07 Janeiro 2023
"As economias avançadas e os mercados emergentes estão cada vez mais envolvidos em 'guerras' inevitáveis. Por isso, o futuro será estagflacionário. E a única questão é saber quão ruim ele será", escreve Nouriel Roubini, professor de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova York, e economista-chefe da Atlas Capital Team. Roubini é autor, entre outros livros, de MegaThreats: Ten Dangerous Trends That Imperil Our Future, and How to Survive Them (Little, Brown and Company). O artigo é publicado por Project Syndicate e foi reproduzido por A Terra é Redonda, 04-01-2022. A tradução é de Eleutério F. S. Prado.
A inflação aumentou acentuadamente ao longo de 2022 nas economias avançadas e nos mercados emergentes. As tendências estruturais sugerem que o problema será secular – e não transitório. Especificamente, muitos países estão agora envolvidos em várias “guerras” – algumas reais, outras metafóricas – que levarão a déficits fiscais ainda maiores, mais monetização da dívida e inflação mais alta no futuro.
O mundo está passando por uma forma de “depressão geopolítica” coroada por uma crescente rivalidade entre o Ocidente e potências revisionistas alinhadas entre si (se não aliadas), como China, Rússia, Irã, Coréia do Norte e Paquistão. As guerras frias e quentes estão em ascensão. A brutal invasão da Ucrânia pela Rússia ainda pode se expandir e envolver a OTAN. Israel – e, portanto, os Estados Unidos – está em rota de colisão com o Irã, que está prestes a se tornar um Estado com armas nucleares. O Oriente Médio, de modo amplo, é um barril de pólvora. E os EUA e a China estão se enfrentando sobre quem dominará a Ásia e se Taiwan será reunificada à força ou não com a China continental.
Consequentemente, os EUA, a Europa e a OTAN estão se rearmando, assim como praticamente todos os países no Oriente Médio e na Ásia, incluindo o Japão, que embarcou agora num reforço militar, o maior em muitas décadas. Assim, níveis mais altos de gastos com armas convencionais e não convencionais (incluindo as dos tipos nuclear, cibernética, biológica e química) estão praticamente garantidos e esses gastos pesarão nas contas públicas.
A guerra global contra a mudança climática também custará caro – tanto para o setor público quanto para o privado. A mitigação e a adaptação às mudanças climáticas podem custar trilhões de dólares por ano nas próximas décadas; é tolice pensar que todos esses investimentos impulsionarão o crescimento. Depois de uma guerra real que destrói grande parte do capital físico de um país, uma onda de investimento pode, é claro, produzir uma expansão econômica; no entanto, o país vai estar mais pobre por ter perdido grande parte de sua infraestrutura. O mesmo se aplica aos investimentos climáticos. Uma parte significativa do capital social existente terá de ser substituída, seja porque se tornou obsoleta seja porque foi destruída por eventos climáticos.
Agora também estamos travando uma guerra cara contra as futuras pandemias. Por diversas razões – algumas delas relacionadas às mudanças climáticas – os surtos de doenças com potencial para se tornarem pandemias se tornarão mais frequentes. Mesmo se os países investirem em prevenção para lidar com futuras crises de saúde, após o evento acontecer, eles incorrerão em custos mais altos de forma permanente. Ora, isso aumentará o fardo crescente associado ao envelhecimento da sociedade o que onerará os sistemas de saúde privados e os planos de pensão. Já se estima que essa carga implícita de dívida não financiada esteja próxima do nível da dívida pública explícita para a maioria das economias avançadas.
Além disso, será necessário travar cada vez mais guerras contra os efeitos disruptivos da “globótica”, ou seja, a combinação de globalização e automação (incluindo inteligência artificial e robótica), pois essa tecnologia está ameaçando um número crescente de ocupações manuais ou intelectuais. Os governos estarão sob pressão para ajudar os que ficaram para trás, seja por meio de esquemas de renda básica, transferências fiscais maciças ou expansão dos serviços públicos.
Esses custos permanecerão altos mesmo que a automação leve a um aumento no crescimento econômico. Por exemplo, sustentar uma escassa renda básica universal de US$ 1.000 por mês custaria aos EUA cerca de 20% de seu PIB.
Finalmente, também será preciso travar uma guerra urgente contra o aumento da desigualdade de renda e de riqueza. Em caso contrário, o mal-estar que aflige os jovens e muitas famílias da classe média e mesmo da classe operária continuará a gerar reações contra a democracia liberal e o capitalismo de livre mercado. Para evitar que regimes populistas cheguem ao poder e sigam políticas econômicas imprudentes e insustentáveis, as democracias liberais precisarão gastar uma fortuna para reforçar suas redes de segurança social – como muitas já estão fazendo.
Lutar contra essas cinco “guerras” será caro; fatores econômicos e políticos limitarão a capacidade dos governos de financiá-las com impostos mais altos. As taxas de impostos em relação ao PIB já são altas na maioria das economias avançadas – especialmente na Europa – e a evasão, a elisão e a arbitragem fiscais complicarão ainda mais os esforços para aumentar os impostos sobre altas rendas e sobre os ganhos de capital (supondo que tais medidas possam vencer a reação dos lobistas e dos partidos de centro-direita).
Assim, essas guerras necessárias aumentarão os gastos e as transferências do governo como parcela do PIB – provavelmente sem um aumento proporcional nas receitas fiscais. Os défices orçamentais estruturais irão crescer ainda mais do que agora, o que produzirá certamente dívida insustentáveis. Ora, isso aumentará os custos dos empréstimos, mas poderá culminar em crises de dívida, com óbvios efeitos adversos no crescimento econômico.
Para os países que tomam empréstimos em suas próprias moedas, a opção mais conveniente será permitir que uma inflação mais alta reduza o valor real da dívida nominal de longo prazo quando ela é remunerada com taxa de juros fixa. Essa abordagem funciona como uma taxação adicional contra os poupadores e os credores e em favor dos tomadores de empréstimos e devedores. Como o “imposto inflacionário” é uma forma sutil e sorrateira de tributação que não requer aprovação legislativa ou executiva, ele se afigura como um caminho padrão de menor resistência quando os déficits e as dívidas se tornam cada vez mais insustentáveis.
Essa opção pode ser combinada com medidas complementares e draconianas, tais como repressão financeira, impostos pesados sobre o capital e aceitação da inadimplência total em certos casos (por exemplo, para países que tomam empréstimos em moedas estrangeiras ou que mantêm uma grande dívida de curto prazo ou uma dívida total indexada à inflação).
Concentrei-me principalmente nos fatores do lado da demanda e estes levarão a maiores gastos, maiores déficits, mais monetização da dívida e mais inflação. Mas também haverá certamente muitos choques negativos de oferta agregada no médio prazo e eles poderão aumentar as pressões estagflacionárias, as quais já se fazem presentes atualmente, elevando assim o risco de recessões e de crises de dívida em cascata. A “grande moderação” está morta e enterrada; a “grande crise da dívida estagflacionária” está aí vivíssima e prosperando.
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Depressão geopolítica. Artigo de Nouriel Roubini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU