09 Janeiro 2020
As crises armadas que causam derramamento de sangue na África lembram o pensamento de Frédéric Bastiat. Grande filósofo e economista francês, ele argumentava que "onde as mercadorias não passam, passam os exércitos". Firme defensor da liberdade comercial internacional e forte opositor de qualquer forma de protecionismo, Bastiat foi certamente um dos mais importantes precursores das modernas escolas de pensamento liberais e certamente teria muito a dizer sobre a atual crise econômico-financeira global. Note-se que na famosa "Falácia da janela quebrada", inserida em O que se vê e o que não se vê (1850), Bastiat demoliu o mito econômico de que "a destruição leva à criação de riqueza", explicando de maneira bastante convincente como a vítima de um dano patrimonial (neste caso, o comerciante) deva enfrentar uma despesa adicional e inesperada (a substituição do vidro quebrado, justamente), desistindo de uma compra planejada anteriormente (um par de sapatos) ou de um investimento futuro.
A reportagem é de Giulio Albanese, publicada por L'Osservatore Romano, 07 e 08-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A destruição material, portanto, não gera nenhuma nova riqueza, mas, como sugere o bom senso, diminui o valor líquido geral desta. Para ser claro, é exatamente o contrário do que afirmam, ainda hoje, muitos pensadores segundo os quais a despesa imprevista, resultante do dano, promoveria um círculo econômico virtuoso.
A questão básica, no entanto, voltando à frase inicial posta em positivo, é que "onde as mercadorias passam, os exércitos passam um pouco menos". Por um lado, devemos reconhecer então que o livre comércio de mercadorias representa, em princípio, um fator positivo para o mercado global e, portanto, o novo African Continental Free Trade Area (AfCFTA), que entrou em vigor em 30 de maio último, é um bom presságio. Por outro lado, no entanto, a economia não pode continuar sendo um cão solto de acordo com a lógica da desregulamentação a todo custo. Nesse sentido, é emblemático o que está acontecendo ainda hoje na África. A riqueza de commodities (matérias-primas) das quais dispõe o continente (por exemplo, petróleo, gás, urânio, diamantes, cobalto, madeira ...) continua a representar um fator altamente desestabilizador em muitos países da faixa subsaariana. Dados e análises destacam a proliferação nessas áreas geográficas de formações rebeldes mais ou menos autóctones e ligações cada vez mais fortes entre o crime organizado transnacional e grupos extremistas violentos de matriz religiosa. É claro que isso implica uma utilização considerável não apenas de homens e meios pelos chamados exércitos convencionais, mas também do uso em forte crescimento de empresas militares privadas. Estas últimas realizam atividades de treinamento militar e de segurança, manutenção de sistemas de armas e proteção do pessoal de empresas estrangeiras. Do que foi dito, evidencia-se um aumento no número de atores envolvidos em conflitos armados que, por sua vez, sempre têm um forte valor assimétrico.
Os ataques perpetrados por grupos jihadistas em Burkina Faso, Nigéria, Camarões e Níger são de fato sintomáticos de vários tipos de interferência estrangeira com efeitos devastadores sobre os civis. A tudo isso se somam a crise centro-africana, congolesa (no setor nordeste do antigo Zaire), do Sudão do Sul, Somália e aquela mais recente que afeta a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde se registra uma presença bem enraizada de células subversivas islâmicas. Um capítulo à parte deveria ser dedicado à crise da Líbia, caracterizada por uma crescente fragmentação do território no qual interagem as mais variadas forças em campo: não apenas aquelas étnicas, mas também ligadas aos movimentos de matriz médio-oriental; para não mencionar a interferência estrangeira, muitas vezes em antagonismo por responder a visões geoestratégicas partidárias.
A natureza em evolução desse conflito também está transformando o espaço de batalha africano com o uso mais frequente de drones de longo alcance (900 missões desde abril do ano passado). Essas guerras africanas - muitas vezes "esquecidas" porque não são suficientemente midiatizadas pela grande imprensa internacional - ocorrem em um contexto geoestratégico marcado pelas complexas interações de políticas de expansão das várias esferas de influência em nível global. As cúpulas organizadas fora do continente africano em 2019 são sintomáticas dessa orientação: do Fórum para a Cooperação China-África na Agricultura na cidade de Sanya (sul da China), à Conferência Internacional de Tóquio para o Desenvolvimento Africano e a recente Cúpula Rússia-África realizada em Sochi, com empenhos de grande alçada dos vários parceiros.
É difícil prever desenvolvimentos futuros, também porque a geopolítica africana, pelas razões mencionadas acima, não pode ser circunscrita dentro de um perímetro determinístico. Como a África é um conjunto de estados soberanos, muito dependerá da capacidade da União Africana de se fazer intérprete das instâncias do desejado pan-africanismo, entendido como um exercício compartilhado de exploração e identificação dos desafios que o continente enfrenta como um todo, dentro da estrutura de um mundo globalizado. O sucesso dependerá do esforço comum para conseguir traduzir todas as instâncias em uma causa política unitária capaz de transcender classe, idade e pertencimento étnico. Por outro lado, como o grande mestre da negritude, o senegalês Léopold Sédar Senghor, disse: "Na África negra não há fronteiras, nem mesmo entre a vida e a morte".
Mapa africano (Fonte: Guia Geográfico)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As crises armadas que ensanguentam a África. Onde as mercadorias não passam, passam os exércitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU