22 Setembro 2023
A imprensa vaticana conversou com o arcebispo de Viena sobre o Sínodo que está prestes a começar.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican News, 19-09-2023.
"A sinodalidade é o modus operandi da comunhão eclesial, participação também nas questões e decisões do governo, em aspectos da vida da Igreja. O Sínodo sobre a Sinodalidade é um sínodo sobre como se vive a comunhão eclesial de modo evangélico, o caminho conjunto de todos os membros do povo de Deus! Com estas palavras, numa entrevista aos meios de comunicação do Vaticano, o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, resume o ponto central da agora próxima assembleia sinodal, apontando a ligação entre o Sínodo que a Igreja está a viver e o de 1985, dedicado aos assuntos eclesiais. Um sublinhado que nos faz compreender como a comunhão e a luta pela unidade – ut unum sint – apresentam-se diante das diferentes posições, na esperança de que determine também a forma de apresentá-las e discuti-las.
Eminência, o primeiro dos dois sínodos sobre a sinodalidade está prestes a começar. O que espera que surja deste trabalho comum?
Muitas coisas podem acontecer neste Sínodo, não sabemos. O Papa Francisco colocou-nos num caminho bastante único, o da escuta e do discernimento. São coisas que sempre devem ser feitas, são coisas elementares para a vida da Igreja, mas o Papa colocou uma ênfase muito mais explícita na questão do discernimento: o que nos mostra o Senhor? O que você quer para nós hoje, para a Igreja? E, portanto, o Sínodo é uma tentativa de aprofundar, de aprender, de experimentar este caminho de discernimento.
Na Igreja de Viena, há alguns anos, o senhor celebrou um sínodo diocesano. O que aconteceu?
Tenho que corrigir um pouco, porque não foi um sínodo diocesano. O sínodo diocesano tem regras muito precisas estabelecidas no Direito Canônico. Tive a ideia, e a partilhamos com muitos, de seguir outro caminho, o das assembleias diocesanas. Fizemos cinco deles, cada um com 1.400, 1.500 delegados vindos de paróquias, instituições, ordens, de todas as realidades da diocese. A ideia norteadora foi aquela que o Papa Francisco mencionou várias vezes, a do Concílio dos Apóstolos, que lemos nos Atos. Propus à diocese: falemos ordenadamente sobre o que vivemos no nosso caminho com o Senhor, o que Deus nos fez perceber na nossa vida, nas nossas paróquias.
O que mais o impressionou no julgamento?
A metodologia foi a dos Atos dos Apóstolos. Naquela época havia um problema, o dos pagãos que se tornaram cristãos: deviam ser batizados ou não? E se fossem batizados, eles também teriam que aceitar a lei judaica ou a fé em Cristo seria suficiente? Para resolver esta questão dramática, ouviram experiências e fizeram discernimento. Pedro falou, depois Paulo e Barnabé falaram e finalmente toda a assembleia ouviu e orou. No fim, chegaram a esta conclusão: “O Espírito Santo e nós decidimos…”. Quando o Papa Francisco me pediu para proferir o discurso por ocasião do 50º aniversário da instituição do Sínodo em 2015, na Sala Paulo VI, antes do seu famoso discurso sobre a sinodalidade, tive que resumir o que é o Sínodo e falei antes de tudo da experiência da Igreja primitiva. E penso que este caminho – repetiu-o muitas vezes o Papa Francisco – o caminho do contar, da escuta e do discernimento é bom para o caminho do Sínodo que estamos a viver agora.
Qual é o orçamento das assembleias diocesanas?
O que tentamos fazer na diocese certamente aprofundou a comunhão entre nós e incentivou iniciativas pastorais. Não votamos, não tomamos resoluções nem publicamos textos: apenas partilhamos a vida da Igreja à luz das nossas experiências. Este foi o método destas cinco assembleias diocesanas. Foi uma experiência muito positiva, num momento difícil, porque ocorreu todo o drama dos abusos e da crise de credibilidade da Igreja. Mas tivemos verdadeiramente uma forte experiência de fé e de comunhão e isso certamente nos ajudou a seguir em frente sem desanimar.
“Sínodo sobre a Sinodalidade”: um título que pode parecer distante da sensibilidade das pessoas, um título um tanto técnico. O que você acha?
Participei no sínodo de 1985 não como bispo, mas como teólogo, fui um dos teólogos que colaborou neste sínodo que se realizou vinte anos depois do encerramento do Concílio e o tema foi comunhão, communio, palavra essencial de Vaticano II. Esse sínodo também não teve um tema específico mas foi quase um sínodo sobre a comunhão: a communio, como nota essencial da Igreja, como característica da vida eclesial. E penso que o Sínodo sobre a Sinodalidade é algo semelhante. A sinodalidade é muito simples: é o modus operandi de comunhão eclesial, participação também nas questões e decisões governamentais, em aspectos da vida da Igreja. O da sinodalidade é um sínodo sobre como viver de modo evangélico, de modo correspondente à vida do Evangelho, à comunhão eclesial, ao caminhar juntos do povo de Deus, de todos os membros do povo de Deus. Claro, pode-se dizer que a maioria dos sínodos posteriores a 1965 tiveram um tema mais específico: por exemplo, a penitência ou a família, como tivemos em 2014-2015. Mas penso que este tema da sinodalidade é mais um passo na recepção do Concílio Vaticano II, da communio e do modus operandi da communio, sinodalidade. Não devemos esquecer que o caminho conjunto da sinodalidade não ocorre apenas no mundo contemporâneo, mas também na história. E, portanto, sinodalidade significa também recordar o caminho daqueles que nos precederam na fé.
O Papa Francisco insiste em sublinhar que o Sínodo é feito de oração, de escuta da voz do Espírito Santo, de escuta mútua e de discernimento. E é diferente dos trabalhos de um parlamento, igualmente positivos, que estão sujeitos à lógica da maioria e da minoria.
Você disse que o trabalho de um parlamento é algo positivo. Estamos gratos a todos os países que têm um parlamento, um verdadeiro parlamento, uma democracia parlamentar. Gostaria de acrescentar uma pequena observação. É claro que o parlamento não invoca explicitamente o Espírito Santo: em alguns parlamentos existe uma tradição de oração, são raras mas existem. Mas penso naquele estupendo discurso do Papa Bento XVI ao parlamento de Londres, onde mostrou que mesmo na democracia parlamentar há algo de discernimento... Ele tinha falado da consciência de Thomas Moore que teve que tomar uma atitude contrária ao rei, mas antes de tudo ele falou sobre uma decisão do parlamento londrino, a da abolição da escravatura, mostrando como o progresso na consciência de que a escravidão é contrária à dignidade humana ocorreu nas discussões parlamentares. Por esta razão, gostaria de acrescentar uma palavra positiva sobre o trabalho do parlamento. Embora o Sínodo certamente não seja um parlamento, isso não significa que o trabalho do parlamento não seja uma coisa boa.
Cardeal Christoph Schönborn na eleição da Conferência Episcopal Austríaca. (Foto: Mureccles | Wikimedia commons)
Pode explicar esta diferença entre o Sínodo e o Parlamento?
A diferença é que a sinodalidade, a vida na Igreja, é sempre uma procura de unanimidade, não no sentido parlamentar de que todos devem votar da mesma forma, como acontece nas ditaduras ou no comunismo, mas como uma tensão pela unidade. É escutar a voz do Espírito Santo que avança na busca da verdade, na busca do bem, até chegar quase à unanimidade. Isto é o que fizeram os concílios e até os sínodos que conheci: a regra do sínodo é que há votações, mas estas devem obter dois terços dos votos. Não esqueçamos também que o Sínodo é consultivo, não é um órgão legislativo. Serve para a escuta, a escuta comum da voz do Espírito Santo. Por esta razão o Papa quis tanto para o Sínodo sobre a família como para este sobre a sinodalidade, duas etapas ou várias etapas, locais, continentais, etc. E no fim duas reuniões da assembleia sinodal, porque é um caminho para a unanimidade que deve ser sempre ut sint cor unum et anima una, como dizem da Igreja primitiva: eram um só coração e uma só alma. Esta harmonia é o sinal do Espírito Santo.
O que significa, concretamente, “ouvir a voz do Espírito”?
O Papa nos ensinou, e já o praticamos com bons frutos, o método da conversação espiritual. Em que consiste? É ouvir-nos com respeito, com acolhimento, para chegar ao discernimento, para compreender qual é a vontade de Deus. E para mim foi impressionante que, no documento Querida Amazônia, o Papa Francisco propôs o seu eco no Sínodo sobre a Amazônia, do qual pude participar. Em alguns momentos disse: aqui me parece que faltou discernimento, é preciso mais discernimento. Como sabemos que fizemos o discernimento necessário para chegar a uma decisão? Esta é certamente a arte do governo do Papa, mas também da harmonia do Sínodo, dos membros do Sínodo. E por isso penso que viveremos uma forte experiência de eclesialidade nesta escuta. É claro que em muitas questões e em muitos temas a lista de questões é longa e haverá muito tempo para dedicar à discussão e ao intercâmbio sobre este ou aquele assunto, mas sempre na perspectiva da escuta do Espírito.
Uma característica certamente nova deste Sínodo foi a tentativa de envolver e ouvir amplamente as igrejas locais, envolvendo as comunidades e até mesmo aqueles que se distanciaram da Igreja. Este método é importante e, em caso afirmativo, por quê?
Sim, é importante ouvir também a voz de quem não está “dentro”, que se afastou, porque este eco permite-nos discernir melhor. E então ouça a voz dos fiéis. Acabei de ler o famoso livrinho de são John Henry Newman sobre ouvir os fiéis em questões de fé. Este pequeno livro escrito em torno do Concílio Vaticano I é muito importante para a nossa situação na busca pela sinodalidade.
O que significa ouvir a fé do povo de Deus?
É o sensus fidei. Claro, isso não é revelado nas estatísticas. Se não fazemos esta obra de escuta do sensus fidei, não estamos à escuta do Espírito Santo, porque o que vive e se percebe no sensus fidei do povo de Deus, este é o cerne, o coração da fé da Igreja. Penso em uma experiência pessoal, quando eu era um jovem estudante de teologia e aprendemos todas as ideias de Bultmann e da Entmythologisierung (desmistificação). Um questionamento radical da fé cristã. Quando voltei para casa falei disso para minha mãe que me ouviu e depois de um certo tempo ela me olhou com certa surpresa e simplesmente me disse isto: “Mas se Jesus não é o filho do Deus vivo, o nossa fé está vazia". Sempre disse que esta lição da minha mãe foi para mim a escuta do povo de Deus, da fé dos simples, da fé do povo de Deus. É por isso que a insistência do Papa Francisco na religiosidade popular, na fé dos o povo – uma insistência que já encontramos no Documento de Aparecida – é muito importante. Lembro-me daquele famoso sermão do então cardeal Ratzinger durante o período da crise com Hans Küng, quando dizia: a teologia que não se coloca humildemente ao serviço, para ouvir a fé do povo de Deus, não serve para nada, gnose, mas não é o serviço da fé. Por isso penso que o método de envolver um grande número de fiéis e também de pessoas que se distanciaram da Igreja é importante para o discernimento.
Outra característica é a participação de membros não bispos, com a inclusão de um número significativo de fiéis leigos e, em particular, de mulheres. Como muda a fisionomia do Sínodo e quais serão, em sua opinião, as consequências?
Nos sínodos há 50 anos sempre houve leigos, homens e mulheres, que participaram como especialistas, como ouvintes. Agora, pela primeira vez, um bom número de leigos, homens e mulheres, são membros plenos do Sínodo. Penso que substancialmente a fisionomia do sínodo não muda, porque é certamente um sínodo de bispos, a maioria continua sendo os bispos, porque a tradição sinodal é antes de tudo a do encontro dos bispos da região, da nação, etc., mas esta participação dos fiéis leigos é certamente importante para melhorar a escuta. Participei num bom número de sínodos e lembro-me de intervenções de homens e mulheres, leigos, especialistas, ouvintes, que tiveram um impacto profundo nos procedimentos. Desta vez vamos um passo além para envolver essas vozes. Ainda haverá neste sínodo. Continuarão presentes os peritos e delegados das outras igrejas fraternas. Acho que é simplesmente enriquecedor. Devemos então recordar mais uma vez o Sínodo criado por Paulo VI há mais de 55 anos. Este Sínodo é concebido como a voz do episcopado da Igreja universal ao Sucessor de Pedro. Sabemos bem, há votações e votações muito significativas, mas essas votações são uma expressão de sensus fidelium, também das expectativas do povo de Deus que são finalmente transmitidas ao Papa para o seu posterior discernimento. Esta nova participação não muda essencialmente o significado de um sínodo pós-conciliar.
Uma consequência desta ampla participação foi a inclusão, no Instrumentum laboris sinodal, de muitos temas que vêm sendo discutidos há décadas. Por exemplo, o pedido de reformas específicas para uma maior participação dos leigos e das mulheres na vida da Igreja, ou um repensar de algumas questões relacionadas com a teologia moral. Quanto estão destinados a pesar no Sínodo?
Não consegui responder, veremos. O que percebi é que os sínodos continentais e também o eco de numerosas conferências episcopais no mundo certamente insistem na questão da participação dos leigos na vida da Igreja. Este é um tema já central no Concílio Vaticano II. A participação dos leigos está no centro das intenções conciliares e ainda há muito que aprender e fazer. São João XXIII já tinha dito que o tema da mulher na vida da Igreja é um dos sinais dos tempos, é uma das grandes questões emergentes em todo o mundo e este tema estará certamente presente. No entanto, sou um pouco cético quanto ao fato de a lista de temas muito debatidos, especialmente no mundo ocidental secularizado, ser tão central para toda a Igreja. Vou dar um exemplo: os viri probati, a ordenação sacerdotal de homens casados. Talvez eu seja criticado por me lembrar disso, mas foi dito no Sínodo. Alguns perguntaram: como é possível que existam cerca de 1.200 sacerdotes da Colômbia, um país que tem muitas vocações sacerdotais, vivendo nos Estados Unidos e no Canadá? Por que cem ou duzentos deles não vão para a Amazônia? O problema da falta de padres estaria resolvido. Então acho que às vezes precisamos de um pouco mais de discernimento e também de honestidade em ver a complexidade das questões. Neste sentido, estou confiante de que o Sínodo será uma ocasião bela e poderosa, uma oportunidade para discernirmos juntos sobre estas questões.
A secularização avança nas sociedades ocidentais, a transmissão da fé que antes acontecia na família parece ter sido interrompida. Como voltar a anunciar o Evangelho nestes contextos? Como pode o próximo Sínodo ajudar nisto?
Você disse que a transmissão da fé aconteceu na família. É verdade que se esta transmissão não ocorre na família, a transmissão da fé não é impossível, mas é muito mais difícil. Por esta razão, o duplo Sínodo sobre a Família é muito importante para a transmissão da fé. Tenho fé que a transmissão da fé acontece e acontece porque é obra do Senhor. É o Senhor quem chama, quem convida, é o Senhor quem age no coração das pessoas, quem atrai como disse Jesus: “quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Esta atração de Jesus está ativa em todo o mundo, mas também há necessidade de quem ajude a compreender este chamado, esta obra do Senhor. É claro que a secularização é um grande desafio. Mas mais uma vez lembro-me de Bento XVI que disse coisas surpreendentes sobre a sociedade secularizada. Lembro-me que quando foi à República Checa, um país muito secularizado, ele disse: aqui também há oportunidades para o Espírito Santo agir, para ser operacional. E isso é verdade. Portanto, a secularização não é apenas uma desvantagem, mas também tem um lado positivo, no sentido de que as questões existenciais pessoais são levantadas de uma forma talvez mais direta. E, portanto, o Senhor está ativo. Este é o Evangelho: é uma força de vida, inspira a vida e neste sentido estou confiante de que este Sínodo, apesar de todas as críticas que já estão sendo feitas, será um passo para levar adiante a comunhão da Igreja”.
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Cardeal Schönborn: “A sinodalidade é a forma de viver a comunhão na Igreja” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU