24 Agosto 2021
O último exemplo da deterioração dos direitos humanos na Índia foi a morte do padre jesuíta Stan Swamy, sob tutela judicial. Os ativistas e familiares a classificaram como “homicídio institucional”.
O artigo é de Valeria Méndez de Vigo, coordenadora de comunicação do Secretariado Justiça Social e Ecologia da Companhia de Jesus, publicado por El País e CPAL Social, 23-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Depois de comemorar o 74º aniversário de sua independência no último 15 de agosto, a Índia enfrenta uma encruzilhada: os valores constitucionais de secularidade, igualdade e justiça social serão priorizados, ou, pelo contrário, continuará a deriva à autocracia e a erosão dos direitos fundamentais?
Hoje são diversas as vozes que denunciam a erosão da democracia e dos direitos humanos no país, assim como o caminho autoritário do governo de Narendra Modi. Os protestos pacíficos contra a Lei de Emenda da Cidadania, classificada como discriminatória para a minoria muçulmana ou, as mais recentes dos agricultores pelas três leis que os deixavam à mercê do capital, resultaram em milhares de prisões arbitrárias, em muitos casos, sem julgamento. Pelo contrário, tal e como denunciam vários ativistas, as autoridades não investigam culpados de violência contra as minorias muçulmanas ou contra os dalits (classe social considerada inferior) ou adivasis (indígenas), fomentando um discurso ultranacionalista (“Índia para os hindus”) e, em muitos casos, de incitação ao ódio.
Por meio de várias leis, o governo Modi reprime qualquer tipo de dissidência contra suas políticas – por exemplo, com a Lei de Prevenção de Atividades Ilegais (UAPA, pelas siglas em inglês). Alterada sob seu mandato e inicialmente destinada a combater o terrorismo, hoje permite que qualquer pessoa que discorde publicamente das políticas do governo seja presa por crimes de sedição, sem julgamento por anos e sem fiança. Milhares de pessoas morrem em prisões indianas sob o uso arbitrário dessa lei.
Isso parece evidente se olharmos para o número de detidos entre 2015 e 2019 (5.922 casos) e os realmente condenados (cerca de 2%). Diversas vozes e relatórios internacionais ecoam a perseguição do estado a ativistas, defensores e manifestantes pacíficos. O relatório da organização CIVICUS aponta para a queda da Índia em direção ao autoritarismo por meio da identificação da dissidência com o anti-nacionalismo e campanhas de difamação contra os defensores dos direitos humanos. Também um relatório sobre a Liberdade no Mundo este ano observa que o governo indiano e seu Partido Bharatiya Jarana (Partido Popular Indiano) intensificaram a violência contra a população muçulmana e o assédio a jornalistas, organizações não governamentais e outros críticos.
Em 05 de julho de 2021, o padre jesuíta Stan Swamy faleceu no Hospital da Sagrada Família em Mumbai, sob custódia judicial. Ele estava na prisão de Taloja naquela cidade por nove meses, falsamente acusado de manter ligações com extremistas maoístas (um partido proibido na Índia) e de conspirar para derrubar o governo. Ele foi um dos 16 presos pelo incidente Bhima Koregaon, no qual uma pessoa morreu após um surto de violência em uma reunião comemorativa dos 200 anos da Batalha de Koregaon em 2018. Milhares de dalits participaram do evento e as autoridades alegaram que a violência foi motivada por ativistas, incluindo Swamy.
O restante dos detidos, ainda encarcerados, com exceção de um, são pessoas conhecidas na sociedade civil indiana por defenderem os direitos de comunidades marginalizadas. As acusações foram negadas pelos réus. Stan Swamy as negava firmemente em um vídeo gravado dois dias antes de sua prisão. Como ele destacara, seu “crime” foi lutar há mais de quatro décadas pelos direitos à terra e aos recursos das comunidades indígenas, ou dos adivasi, no estado de Jharkhand. As denúncias baseiam-se em informações extraídas dos computadores confiscados dos detidos.
Mas o que é extremamente sério é que, de acordo com uma investigação da empresa Arsenal Consulting, com sede nos Estados Unidos, as principais evidências usadas para incriminar vários dos ativistas e defensores dos direitos humanos, incluindo o padre Stan Swamy, foram colocadas deliberadamente no notebook do ativista Rona Wilson por um malware. O Washington Post pediu a três especialistas que verificassem a validade do relatório do Arsenal, confirmando sua credibilidade.
Apesar do fato de que, como Stan Swamy apontou, seu caso não foi único, mas fez parte de um processo maior de assédio contra ativistas, defensores e estudantes, a crueldade contra o jesuíta foi gritante. Apesar de sua idade avançada (ele cumpriu 84 anos de prisão), suas doenças (Parkinson severo, aparelhos auditivos em ambos os ouvidos, uma operação de hérnia e, finalmente, covid-19), a gravidade da pandemia na Índia, desde a mobilização em seu nome promovida pela Companhia de Jesus e outros grupos e a partir dos inúmeros pedidos de indivíduos e organizações, na Índia e internacionalmente, sua libertação sob fiança foi repetidamente negada, sem levar em conta a crescente deterioração de sua saúde em decorrência de sua permanência em prisão. Parentes e amigos dos réus de Bhima Koregoan descreveram a morte de Swamy como “homicídio institucional”.
As mobilizações exigindo reparação a Stan Swamy, a revogação da Lei UAPA e a libertação dos detidos continuam na Índia. Que o legado de Stan Swamy dê frutos em um movimento por mais justiça, direitos humanos e democracia na Índia.
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Índia na encruzilhada: democracia ou autoritarismo? Direitos humanos e a morte do jesuíta Stan Swamy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU