04 Setembro 2020
Os africanos aspiram a um mundo mais justo. Para isso, eles precisam se livrar dos modelos importados e construir um “em comum”, pensa o cientista político Franck Hermann Ekra. Para o fundador do think tank Lab’nesdem (Laboratório de Inovação e Ação Pública, Nova Esperança Social e Democrática), também crítico de arte, a juventude é um trunfo para essa mudança. Entrevista extraída do L'Atlas des Afriques, uma edição especial de La Vie et do Le Monde.
A entrevista é de Chantal Cabé, publicada por La Vie, 31-08-2020. A tradução é de André Langer.
A África mora na nossa imaginação, mas sua história permanece desconhecida. Este fascinante relato vai desde os primórdios da humanidade até o século XXI e passa pelos faraós negros, pelos riquíssimos reinos medievais, pelos trágicos tempos da escravidão e da colonização, pelo entusiasmo das independências... até concentrar-se nas principais questões de uma África emergente que encontra pouco a pouco seu lugar no mundo. Apoiado por uma cartografia original, este atlas finalmente lança luz, ultrapassando os clichês, sobre este continente que se tornou imprescindível.
Entre os pessimistas, que veem apenas a África pobre e maltratada, e os otimistas, que enaltecem um continente emergente, onde colocar o cursor em 2020?
A África, em 2020, é de maneira trivial contemporânea de um mundo miserável, multifragmentado, sem fôlego e em crise. Ela compartilha os temores do amanhã, as preocupações geopolíticas ligadas aos extremismos violentos que aterrorizam o planeta, as angústias apocalípticas econômicas e ecológicas, mas também as alegres esperanças de um reencantamento popular, as aspirações por uma ordem mundial mais justa, por uma nova fenomenologia do vínculo civil. Veja o exemplo do filme estadunidense Pantera Negra (2018), que se tornou uma religião para uma geração de africanos e afrodescendentes. Revela uma mudança considerável na visão de si mesmos dos afro-futuristas que, no continente, são principalmente cidadãos de megalópoles. A África, em 2020, é vernacular; seus imaginários se tecem e se cruzam, ela é um hino poético ao existencialismo do Sul.
Enquanto a África parece estar mais uma vez se tornando uma vasta terra de cobiça, como os africanos podem garantir o controle sobre os seus recursos?
O berço da humanidade é dotado de um deslumbrante patrimônio natural do qual não consegue usufruir, o que obriga suas populações a uma espécie de suplício de Tântalo; eles são mantidos na pobreza em um leito de opulência. Apesar da criação de bolsas de valores regionais que regulam principalmente o comércio agroalimentar, o preço das matérias-primas é fixado nos centros financeiros ocidentais. Isso determina a renda africana e condiciona o calendário de uma revolução industrial há muito esperada. A maior parte dos recursos naturais (coltan, manganês, cobalto, bauxita, urânio, etc.) extraída nos países africanos torna-se riqueza nas mãos de potências fora do continente. A África nunca saiu verdadeiramente de uma dominação consubstancial à globalização. O seu desafio é reorientar e relocalizar as suas prioridades para a construção de um “em comum”: promovendo o desenvolvimento do livre comércio num grande mercado interno e investindo maciçamente no mínimo social comum. Isso passa in fine por uma mudança cultural para romper com a mania de querer reproduzir modelos importados.
É provável que a emergência da África seja um fogo de palha? Que fatores permitiriam que essa decolagem durasse?
Em vez de decolagem, seria melhor falar de estiva. A economia do continente é movida pelos interesses estratégicos das médias e grandes potências. Muitas vezes ainda se resume à coprodução de um roteiro escrito em grande parte em outro lugar. A problemática da dívida, por exemplo, é uma séria ameaça ao progresso social. Basta olhar para os baixos índices de desenvolvimento humano dos chamados países “de cocagne” do crescimento africano para se convencer disso.
A Europa está sofrendo para construir sua unidade política. Os países africanos saberão construir melhor unidades regionais ou mesmo continentais?
As dificuldades da construção europeia podem ser explicadas pelo fato de ter procedido com uma frente invertida ou, mais prosaicamente, de ter posto a carroça na frente dos bois, por motivos ligados às suas guerras fratricidas. A unidade na Europa se concretizou no mercado e em círculos concêntricos, desde a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço até a evolução geométrica da União Europeia. Ela foi construída gradualmente para evitar tentações belicistas com bilhetes de entrada ou de saída, dependendo do chauvinismo do dia e dos interesses do momento.
Os africanos, neste aspecto, ganharam tempo, o que é motivo de real satisfação. A Organização da Unidade Africana, criada em 1963 e transformada na União Africana em 2002, é um instrumento político solidário, como sonharam os seus fundadores no alvorecer da independência. Devemos agora dar substância a uma melhor gestão da comunicação, das relações de mercado, dos fluxos migratórios interafricanos, consolidar a nossa União e a sua autonomia.
A juventude africana é uma garantia de esperança para o futuro do continente?
A juventude representa uma chance de dar ao continente um futuro através da inovação social. Nós mudamos a África de muitas maneiras e, felizmente, para experimentar outras formas de modernidade, sem ceder um milímetro à ideologia da tabula rasa. Um provérbio akan nos convida a prestar atenção no bestiário: “O carneiro diz que a força está no recuo”. É preciso tomar um certo impulso histórico para enfrentar os desafios da competição global. A digitalização e a popularização tecnológica que a acompanha estão modificando a nossa relação com os saberes e, portanto, com os poderes. Elas podem enfraquecer o clientelismo que muitas vezes prevalece e desferir o golpe de misericórdia nas formas de feudalismo que persistem nas sociedades africanas.
Que lugar ocupam os artistas nas sociedades civis africanas?
Em 1947, imediatamente após a guerra, o movimento de consciência cultural Présence Africaine desenvolveu-se em torno da figura emblemática de Alioune Diop, reunindo criadores para além dos homens de letras. Foram os artistas que primeiro despertaram as consciências pluralistas e trabalharam para abrir as sociedades africanas. Miriam Makeba e Johnny Clegg lideraram a luta anti-apartheid. Manu Dibango e Angélique Kidjo deram ao afro-beat seu toque humanitário. Alpha Blondy e Tiken Jah Fakoly, por sua vez, levantaram uma onda de protestos. Hoje, na África Ocidental, os movimentos de direitos civis Yen a marre (Senegal) e Le Balai Citoyen (Burkina Faso) se desenvolveram ao preencher as lacunas do Estado pós-colonial. Por fim, os movimentos cidadãos Lucha e Filimbi (República Democrática do Congo) completam este quadro onde os artistas – e os desportistas – mergulham na política.
Com a crise da Covid-19, um dos desafios da África não é se fazer ouvir por este Ocidente que não está mais em condições de dar lições?
O evento “supersignificante” representado pela pandemia é um momento crucial, um ponto de inflexão na percepção da ideia de poder no século XXI. Paradoxalmente, talvez este seja o início do “nosso século”, como disse o historiador e cientista político René Rémond; o início deste “momento africano”, mais do que os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York. Esse paralelo se justifica porque o acontecimento já havia destacado a vulnerabilidade da América, arquétipo do Ocidente. Voltando mais longe no tempo, a Lei Houphouët-Boigny sobre a abolição do trabalho forçado nas colônias francesas, aprovada no Palácio Bourbon em 1946, teria sido inadmissível sem a experiência do Serviço de Trabalho Obrigatório (STO), imposto aos franceses pelo inimigo alemão.
Como imagina, ou sonha, a África de 2050?
Com Bernard Dadié, o grande poeta marfinense e autor de Afrique Debout, formo o sonho vigoroso de uma África que finalmente leve a imaginação ao poder. Uma África generosa e tolerante, em diálogo consigo mesma e com os outros. Uma África que terá sido capaz de conter o perigo da violência terrorista, controlar os impulsos destrutivos da avidez da acumulação e dar aos seus filhos bons motivos para ficarem em casa. Imagino uma África que promova seu gênio cultural e intelectual, valorize o tesouro de suas sabedorias iniciáticas. Uma África laboriosa e tecnófila. Uma África pacífica, universalista e cosmopolita que encontraria novamente as asas do passado e voaria livremente em auxílio da sua humanidade.
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“Sonho com uma África que voe em auxílio da sua humanidade”. Entrevista com Franck Hermann Ekra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU