08 Setembro 2023
"Um ano e meio após a agressão russa à Ucrânia, o Russky Mir encolheu visivelmente. A Ucrânia está agora noutro lado, na Bielorrússia há tensões internas na Igreja Ortodoxa, os países bálticos seguem seu próprio caminho. Tendências antimoscovitas estão presentes no Cazaquistão e na Moldávia", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 05-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A elaboração da visão do “mundo russo” (Russky Mir), antes de se tornar um instrumento político útil a Vladimir Putin e às ambições de poder do Patriarca Kirill, havia nascido como uma referência cultural comum para toda a antiga área soviética e como vínculo pastoral e jurídico das Igrejas Ortodoxas nos estados agora independentes em relação a Moscou.
Um ano e meio após a agressão russa à Ucrânia, o Russky Mir encolheu visivelmente. A Ucrânia está agora noutro lado, na Bielorrússia há tensões internas na Igreja Ortodoxa, os países bálticos seguem seu próprio caminho. Tendências antimoscovitas estão presentes no Cazaquistão e na Moldávia.
Outro corolário do “mundo russo” é a prevalência nas publicações teológicas internas de uma recusa radical do diálogo teológico com a Igreja Católica, único interlocutor de respeito até agora reconhecido.
Num ensaio de A. V. Shchipkova, proposto no site do patriarcado, denuncia-se a evidente crise da Igreja Católica, juntando a venda das igrejas, a abolição da missa em latim, a iminente aprovação das uniões homossexuais.
A vitória dos “modernistas” no Concílio Vaticano II significou a “protestantização” do catolicismo romano. “Mas esta crise – sublinha-se – não é teológica, mas institucional e política. É o resultado da hegemonia das elites seculares e políticas, mediadas pelas instâncias modernistas internas”. Uma deriva de décadas que significou adesão a ideologias seculares e subordinação ao código cultural hoje presente. Em outras palavras, a traição do Evangelho e da tradição.
Cazaquistão. Os pedidos explícitos ou implícitos de autocefalia dos antigos países soviéticos são rotulados como uma rendição política e ideológica ao Ocidente, rejeição da saudável tradição ortodoxa.
Só que esses estão aparecendo agora em todos os lugares. Também no Cazaquistão, onde a autoridade do bispo pró-russos, Alexandre, não impediu que as reflexões do arquimandrita Jakov ganhassem influência no clero e nas comunidades. Ele denunciou o servilismo do Patriarca Kirill para com Putin e a necessidade de romper com Moscou, buscando uma plena autocefalia.
A transferência do padre e a sua licença sabática não impediram o arcipreste da catedral, A. Suvorov, de afirmar que a autocefalia era inevitável, ainda que não imediatamente.
Letônia. Muito mais exigente é a decisão do sínodo da Igreja Ortodoxa Letã (7% dos dois milhões e meio de habitantes) que no dia 24 de julho decidiu ordenar bispo um letão (até agora eram russos), o arquimandrita Joan Lipshans, bispo de Valmiera (13 de agosto).
O Metropolita Alexandre de Riga ressaltou que isso não acontecia há 80 anos: "Tendo em conta os acontecimentos históricos conturbados e a complexidade da existência da Ortodoxia na Letônia, em conformidade com o desejo da população ortodoxa letã e a necessidade de responder à sua necessidades espirituais, em relação às realidades históricas atuais… o sínodo decidiu por unanimidade nomear um bispo, o arquimandrita Joan, membro do clero da igreja da Anunciação de Riga, que será bispo de Valmiera, vigário da metrópole de Riga e de toda a Letônia".
A primeira reação moscovita foi dura, mas controlada, afirmando compreender as difíceis circunstâncias políticas. E ainda assim não suficientes para quebrar a unidade da Igreja.
As circunstâncias adversas são a decisão do parlamento de pedir a autocefalia e as coerentes modificações nos estatutos eclesiais (7 de setembro de 2022). O Bispo Alexandre tomou ato disso e agiu em conformidade.
Em 24 de agosto, o Sínodo da Igreja Russa destaca que a escolha deveria ser primeiro verificada pela autoridade patriarcal. A violação da norma canônica soma-se à práxis já generalizada de não mais homenagear Kirill nos dípticos das celebrações litúrgicas. Elementos que destroem a unidade da Igreja. Especialmente porque as celebrações são agora todas na língua local e não mais no eslavão da tradição russa.
Moldávia. Fortes tensões também na Igreja da Moldávia. Enquanto o governo pró-ocidente é convidado como candidato à União pela Comissão Europeia para o encontro com os outros governos dos Balcãs, que já entraram na união (Croácia, Bulgária e Romênia), juntamente com o outro candidato (Ucrânia), a Igreja Ortodoxa local vive a tensão entre pró-russos e pró-ocidentais.
Em um site grego de orientação conservadora e pró-russo (Romfea) fala-se abertamente do possível pedido de autocefalia, qualificando-o como legítimo. Mas sublinha-se a necessidade de que isso aconteça com a aprovação prévia da Igreja-mãe, o patriarcado de Moscou. Seria grave, escreve o prof. T. Zizis, que isso acontecesse por meio do reconhecimento imediato de Constantinopla, como aconteceu na Ucrânia.
Com base na narração moscovita, ele recorda como o consenso agora alcançado sobre os procedimentos para a concessão do tomo da autocefalia nos trabalhos preparatórios ao Sínodo de Creta (2016), foi frustrado por Bartolomeu. No entanto, ignorando a não participação da Rússia no mesmo sínodo e a vontade de Moscou de tirar toda a relevância da sede de Constantinopla. É difícil pensar que um “esboço” possa empenhar à obediência quando os textos votados no Sínodo não são reconhecidos.
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Antiga ortodoxia soviética: o Russky Mir encolhe. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU