11 Outubro 2021
A demanda eutanásica, do modo como hoje vem se manifestando, contém elementos positivos que não podem ser ignorados. Além de denunciar os limites de uma atividade médica que às vezes não conhece fronteiras, porque nasce de uma espécie de (muitas vezes inconsciente) presunção de onipotência, ela tem acima de tudo o grande mérito de afundar as suas raízes em uma concepção da vida complexa e plurivalente, na qual o que importa não é apenas o dado biológico, mas também a biografia da pessoa.
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado em Rocca, n. 18, 15-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A proposta de lei de iniciativa popular sobre a “Recusa dos tratamentos sanitários e a legalidade da eutanásia”, apresentado à Câmara dos Deputados [da Itália] na XVII Legislatura em 13 de setembro de 2013 e até agora não discutida ainda foi objeto, neste último ano, de uma demanda de referendo.
A campanha para a coleta das assinaturas necessárias para recorrer a tal instituição teve surpreendentemente um resultado positivo em muito pouco tempo. Nunca antes tinha ocorrido que se conseguissem as 500.000 assinaturas necessárias para tornar obrigatória a convocação do referendo, para o qual agora deverá ser definida em breve a data do chamado às urnas.
A rapidez com que ocorreu a coleta de assinaturas constitui um fato muito relevante.
Representa o sinal inequívoco de que a questão é particularmente importante; que a exigência de uma intervenção legislativa sobre a matéria não pode ser adiável. Além dos casos marcantes de Eluana Englaro, de Giovanni Nuvoli, de Luca Coscioni e de Piero Welby, que abalaram profundamente a opinião pública, multiplicaram-se nos últimos anos as situações em que a recusa de certos tratamentos de saúde e o recurso à eutanásia e ao suicídio assistido parecem ser a muitos o caninho mais humano a ser percorrido para salvaguardar a dignidade da pessoa humana.
As razões do crescimento da demanda de recusa de tratamentos de saúde e de recurso à eutanásia são várias e variadas. A primeira delas está ligada aos enormes progressos alcançados pela medicina nas últimas décadas; progressos que, se permitiram, por um lado, debelar doenças letais no passado, contribuíram, por outro, para prolongar, às vezes além da medida, a vida humana, desqualificando-a do ponto de vista pessoal.
O pedido de legalização da eutanásia, portanto, é muitas vezes motivado pela recusa da obstinação terapêutica, na qual é possível incorrer hoje mais do que no passado, devido aos instrumentos tecnológicos à disposição. São cada vez mais numerosos aqueles que tiveram que lidar com situações de familiares ou de amigos que viveram formas prolongados de agonia em condições humanamente devastadoras, que deixaram profundas dilacerações interiores naquelas pessoas que estavam os ajudando.
Tudo isso – esta é a segunda razão – diante de uma consciência cada vez maior, pelo menos em nível teórico – infelizmente, nem sempre é assim no campo dos comportamentos pessoais e sociais –, da importância que tem (e não pode deixar de ter) o respeito pela dignidade e pelos direitos da pessoa ao longo da sua existência.
Isso se traduz na aquisição de uma sensibilidade mais pronunciada em relação ao respeito pela dignidade do morrer, que constitui um direito fundamental de cada ser humano, do qual não se pode (e não se deve) abrir mão. A tendência a abusar dos meios disponíveis, a fim de preservar a vida física de uma pessoa em detrimento da sua qualidade humana – tentação às vezes recorrente, mesmo com a melhor das intenções, em agentes de saúde educados a considerar a vida acima de tudo na sua dimensão biológica –, deve ser, então, mantida constantemente sob controle e rigorosamente rejeitada onde emergir.
Portanto, não há dúvida, pelas razões indicadas, que a demanda eutanásica, do modo como hoje vem se manifestando, contém elementos positivos que não podem ser ignorados. De fato, além de denunciar os limites de uma atividade médica que às vezes não conhece fronteiras, porque nasce de uma espécie de (muitas vezes inconsciente) presunção de onipotência, ela tem acima de tudo o grande mérito de afundar as suas raízes em uma concepção da vida complexa e plurivalente, na qual o que importa não é apenas o dado biológico, mas também a biografia da pessoa; uma concepção que solicita, portanto, a proteção, tanto quanto possível, mesmo no processo de morrer, do pleno respeito de tal biografia.
No entanto, como qualquer posição humana, a referente à legalização da eutanásia também apresenta aspectos ambivalentes, ligados sobretudo às lógicas do contexto sociocultural atual.
A medição dos efeitos do reconhecimento da legitimidade da eutanásia, de fato, não pode evitar que se faça as contas com esse contexto, com as dinâmicas que o qualificam e com os significados que nele são atribuídos a valores fundamentais como a vida e a morte, a doença e o sofrimento.
Ora, é precisamente nesse último nível que emergem os problemas mais delicados, que se refletem nas decisões a serem tomadas sobre a questão em debate, pondo em causa as possíveis repercussões negativas de eventuais intervenções.
A fé cega na ciência e sobretudo na técnica – hoje, na verdade, um pouco redimensionada pela pandemia ainda em curso e pela gravidade da situação ecológica – obscureceu ou pelo menos redimensionou o limite humano, provocando uma remoção da morte, que a torna ainda mais traumática ou difícil de elaborar quando se está envolvido nela diretamente ou por meio de entes queridos com os quais se mantêm relações significativas.
Por sua vez, o predomínio da ideologia de mercado, que não por acaso se tornou um “pensamento único” com o predomínio das lógicas produtivistas e consumistas, além da adoção do critério utilitário como balizador de avaliação de cada escolha, por um lado, faz perceber como inúteis algumas vidas humanas economicamente improdutivas; por outro, anula a possibilidade de dar um sentido a eventos como a doença e o sofrimento, que fazem parte da vida e que, em certas circunstâncias e sob certas condições, também podem ser oportunidades de humanização.
São esses os riscos nos quais é possível incorrer e que levam muitos a olharem com desconfiança para a introdução da eutanásia na Itália e a falar de “ladeira escorregadia”, isto é, da tendência a uma progressiva ampliação das possibilidades de aplicação do dispositivo legislativo, com consequências gravemente prejudiciais ao respeito à vida de algumas categorias de pessoas.
As críticas formuladas contêm, sem dúvida, aspectos de verdade que requerem, onde a lei for introduzida, uma vigilância constante. A preocupação com uma aplicação incorreta não pode, no entanto, prejudicar a legitimidade da intervenção legislativa: o abuso não anula a possibilidade de introduzir um dispositivo que, por si só, é passível de um uso correto.
A questão, portanto, remete mais a montante: trata-se, acima de tudo, de se interrogar sobre o juízo moral relativo ao recurso à eutanásia e, posteriormente – a passagem não é imediatamente consequente –, sobre o juízo que deve ser formulado quanto à legitimidade da sua legalização.
Sobre o primeiro aspecto – relativo ao juízo moral em si mesmo – há uma oposição de fundo entre a posição oficial da Igreja e a do mundo secular. A Igreja defende desde sempre que, sendo a vida humana um dom de Deus, só a Ele deve ser reconhecido o poder de tirá-la; em outras palavras, que o direito de existir é um direito absoluto, fundamento de todos os outros direitos, que o ser humano não pode, por motivo nenhum, violar.
O mundo secular defende (não sem uma motivação plausível) que vida e morte são realidades das quais a pessoa humana é plenamente soberana, e ela deve geri-las com senso de responsabilidade; e que, diante de algumas situações nas quais a vida não é mais digna ou nas quais a pessoa se encontra diante de uma condição de sofrimento insuportável, o princípio da autodeterminação deve se estender também à possibilidade de a pessoa se entregar à morte ou de pedir para ser entregue a ela.
A tensão conflitante, em outras palavras – afirma-se –, é entre quem assume o princípio da “sacralidade” da vida e quem, em vez disso, apela ao princípio da “qualidade de vida”. Essa distinção, embora não totalmente infundada, não tem, entretanto, um caráter apodítico.
De fato, se é verdade, por um lado, que a referência à qualidade de vida está (pelo menos implicitamente) presente também no âmbito da posição católica – a rejeição radical, nos documentos oficiais da Igreja, à obstinação terapêutica só pode ser motivada pela adesão a esse princípio –, não é menos verdade, por outro, que a atenção ao caráter “sagrado” em sentido lato da vida humana não está totalmente ausente da posição secular, que, onde sustenta a possibilidade da eutanásia e do suicídio assistido, faz isso com cautela e em condições específicas.
Sobre o segundo aspecto – o da intervenção legislativa – a ética pública à qual é preciso fazer referência não pode ser a católica, mas sim a civil, que se baseia em motivações de caráter racional, que não envolvem a exclusão, em termos absolutos e incontroversos, da possibilidade de aplicação do princípio da autodeterminação da pessoa também em relação à morte.
Por outro lado – é bom recordar – o ordenamento jurídico, embora afundando as suas raízes em valores morais, goza de uma autonomia própria, tendo por objetivo o de enfrentar, de forma pragmática e eficaz, questões socialmente relevantes com o objetivo de perseguir aquilo que concorre para o desenvolvimento de uma convivência civil ordenada.
Pelas razões aqui adotadas, é absolutamente urgente também na Itália uma intervenção legislativa que aborde com clareza as temáticas do fim da vida, não excluindo a questão eutanásica. O referendo convocado pelo Partido Radical com o consentimento de inúmeros expoentes de outros partidos, especialmente da área da centro-esquerda, é a oportunidade para verificar a disponibilidade do povo italiano.
É importante que a campanha do referendo não se transforme em uma espécie de guerra religiosa com um agravamento do clima em ambos os lados, mas se torne, antes, um momento de reflexão no qual, embora não renunciando, cada um, a fazer valer as próprias ideias, mantenham-se abertos o debate e o diálogo.
Luigi Manconi recentemente evidenciou isso em um artigo publicado no jornal La Stampa, intitulado “A Igreja diante da eutanásia. Não é hora de rixas, é preciso refletir e saber ouvir”, no qual ele não deixa de detectar com acuidade e rigor os pontos críticos presentes em ambas as frentes.
“A preocupação da Igreja – escreve ele – parece se referir, antes, ao contexto cultural e ao clima moral das sociedades secularizadas; e, dentro delas, à concepção antropológica predominante do ser humano e do seu destino [...]. Isso parece sinalizar uma atenção crescente às motivações profundas do agir do indivíduo, aos seus sentimentos e às suas expectativas. Desse ponto de vista, o desafio dirigido aos não crentes não deve ser evitado. A Igreja considera que a autodeterminação – em última instância, a ‘soberania sobre si mesmo e sobre o próprio corpo’, nas palavras de John Stuart Mill – é o resultado final de uma concepção niilista, que rejeita o vínculo social e a responsabilidade em relação aos ‘mundos vitais’ representados pelas relações familiares e comunitárias.”
E acrescenta, expondo de modo pacato a sua opinião: “Mas não é necessariamente assim: o princípio da autodeterminação, que contempla também a escolha extrema de pôr fim à própria existência, também pode se afirmar dentro de um intenso sistema de relações parentais, de amizade e sociais. Isto é, quando essas relações devem ceder diante de uma subjetividade prostrada por uma dor que não pode mais ser tolerada, que não pode mais ser sedada” (20-08-2021, p. 31).
Compartilhando essas reflexões, esperamos que o referendo, que se centra em uma proposta de lei bastante lacunar, que consiste em uma simples provocação e que, por isso, deve ser submetida no Parlamento a uma atenta revisão para se focar em dispositivos pontuais que garantam o cumprimento de condições específicas, tanto no nível do recurso quanto no da sua avaliação e das modalidades de execução – veja-se a esse respeito as detalhadas normativas presentes nas leis holandesa e belga –, torne-se uma oportunidade fecunda para um debate sereno sobre o sentido da vida e da morte, favorecendo, desse modo, o crescimento da consciência civil.
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Os dilemas de uma lei sobre a eutanásia. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU