06 Novembro 2023
"Para os palestinos e para as ruas árabes, o Hamas não é um movimento terrorista, mas um movimento de resistência. Essa nuance no Ocidente é drasticamente rejeitada. É preciso se colocar na pele de um palestino, vivendo sob ocupação e sob embargo, para entender o quanto podem ser deploráveis essas nuances", escreve Tahar Ben Jelloun, romancista, ensaísta, poeta e pintor franco-marroquino de expressão francesa, em artigo publicado por La Repubblica, 02-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já falei do meu horror pelo que o Hamas fez. Repito-o hoje, denunciando a captura de reféns e a sua detenção em condições que devem ser muito difíceis. Penso nas famílias que têm um familiar entre os reféns, na sua dor. Esse sofrimento é uma espécie de tortura. Minha indignação não é seletiva. A vida de um judeu vale tanto quanto a vida de um árabe. O Presidente Macron disse-o com suas próprias palavras, e eu subscrevo aquela declaração. É por isso que as represálias decididas por Netanyahu e pelo seu Ministro da Defesa, que matam famílias e bombardeiam campos de refugiados em Gaza, não são suportáveis.
Nem sequer confundo o Hamas, um movimento islamista financiado e armado pelo Irã, e o povo palestino, que aspira a viver em paz.
Toda contabilidade é macabra. Os números de ambos os lados só mostram o nível de horror desta guerra. Contudo, o número de mortes palestinas só aumenta; e o exército israelense está se preparando para uma guerra longa e cruel contra os palestinos, onde quer que estejam. O Hamas está espalhado por quase todos os lugares: é preciso matar todas essas famílias para se livrar de apenas um membro do Hamas?
Entre esses mortos estão poetas, escritores, jornalistas. A poesia nunca protegeu das balas e as bombas lançadas pelo exército israelense não fazem diferença entre os poetas e os outros. É o jornalista Jean-Paul Marie que alertou a opinião pública francesa ao publicar um artigo no Le Journal de Laurent Joffrin sobre os poetas que morreram sob as bombas israelenses. Hiba Abu Nada, 32, morreu na semana passada. Ela nasceu em Meca e decidiu retornar à Palestina, o país de seus pais, para estudar bioquímica na Universidade al-Azhar em Gaza. Seu romance, “O oxigênio não é para os mortos", recebeu o Prêmio Sharjah. No último dia 8 de outubro escreveu no X: “A noite da cidade é escura exceto pelos clarões dos mísseis, silenciosa exceto pelos estrondos dos bombardeios, assustadora exceto pelo conforto da súplica, negra exceto pela luz dos mártires. Boa noite, Gaza”.
Talal Abu Shawish vivia e escrevia no campo de Nusayrat, Gaza. Poeta, morreu sob as bombas israelenses. Rushdi Sarrage, 31 anos, é um jornalista que ajudava os repórteres da Rádio France. Em 22 de outubro foi morto por uma bomba israelense. Pouco antes havia escrito esta frase: “Nós não vamos sair. Deixaremos Gaza apenas para ir para o céu, apenas para o céu." Esses são os nomes de alguns escritores que morreram sem terem combatido.
Lembramos que Gaza é um território de 365 quilômetros quadrados onde vivem (ou melhor, sobrevivem) 2,3 milhões de pessoas. A densidade é de 4.000 pessoas por quilômetro quadrado. Desde 7 de outubro estão sem luz, água potável, remédios e assim por diante.
Sessenta e cinco intelectuais israelenses, entre os quais o escritor David Grossman (que havia perdido seu filho na última guerra contra o Líbano), a socióloga Eva Illouz e Raphaël Zagury-Orly, dirigiram "um apelo à esquerda global". Nenhum eco. Nenhuma resposta. Somente as armas têm a palavra, dia e noite. Como escreveu um habitante de Gaza, “ressoam somente o fogo, o aço e a morte". Mesmo aqueles que pedem um cessar-fogo e o início das negociações não são ouvidos.
Hoje, no mundo árabe, o Hamas aparece como “o único movimento em condições de libertar os territórios ocupados".
Para os palestinos e para as ruas árabes, o Hamas não é um movimento terrorista, mas um movimento de resistência. Essa nuance no Ocidente é drasticamente rejeitada. É preciso se colocar na pele de um palestino, vivendo sob ocupação e sob embargo, para entender o quanto podem ser deploráveis essas nuances. O fosso entre o mundo árabe e o Ocidente torna-se cada vez mais profundo por causa de uma batalha que havia sido esquecida e que hoje retorna com força e dor ao cenário internacional, a tal ponto que alguns temem consequências que poderiam tornar possível uma terceira guerra mundial. Foi o que disse Jacques Attali, ex-conselheiro de François Mitterrand, outra noite na televisão francesa. Tudo é possível. Para Putin, esta guerra faz esquecer o que está fazendo na Ucrânia.
Armas estadunidenses destinadas aos ucranianos foram desviadas para Israel. O Irã, por sua vez, mexe as cordinhas e o Qatar apresenta-se como negociador com o Hamas para a libertação dos reféns, e certamente não o faz de graça. Não esqueçamos que o Qatar é o país da Irmandade Muçulmana, cuja ideologia é aquela do Hamas.
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Onde morrem os poetas. Artigo de Tahar Ben Jelloun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU