08 Agosto 2020
Durante muito tempo, a África foi considerada um continente sem história, lembra o filósofo senegalês Souleymane Bachir Diagne, professor de francês no Instituto de Estudos Africanos da Universidade de Columbia. No entanto, o curso do mundo não pode ser pensado sem o papel que a África desempenhou e ainda desempenha. A entrevista foi extraída do L'Atlas des Afriques, uma edição especial conjunta de La Vie e do Le Monde.
A entrevista é de Chantal Cabé, publicada por La Vie, 03-08-2020. A tradução é de André Langer.
A África vive na nossa imaginação, mas sua história permanece desconhecida. Este fascinante relato vai desde os primórdios da humanidade até o século XXI e passa pelos faraós negros, pelos riquíssimos reinos medievais, pelos trágicos tempos da escravidão e da colonização, pelo entusiasmo das independências... até concentrar-se nas principais questões de uma África emergente que encontra pouco a pouco seu lugar no mundo. Apoiado por uma cartografia original, este atlas finalmente lança luz, ultrapassando os clichês, sobre este continente que se tornou imprescindível.
Souleymane Bachir Diagne (Foto: Vincent Muller | Opale via Leemage)
Nascido em 1955 em Saint-Louis, no Senegal, Souleymane Bachir Diagne fez sua formação na Escola Normal Superior de Paris, principalmente com Louis Althusser e Jacques Derrida. Ele agora dirige o Instituto de Estudos Africanos da Universidade de Columbia, em Nova York, onde é professor no departamento de francês e de filosofia. Souleymane Bachir Diagne publicou diversos trabalhos nos campos da história da lógica, da filosofia islâmica e africana. Ele também é o autor de vários livros, incluindo La Controverse. Dialogue sur l’Islam (Stock/Philosophie Magazine Éditeur, 2019), em coautoria com Rémi Brague. Em 2011, ganhou o Prêmio Édouard Glissant pelo conjunto da sua obra.
À luz da história antiga, você diria que existe uma ou várias Áfricas?
Essa duração de vários milênios significa uma extrema diversidade de temporalidades e espaços e leva a pensar que existem de fato várias Áfricas. Mas não devemos perder de vista a dimensão continental dessa longa cronologia. A história da África foi muitas vezes fragmentada e escrita baseada em muitos preconceitos, principalmente europeus. A civilização egípcia, por exemplo, foi considerada brilhante demais para pertencer ao continente africano. Foi, portanto, separada dela. Essa vivissecção da história africana também cortou o continente em dois: a África Subsaariana e a África do Norte ou, em termos raciais, a “África negra” e a “África branca”.
A tradição predominantemente oral das sociedades africanas contribui para um menor conhecimento de sua história antiga?
Cada tipo de fonte em história apresenta seus próprios problemas e desafios. Para o continente africano, a tradição oral é fundamental. É a memória humana, a dos relatos e testemunhos. Reconstruir os princípios nos quais o Império do Mali se baseava na África Ocidental requer, por exemplo, que se confronte vários relatos de griots. Nesta perspectiva do “cálculo de testemunhos”, avaliamos, pesamos e cruzamos as afirmações coletadas; depois, como medida de sua credibilidade, as cruzamos com as fontes arqueológicas e a antropologia linguística. Como cada idioma é um arquivo, cada idioma é portador de uma história. Graças a essas diferentes fontes, os historiadores africanos e os africanistas têm acesso a uma visão cada vez mais precisa da história do continente.
A natureza perecível de certas arquiteturas contribuiu para a “dissolução” de vestígios?
Por definição, os materiais perecíveis constituem vestígios mais difíceis de encontrar do que construções de pedra, como as ruínas do Grande Zimbábue, por exemplo. A maioria das sociedades africanas usava materiais como o adobe (terra bruta, argila) que correspondia à sua cosmologia e filosofia de vida. Como se não se tratasse de construir um edifício que desafiava o tempo, mas de construir, com seres vivos, uma obra para a qual é necessário voltar sempre. Com a islamização da África Ocidental, a partir do século XI, as mesquitas feitas de materiais perecíveis se multiplicaram. A Grande Mesquita de Djenné, no Mali, sofreu alterações e foi reconstruída várias vezes. As vigas visíveis em suas fachadas mantêm no próprio edifício os meios para escalá-lo e realizar os rebocos periódicos.
O período dos grandes impérios africanos foi estudado tardiamente. Como você explica esse atraso?
A história escrita da África é uma disciplina jovem por razões óbvias de temporalidade. Aquela história contada pelos griots, nas crônicas do mundo árabe ou ainda nos séculos XV e XVI, é obviamente antiga, mas os primeiros livros sobre a história dessas regiões são marcados pela colonização. Eles eram a própria justificativa: a Europa estava trazendo para a África “a” e “sua” civilização. No entanto, para trazer uma civilização para uma região, é melhor declarar que ela não possui uma. Durante muito tempo, a África foi considerada um continente sem história. O estudo foi deixado exclusivamente para etnologistas especializados em povos primitivos. É por isso que a escrita moderna da história da África (conhecimentos, escavações arqueológicas, etc.) demorou.
Ignora-se com frequência que na Idade Média a África era um dos motores do comércio intercontinental, especialmente para o ouro...
Sim, o continente desempenhou um papel fundamental no comércio durante um longo tempo. No que diz respeito ao ouro, por exemplo, um dos eventos mais significativos da história africana é a peregrinação a Meca (Arábia Saudita) de Mansa Musa, soberano do Império do Mali (cuja riqueza é baseada em ouro), em 1324. Ele levou consigo e deixou no Cairo uma quantidade de ouro tão grande que o preço do metal desabou no Egito!
Alguns acreditam que a história da África deveria ser pensada, estudada e contada “à parte”. Por quê?
Esta é uma tradução daquilo que chamo de preeminência de um olhar europeu sobre o continente. A África foi assim construída do exterior como um mundo à parte, um mundo desconhecido. Por que, por exemplo, estudar a história do Mali à parte, quando estava totalmente conectada ao sistema-mundo que era o Islã? A cidade de Tombuctu, a capital intelectual do Império do Mali e depois do Império Songai, comercializava com a África do Norte até a Andaluzia e a leste da China. Sob o olhar dos europeus, ela se tornou lendária. Ensinaremos inclusive aos jovens estudantes europeus que Tombuctu foi descoberta no século XIX por René Caillié. É simplesmente um absurdo.
O mapa religioso da África também testemunha sua história. Qual é a influência das religiões na África pré-colonial?
Todas as religiões africanas são acima de tudo cosmologias. Por fazerem parte do local e seu denominador comum ser o lugar e o papel fundamental dos ancestrais fundadores, eles estavam impedidos de criar guerras religiosas. Não faz nenhum sentido converter alguém aos seus próprios ancestrais, como apontou o escritor nigeriano Wole Soyinka. Essas religiões locais nutrem as artes africanas, que contribuíram para o desenvolvimento das artes em todo o mundo. Quanto às religiões abraâmicas, elas também deram seu rosto ao continente. O cristianismo não veio na bagagem do colonialismo, uma vez que a Etiópia é um dos mais antigos reinos cristãos. Em relação ao Islã, ele introduziu na África a língua e a escrita árabe, bem como uma tradição de erudição escrita atestadas por Tombuctu no Mali, Koki no Senegal, Chinguetti na Mauritânia ou outros centros intelectuais no mundo suaíli.
A África mostra uma extrema diversidade de idiomas, povos, estruturas familiares, clãnicas, societárias, etc. Como explica isso?
Basicamente, não apenas a vida humana começou na África, mas tudo se passa como se houvesse no continente um formidável centro de criação contínua da diversidade de seres vivos, o que eu chamo de elã vital na África. Isso se traduz em uma grande diversidade genética, vegetal e humana, que obviamente se deve à geografia particular do continente. A multiplicidade de povos e línguas manifesta essa mesma vitalidade.
“Não existe nenhuma parte do mundo cuja história não tenha de alguma maneira uma dimensão africana, assim como não existe história africana que não seja parte integrante da história do mundo”. O que você pensa dessa frase do filósofo camaronês Achille Mbembe?
Se quisermos compreender o movimento do mundo sem as viseiras ideológicas criadas pelo que poderia haver de colonial no ensino da história, é bom dar a nós mesmos uma cronologia global. Assim, quando falamos da África como o berço da humanidade, não se trata de evocar uma simples origem depois da qual a história teria ocorrido em outro lugar, mas de entender o movimento contínuo que produziu diferentes fases da humanidade. Em outras palavras, pensar a África no curso do mundo é a melhor maneira de pensar a própria África. E o curso do mundo não será pensado sem o papel que a África desempenhou e ainda desempenha. Em resumo, a África não pode ser compreendida se não for pensada e analisada no curso de nosso mundo.
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“A história da África foi escrita baseada em preconceitos”. Entrevista com Souleymane Bachir Diagne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU