aqui está a lista de pessoas com raiva de mim por fechar esta escola. Eu não vejo nenhum de vocês na lista dos que ajudaram até agora'.
Falando de Nova York, o bispo Daniel Jenky de Peoria, Illinois, parece criticar a arquidiocese por atrasar a beatificação do arcebispo Fulton Sheen. É verdade que o senhor colocou o pé no freio?
Não, isso não é verdade. Eu entendo a expectativa do bispo Jenky e espero ir adiante o mais rápido possível, e eu sou muito grato por todo o trabalho que Peoria tem feito. Eu também compartilho a sua frustração com as exigências de qualquer causa de canonização, porque estas coisas nunca são fáceis. Em Nova York, sabemos disso através de outras causas que temos no sistema, tais como Pierre Toussaint, cardeal Terence Cooke e Dorothy Day.
Tivemos alguns problemas com Peoria sobre o que fazer com os restos mortais de Dom Sheen e quais relíquias que podem ser compartilhadas, e estou comprometido a fazer o que pudermos e que seja consistente com o desejo do próprio Sheen, com os desejos de sua família, as instruções que recebemos da Congregação para as Causas dos Santos [no Vaticano] e a lei do Estado de Nova York. A linha de fundo é que nós queremos que essa causa avance o mais rapidamente possível, e eu pensei que eu tinha compartilhado isso apropriadamente com o bispo e o povo de Peoria.
Acho que o meu próximo passo será escrever uma carta formal ao bispo Jenky e à congregação, dizendo que ficaria honrado em assumir a causa, se é isso o que parece melhor. Sheen foi um bispo aqui e tem profundas ligações com Nova York e estamos orgulhosos dele, de modo que ficaria feliz em fazê-lo, mas também queremos respeitar Peoria.
Neste momento, a maioria dos observadores provavelmente diriam que o seu legado começa com as batalhas em prol da liberdade religiosa que o senhor lutou enquanto presidente da conferência dos bispos. É isso que o senhor quer ser lembrado por ter feito?
Eu não ficaria feliz se isso isso fosse a coisa principal. Eu mantenho o registro, e eu acho que foi um ponto alto na história da hierarquia americana... não devido a mim, mas ao consenso de meus irmãos bispos, a forma como lutamos juntos. Mas eu gostaria de pensar que isso é apenas um exemplo, entre muitos, de que eu tento fazer, que é levar o Evangelho para o mercado.
O senhor não tem mais a responsabilidade da Conferência dos bispos e está à beira de tomar algumas decisões locais difíceis. Qual é o seu próximo ato?
Boa pergunta. Olhe, nós passamos a vida pensando que uma vez que eu tirar isso do caminho que eu vou conseguir fazer, e eu serei amaldiçoado se outra coisa não surgir. Eu passei os três anos como presidente pensando que uma vez que eu tirar isso do caminho, eu vou ter tempo para outra coisa. Então eu entrei no processo de planejamento paroquial. Você nunca vai estar livre disso, e agora eu espero que seja uma missão para o resto da minha vida. Não é apenas sobre a mudança de endereços e fechamento de paróquias. É o que o povo de Deus espera da liderança e do trabalho pastoral de sua Igreja.
Dennis Sullivan ajudou a reunir uma série de sessões de escuta muito bem organizadas, que se tornou parte do processo, de modo que ouvimos as coisas que o povo de Deus quer que cuidemos para eles. Agora a energia deve ser liberada, porque não estamos sufocados pela manutenção de museus.
Sobre o que eles estão falando? Deixe-me dar alguns exemplos. Precisamos de um trabalho de apoio universitário mais coordenado. Esse é o lugar onde nossos jovens estão. Você sabe, o Pew Center diz que o principal indicador de fidelidade [na Igreja] de uma pessoa adulta é, se ele ou ela teve uma experiência religiosa positiva na faculdade. Temos que dedicar um bom tempo nisso. Os cuidados com os imigrantes é outro exemplo, assim como é a construção de algumas novas paróquias onde elas são necessárias e expandir as que temos. O casamento é uma grande preocupação, manter os matrimônios unidos de uma forma atraente, restaurando o brilho e o esplendor do que eu acho que é a grande história de amor que a Igreja tem com o sacramento do matrimônio.
Temos que continuar a solidificar e a fortalecer nossas escolas, sem negligenciar os 70% das nossas crianças que não estão em escolas católicas. A formação de fé de adultos, o envolvimento com a cultura, as artes, teatro, negócios... essas são todas as áreas onde o povo de Deus disse que quer ver a Arquidiocese de Nova York estar na vanguarda. Atualmente, nós estamos muito bem, mas eu tenho que admitir que a minha grande energia é gasta em manter a enorme infra-estrutura que temos. Se um pouco disso for liberado, nós vamos ser capazes de nos concentrar nessas outras questões pastorais.
O senhor só tem 64 anos, bem no auge da faixa etária que os homens às vezes são levados a Roma. No momento, não há nenhum norte-americano à frente de uma congregação ou um conselho, no Vaticano. Se o papa chamar e disser 'Precisamos de você aqui', há um trabalho específico no Vaticano isto lhe faria gosto?
Eu acho que não, não, a menos que ele criasse um novo departamento de culinária para ajudá-lo a trabalhar em uma encíclica sobre comida ou algo assim. Se eu pudesse fazer visitas pastorais aos restaurantes de Roma, talvez, mas por outro lado não há nada que realmente me agrade.
Se ele perguntar: 'Qual é a sua preferência, vir para Roma ou ficar em Nova York?', qual a sua resposta?
Lasciami stare! ["Deixe-me ficar!"]
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Cardeal de Nova York não prevê mudanças na proibição da comunhão aos divorciados. Entrevista com Timothy Dolan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU