27 Março 2023
"Abençoar casais homossexuais é uma blasfêmia." O cardeal Gerhard Ludwig Muller está convencido disso. O prefeito emérito do Dicastério para a Doutrina da Fé, que publicará em 31 de março o livro Il Papa. Ministero e missione (O papa: ministério e missão, em tradução livre, Cantagalli), espera que o papa intervenha para punir os bispos alemães que, em sua opinião, aprovaram "textos heréticos" em seu percurso sinodal.

Il Papa. Ministero e missione | Foto: Divulgação
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 24-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Com os migrantes, ele escreve, “o Papa Francisco não fez nada além de cumprir sua missão de advogado da humanidade": é esta a função de um papa?
Cristo é nosso advogado perante o Pai. Se eu olhar para o mundo de hoje, poucos podem falar pela humanidade. Xi Jinping, Putin, Biden, Erdogan… seus interesses às vezes são anti-humanos.
A Igreja prega o Evangelho contra os poderes do mundo, assume a defesa da dignidade de todas as pessoas, não de uma elite que tem todo o dinheiro do mundo. Hoje o papa é a mais alta autoridade moral da humanidade.
O patriarca Kirill apoia a guerra de Putin contestando justamente a secularização...
Conheço Kirill há muitos anos: ele é um bom teólogo, mas não é possível justificar esta guerra com a palavra de Jesus, como fez Putin. Até a ideia da Grande Rússia é absurda: gostaria mais - para fazer uma caricatura dessas nostalgias políticas - de renovar o império romano, havia também a Crimeia!.
No entanto, Francisco quer manter uma porta aberta com Moscou.
O momento é difícil, é correto manter os contatos. Mas a posição da Igreja não é justificar o que os imperadores fazem: Santo Ambrósio criticou Teodósio após o massacre de Tessalônica.
Kirill deveria criticar Putin?
Sim, mas seria o fim dele. Desde Pedro, o Grande, os bispos ortodoxos estão submetidos ao Estado. Agora o Estado está ajudando a reconstruir as igrejas, fala-se em sinergia entre Igreja e Estado, mas como Igreja, não podemos justificar o mal.
Um papa pode renunciar? Bento XVI errou?
Eu não julgo um papa. Ele não falou a respeito comigo: se tivesse falado, eu teria dito não.
Francisco poderia renunciar?
Ele teve uma "conversão": no início dizia que Bento XVI tinha aberto uma porta, recentemente disse que o ministério petrino é ad vitam. Concordo. Eu disse isso a ele muitas vezes: normalmente ele faz o contrário do que eu digo! Mas não foi - como o papa sabe muito bem – uma minha jogada!'
Mesmo que ele não possa viajar?
Mesmo se ele estivesse na cama. No passado, os peregrinos vinham rezar no túmulo de Pedro, na Idade Média nunca viram o papa. Basta o seu testemunho pelos Cristo crucificado e ressuscitado.
Em "The Young Pope", o papa desaparece da vista dos fiéis...
É claro que na era dos meios de comunicação de massa não podemos voltar no tempo, mas deveríamos refletir: vendo o Papa na televisão todos os dias, fica a falsa e perigosa impressão de que a Igreja Católica consista no papa, mas não em Cristo, filho de Deus. O culto da personalidade, como acontece nos países autoritários, não é o nosso modelo.
O senhor criticou Francisco evocando a "confusão" doutrinária: por quê?
Por princípio, nunca criticaria publicamente um papa. Francisco não mudou e não pode mudar a doutrina revelada, mas a tarefa do Sumo Pontífice não é apenas evitar causar confusões, mas também as desmentir. Por exemplo, Eugenio Scalfari relatou que ele lhe teria dito que o inferno não existe, o papa poderia, ao contrário, explicar o sentido dessa difícil doutrina.
Na Igreja alemã tem propostas diretamente contra a fé católica: abençoar os casais homossexuais é uma blasfêmia. O padre James Martin diz que o papa fez muito pelas pessoas LGBTQIA+, o papa deveria dizer a ele: você não deve me usar.
O senhor descarta que duas pessoas do mesmo sexo que se amam com fidelidade sejam abençoadas por Deus?
Quando levamos a palavra de Deus a sério, isso não é possível.
Os bispos alemães dizem que o processo sinodal é a resposta para a crise dos abusos sexuais capaz de restituir credibilidade à Igreja.
Não podemos destruir a doutrina da moral sexual porque alguns erraram, temos que a explicar. Não podemos vencer a pedofilia com a homofilia, pois também os pecados contra os adultos são pecados.
Com os bispos alemães, o senhor não estaria indo contra o princípio da colegialidade?
Há bispos que votaram textos heréticos, na minha opinião deve ser feito um processo canônico. Existe a colegialidade, mas também a primazia, e canonicamente o papa tem a responsabilidade de pedir uma explicação, corrigir ou - em casos extremos - dispensar os bispos por questões doutrinárias.
Dizem que podem desenvolver a compreensão da doutrina, mas não podemos desenvolver a revelação.
Muitos papas são santos: não tiveram, por exigência de governo, que abrir mão de um pouco de santidade?
Não posso julgar os que já estão canonizados porque é um ato de infalibilidade, mas a fama de santidade vem do povo, não da autoridade eclesiástica. João XXIII desfrutava de uma grande popularidade, mas não havia veneração, foi necessário fazer a dispensa do milagre... Uma escolha demasiado política. Como papa, além disso, alguém pode cometer muitos erros, concessões, e depois fica difícil de ser defendido. A posição de Pio XII entre Mussolini e Hitler não era fácil. Eu aconselharia para o futuro proceder com mais cautela.
Agora fala-se de João Paulo II que supostamente teria encoberto as denúncias contra alguns padres pedófilos.
Essas são denúncias difamatórias, com a ideia política de prejudicar o catolicismo na Polônia, decapitando a sua figura mais importante.
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“Os bispos alemães têm teses heréticas sobre os gays. Francisco deve puni-los”. Entrevista com o cardeal Gerhard Ludwig Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU