Não existe o país “África”

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05 Dezembro 2019

"O continente africano, na realidade, é dinâmico e muito mais plural do que se pode imaginar, como por exemplo, quanto aos africanos, que em sua maioria dominam mais do que uma língua de origem, e além disso, falam ao menos uma língua europeia. E na dimensão religiosa, a África é amplamente considerada o canto mais dinâmico do mapa cristão", escreve Isaack G. Mdindile, padre tanzaniano e missionário da Consolata que trabalha na Amazônia, Brasil.

Eis o artigo.

A África não é um país, mas um continente de 55 países, parece óbvio, no entanto, isso é entendido de forma errônea, dado que muitos abordam o continente como se fosse uma região homogênea habitada por um único povo.

A África como uma realidade única e singular não existe, pois ela é complexa, heterogênea e muito diversa. As apresentações e imagem da África como um lugar de miséria, de precária assistência geral, de savana como seu ambiente, da guerra pela qual passam e apenas dos negros, são totalmente equivocadas e incompletas. Claro, com as razões óbvias de interesse econômico e ideológico.

A expressão Todo preto, que escutei muitas vezes aqui no Brasil, reflete bem essa referência à coisa, à mercadoria, ao objeto sem traços humanos para identificá-lo. A essa expressão, Rufino dos Santos explica o quão preconceituosa e ignorante ela é, pois tem em sua representatividade a imagem que temos da África, um continente sem diversidade. (Idem, 2008, p. p.59).

O continente africano, na realidade, é dinâmico e muito mais plural do que se pode imaginar, como por exemplo, quanto aos africanos, que em sua maioria dominam mais do que uma língua de origem, e além disso, falam ao menos uma língua europeia.

E na dimensão religiosa, a África é amplamente considerada o canto mais dinâmico do mapa cristão. Portanto, o que generalmente, é dado como problemático pode ser, afinal, uma potencialidade para o futuro, considerando a habilidade do povo em ser poliglota, que pode lhes conferir um passaporte para algo que atualmente se tornou perigosamente raro: a viagem entre identidades diversas e a possibilidade de visitar a intimidade dos outros.

(Imagem: Divulgação)

Para saber e saborear a diversidade africana, é preciso conhecer os sistemas de pensamentos e universos religiosos desses indivíduos, que frequentemente são desprovidos de nomes convencionais. A cosmovisão da maioria do povo africano (também por coincidência dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas) não é redutível a uma lógica única e acabada. É uma visão chamada MUNTU ou NTU, que significa a força vital. E a busca dos povos indígenas amazônicos pela vida em abundância se concretiza no que eles chamam de “bem viver” (uma filosofia vital), e que se realiza plenamente na Bem-aventurança. Trata-se de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com seres vivos e os que hão de vir, e com ser supremo, pois existe uma intercomunicação entre todo o cosmos, onde não há exclusão nem excluídos, e onde podemos criar um projeto de vida plena para todos.

O que é a filosofia africana

Aqui não vou entrar na discussão se existe essa filosofia africana ou não. O meu foco é expor as minhas primeiras experiências, observações e conhecimento enquanto povo nativo. Contudo, a base da sagacidade africana é a busca sem cessar por harmonia eterna, equilibrar as forças e sinergias físicas, espirituais neste mundo. O povo acredita nas relações infinitas que vão além dos seres vivos.

A gramática cultural dos povos africanos se encontra no interior da lógica da primeira ordem da expressão, empregando formas imaginativas, símbolos, poesia, danças e canções. A religiosidade popular desse povo se dá primeiro na expressão dos sentimentos-sentir-se com todo o nosso ser, por isso a liturgia desse povo torna-se mais participativa e ativa.

Hoje mais do que nunca, é preciso apostar no diálogo para com todos. Criar espaços de diálogo não significa escamotear as dificuldades reais de entendimento entre os povos, as ideologias, e religiões. A cultura do diálogo, do encontro, implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas com uma identidade clara e jubilosa.

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