11 Novembro 2014
Gregor Puppinck, doutor em direito e diretor do Centro Europeu para a Lei e Justiça (ECLJ, na sigla em inglês), explica como o trans-humanismo influencia os direitos humanos. O tema ganha destaque por ocasião das Semaines Sociales, sobre o tema "O homem e as tecnociências, o desafio", que irão ocorrer entre os dias 21 e 23 de novembro. Segundo os organizadores, "a aceleração dos progressos científicos e técnicos modifica profundamente a nossa maneira de trabalhar, de viver, de consumir, de nos relacionarmos. Como nos situar diante dessas evoluções? Quais são as consequências para a nossa sociedade, o laço social, o ser humano? Como pôr as tecnociências a serviço do ser humano". Essas serão algumas das questões em debate.
A reportagem é de Flore Thomasset, publicada no jornal La Croix, 31-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em que sentido o trans-humanismo entra no campo jurídico?
Os direitos humanos, garantidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, definem o homem. Em 1950, quando a Convenção foi assinada, esses direitos foram definidos a fim de proteger as capacidades inerentes ao ser humano, à sua natureza, àquilo que distingue o homem dos animais e manifesta a sua dignidade. À época, o homem não era tecnológico, e se admitia ainda a existência de uma natureza humana e de uma dignidade humana como fundamento dos direitos.
Mas hoje as biotecnologias podem não apenas aumentar as nossas capacidades naturais, mas também nos dotar de novas capacidades. Um homem renovado emerge da evolução das técnicas, e os direitos humanos acompanham essa evolução. Os avanços na biotecnologia, ao modificar a humanidade, também aumentam os seus direitos.
Em troca, o direito, como ferramenta de representação e de organização sociais, é capaz de integrar o artifício científico na concepção antropológica contemporânea. O homem define os direitos humanos, que, como consequência, redefinem um "homem aumentado", pela evolução dos costumes e das técnicas, e assim por diante. Esse raciocínio circular e ascendente pode se desenvolver em coerência graças a noções equivocadas, como "dignidade humana" e "liberdade", que são a base do discurso sobre os direitos humanos.
Como as biotecnologias fazem evoluir os direitos humanos?
Os direitos humanos exprimem as concepções sucessivas que a sociedade se faz sobre o homem: havia os direitos humanistas, depois personalistas. Hoje em dia, os direitos pós-humanistas se impõem e abrem caminho para os direitos trans-humanistas. O pós-humanismo é a dominação das vontades individuais sobre a natureza humana.
Como efeito, ele substitui os direitos humanos pelos "direitos dos indivíduos". Embora o texto dos Direitos Humanos adotados em 1950 não mudou, a sua interpretação individualista alterou, e até revolucionou, o seu conteúdo. Assim, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos proclama o direito à vida, mas a vontade individual de morrer ou de abortar uma gravidez é prevalece sobre esse direito. Suicídio assistido, eutanásia ou aborto são direitos pós-humanistas.
O trans-humanismo é a superação e a substituição da natureza humana pelas biotecnologias. O acesso a essas tecnologias se torna um direito individual, porque elas permitem que se alcance uma vantagem. Ao se tornar um direito humano, a tecnologia – o artifício – é humanizada, socialmente integrada em nossa concepção evolutiva do homem. Assim, ao afirmar a existência de um "direito de pôr um filho no mundo que não seja afetado pela doença", o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos integrou as técnicas de seleção genética na definição do homem: o eugenismo se torna, assim, um componente da natureza humana aumentada. É um direito trans-humanista.
Essa passagem da natureza humana (humanismo) à vontade individual (pós-humanismo) e, no fim, à tecnologia (trans-humanismo) é percebida como uma extensão da nossa liberdade, da nossa autonomia, através do aumento da faculdade de definir a nós mesmos de modo ilimitado. Assim, longe de contestar os direitos humanos, os direitos pós e trans-humanistas estão renovando e melhorando o cumprimento da promessa de felicidade oferecido à humanidade durante o século XVIII.
O Tribunal não faz um julgamento moral dessas técnicas?
De um modo novo, o Tribunal considera que um argumento moral não tem valor em si mesmo (porque ele necessariamente se refere a uma certa ideia de homem), mas apenas de uma forma sociológica, de acordo com a aceitação social de que ele goza. Toda "ideia de homem" seria relativa. Ao contrário, em 2010, ele julgou que "as considerações de ordem moral (…) não podem, por si sós, justificar a proibição total de tal ou qual método de procriação assistida, como a doação de óvulos". Uma limitação legal à vontade individual não é mais aceita se for baseada em uma concepção de homem ou de bem: o Tribunal exige agora argumentos científicos. Por exemplo, em um caso recente de adoção por um casal de mulheres, ele rejeitou o argumento moral do governo que queria a proibição, pedindo provas científicas de que nunca é bom para uma criança ser criada por um casal do mesmo sexo.
A que você atribui essa evolução?
O Tribunal é afetado pelo ceticismo e pelo relativismo do ambiente, ele perdeu a confiança na capacidade dos legisladores de fazerem um julgamento moral sobre o "certo" e o "bom". Segundo ele, a ciência é o que resta como "verdade" sobre a qual pode fundamentar os seus julgamentos. De fato, o cientificismo é o último refúgio dos céticos diante do niilismo. Esse ceticismo moral destrói os direitos humanos, na medida em que resultam de escolhas morais não científicas e, portanto, contribui para reduzir esses direitos ao único princípio da liberdade, que implica também o da igualdade.
E essa liberdade é a vontade individual indefinida. É a passagem dos direitos humanos aos "direitos dos indivíduos". Concretamente, o Tribunal concebe a sua jurisprudência como intrinsecamente evolutiva. Para ele, a Convenção é um "instrumento vivo que deve ser interpretado à luz das condições atuais", ou seja, da evolução das técnicas e das mentalidades. O Tribunal se define como "a consciência da Europa", que pretende renovar, unificar e fazer progredir a sociedade europeia.
Isso é basicamente o que aconteceu com a condenação da França por se recusar a transcrever o estado civil de crianças que nasceram no exterior por meio de gestações alheias ["barriga de aluguel"]...
De fato, é impressionante notar que o Tribunal considera que a prática da gestação alheia não é, em si, contrária aos direitos humanos. Ele considera que o Estado deve justificar as restrições que coloca a essa prática, e, portanto, a gravidez alheia é uma liberdade. É triste ver que o Tribunal nem sequer evoca a mãe de aluguel e a mãe genética, a sua liberdade e a sua dignidade. O Tribunal nega que há atos intrinsecamente maus: tudo é questão de circunstâncias, exceto quando se trata da vontade e da liberdade individuais.
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Dos direitos humanos aos direitos pós e trans-humanistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU