29 Outubro 2020
"É paradoxal que, na era do triunfo do materialismo e do naturalismo, a morte esteja perdendo cada vez mais concretude. Nem mesmo a emergência da epidemia – com a dramática imagem da sequência de caixões transportados em caminhões militares – modificou essa tendência", escreve Piergiorgio Cattani, em artigo publicado por Trentino, 28-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando se morre, não se acaba mais “debaixo da terra”, meta inevitável para os falecidos, pelo menos desde o começo da civilização humana. Vai-se “ao céu”, metáfora certamente de proveniência cristã, mas indistinguível do imaginário mitológico e fabuloso que já povoa a nossa mente.
O “céu” evoca uma realidade totalmente semelhante à atual, na qual, porém, não existe sofrimento, todo desejo é satisfeito, e o tempo transcorre em uma doce eternidade. Uma continuação da vida, portanto, dos hábitos mais usuais. Nada de heroico, nada de santo, embora seja garantida a transformação em “anjos”.
Se a paixão principal era ir ao estádio, eis que, depois da morte, só haverá jogos de futebol; se a expectativa principal da vida eram as férias, eis que o paraíso será simplesmente a possibilidade de ficar se bronzeando na praia.
Seja como for, depois da morte, estaremos melhor do que agora. Dogma compartilhado por seculares e católicos, entre espiritualistas e defensores da ciência. Nada de paradoxo.
Cada vez menos se acredita nas doutrinas tradicionais das religiões, mas, ao mesmo tempo, poucas vezes se ouve alguém falar da morte como ruptura completa e irreversível de qualquer vestígio de individualidade. Talvez essas supostas certezas pelas quais o morto certamente goza de sempiterna felicidade sejam apenas auspícios habituais, desejos retóricos ou até gestos supersticiosos, repetidos como um automatismo.
Quanto menos o corpo permanece entre os vivos, melhor. A cremação é muito comum, mas não por ser escolhida “por desprezo à fé”, como dizia a antiga proibição católica, ou para “deixar a terra para os vivos”, como repetia um slogan publicitário. Na realidade, se o falecido ou a sua alma se transforma em algo de vagamente imaterial, o seu corpo não importa para nada, um amontoado inerte de matéria sem qualquer possibilidade de retorno.
Nisso, ressurge a mentalidade materialista que, em nível inconsciente, descreve o fim biológico do corpo como a conclusão trágica e definitiva da existência. Disso deriva a absoluta irrelevância e decadência do chamado “culto aos mortos”, tanto familiar quanto civil. Os entes queridos são genericamente lembrados sem ritos domésticos codificados. Não vamos mais ao cemitério, senão para alguma cerimônia bélica já esvanecida.
Então, ocorre uma espécie de remoção. A festa de Halloween, por exemplo, evoca o legado de ritos exorcistas ou apotropaicos voltados a manter longe os mortos: talvez por isso a popularidade da celebração tenha realmente explodido.
Porém, nessa extinção de uma relação mais ou menos presente entre o mundo dos vivos e o dos mortos, apaga-se também a relação entre as gerações. A transmissão da cultura é difícil, incerta. O tempo da memória se desvanece, enquanto não há mais lugares públicos ou privados para lembrar os mortos.
Resta apenas algo de evanescente, de emotivo. Portanto, de efêmero. A ideia de que o próprio ente querido está finalmente feliz, o paraíso barato, a visão de um além açucarado e quase previsível assemelha-se mais a entusiasmos pueris – ou a um desespero latente – do que a um sério confronto com o limite da condição humana.
É a morte reduzida a “gostosuras ou travessuras”, embora provavelmente, neste ano, ninguém será visto andando por aí por causa do vírus.
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Halloween e a remoção da morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU