23 Junho 2020
“Estamos vivendo uma experiência sem precedentes para as nossas gerações”: é assim que começa um documento de reflexão sobre a pandemia da Covid-19, aprovado no final da assembleia geral do episcopado português (Fátima, 15–17 de junho de 2020). Uma "pequena contribuição" para os desafios que surgem e que dizem respeito "às bases sobre as quais nossas sociedades se apoiam".
Se as regras de confinamento e fechamento foram necessárias no momento da explosão da pandemia, as indicações para o "depois" requerem discernimento mais que determinismo. Existem elementos preciosos dessa crise, como o uso mais prudente dos transportes, o ensino a distância e teletrabalho. Mas a lição prioritária é a "redescoberta do valor inestimável de cada vida humana", que justificou as limitações das liberdades pessoais, o confinamento e as inconveniências. Uma orientação "consensualmente aceita por pessoas de várias orientações" que os bispos apreciam e que deve ser reconfirmada quando os sacrifícios serão solicitados a "recomeçar e reconstruir" como coloca o título do documento. "Sem uma solidariedade eficaz, nunca conseguiremos superar essa crise", que é sem precedentes.
O comentário é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 22-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A importância e nobreza da missão dos agentes de saúde, para os quais "nunca será demais a gratidão", ficaram evidentes para todos. Mas "também surgiu a relevância dos serviços de saúde ... Tornou-se mais claro que os gastos com esses serviços não são supérfluos" e que exigem "a responsabilidade inegável do Estado", mesmo que, além do público, é desejável o papel do setor social e do privado. O empenho de todos para salvar as vidas também mostrou a fragilidade e precariedade destas, "que nem a ciência mais avançada nem a riqueza material podem anular".
“Bastou um vírus invisível para nos lembrar. Essa também deve ser uma ocasião para redescobrir Deus, a quem devemos a vida e que nos chama a compartilhar com ele outra vida, de plenitude e eternidade”. A família mais uma vez se mostrou "a primeira e essencial fortaleza de apoio em situações difíceis". Ao lado dela, surgiram muitos serviços considerados marginais, como proteção civil, segurança pública, suprimento de alimentos e estruturas de informação. Em particular, "a pandemia reforçou em muitas pessoas a consciência do bem comum como um bem para cada um e para todos: todos fazemos parte de uma única família humana e vivemos em uma casa comum".
Devemos enfrentar a "grave crise econômica e social" com a convicção expressa pelo Papa Francisco, "estamos todos no mesmo barco" e com atenção especial aos mais fracos: sem-teto, imigrantes, marginalizados. A explosão do desemprego exigirá uma convergência positiva entre empresários e trabalhadores, como, no plano político, entre maioria e oposição. As dificuldades da crise poderiam ser muito altas, fazendo-nos redescobrir "a importância do Estado, não apenas no que diz respeito o necessário apoio social, mas também no que se refere ao relançamento da economia". A ideologia neoliberal fracassou. Enquanto sai confirmada a doutrina social da Igreja e seus princípios, em particular o da subsidiariedade. A criatividade da sociedade civil deverá ser estimulada e instituições de solidariedade social, inclusive católicas, deverão ser apoiadas. "Ajuda esporádica e ocasional" não será suficiente, nem as emoções momentâneas. Somente diretrizes políticas e administrativas contínuas e coerentes poderão atender a todos que não terão mais renda ou terão uma renda muito baixa.
"A necessária reconstrução de um sistema econômico a que assistiremos em um futuro próximo deveria ser uma oportunidade para repensá-lo, preservando o que é bom e corrigindo o que é negativo e injusto". Sabendo - como indicou a encíclica Caritas in veritate - que a solidariedade e a gratuidade devem entrar plenamente no mercado. Assim como a proteção do meio ambiente, antes que as mudanças climáticas exijam um preço ainda mais alto do que a pandemia. A globalização certamente mostrou seus limites (além das vantagens), mas isso não deve favorecer "um nacionalismo de exclusão, um protecionismo econômico e a hostilidade para com os migrantes". É uma questão de implementar uma globalização solidária.
"Mais do que construir muros, é necessário fortalecer os esforços conjuntos de diferentes países para responder aos desafios que agora se apresentam." A luta contra a pandemia requer o esforço convergente de todos os países e a saúde pública só pode ser global. Será necessário "tornar universal o acesso à futura vacina contra a Covid-19, que pede a superação do uso excessivamente rígido dos direitos de propriedade intelectual no campo sanitário".
Existe um desafio decisivo para a União Europeia. "O sentimento de pertencimento que deu coesão à comunidade continental pode diminuir ou até desaparecer se os cidadãos europeus perceberem a União como estranha a seus dramas. É por isso que a União Europeia está diante hoje daquele que talvez seja o maior desafio de sua história. No combate à pandemia e à crise econômica e social, deve agir como uma verdadeira comunidade e não como um agregado de interesses contrapostos”. Os bispos sabem que se trata apenas uma reflexão inicial e a propõem "apenas como uma contribuição construtiva e cordial, sem pretender oferecer soluções técnicas e imediatas".
A assembleia também providenciou as nomeações de seus cargos internos. Entre esses, emergem os de dois dehonianos: o presidente da conferência, José Ornelas Carvalho, bispo de Setúbal e ex-superior geral da congregação (2003-2015), e o secretário, pe. Manuel Barbosa.
Em sua primeira conferência de imprensa como presidente, Mons. Ornelas, além de recapitular os temas que emergiram do documento, ressaltou quatro pontos: a questão dos pobres, a questão da eutanásia ligada à defesa da vida, a adaptação eclesial às normas de segurança em saúde e a atitude dialógica em relação à política. “A pandemia nos fez entender que os bolsões de pobreza colocam em risco toda a sociedade. Uma sociedade como a nossa não pode permitir-se isso”. Afirmar o valor da vida contrasta com o pedido de legalização da eutanásia. Não se pode deixar de afirma-lo em especial para as fases mais frágeis da existência: o nascimento e a morte.
Com atenção para revisar os modelos das casas de repouso para idosos onde o vírus fez verdadeiros massacres. Uma mensagem para o grupo de trabalho parlamentar sobre a lei, que se reunirá novamente em alguns dias. Nesse sentido, a Igreja e as religiões já se expressaram em 2016 e em fevereiro passado. Sobre a rigorosa observância das normas de confinamento que se aplicam às celebrações, os ritos e algumas expressões relevantes da vida eclesial, Mons. Ornelas apontou - falando em particular para os críticos internos - que não se tratou de "obediência" e subordinação da Igreja ao Estado, mas do "exercício de uma responsabilidade que temos pelo respeito à vida".
Quanto ao mundo político e institucional, o novo presidente dos bispos mostrou-se muito prestativo e expressou sua intenção de "buscar convergência" com todas as forças políticas e governamentais.
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Portugal – depois do vírus: a narrativa eclesial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU