12 Mai 2020
O Sínodo é um processo que não terminou, uma afirmação que brota da boca de Dom Philip Dickmans, bispo de Miracema – TO, que foi padre sinodal na assembleia do Sínodo para a Amazônia, celebrado no Vaticano, de 6 a 27 de outubro de 2019. Ele, como missionário na Amazônia desde 1996, destaca a importância da missão e da doação do missionário.
O bispo, nascido na Bélgica, insiste na necessidade de “uma Igreja mais ministerial, com mais responsabilidade para os leigos”, em superar o clericalismo e fazer realidade uma Igreja onde “pelo nosso batismo nós somos iguais no sentido de anunciar a Boa Nova”. Por isso, ele insiste em que “o processo não pare”, procurando que todos se envolvam para fazer realidade aquilo que tem surgido do processo sinodal e dos documentos nascidos dele. Isso deve ser realizado, segundo o bispo, procurando “avançar aos poucos, mas sem parar, porque pular de vez para frente não dá certo, depois todo mundo fica sem ânimo, sem perspectiva”.
Nesse sentido, Dom Philip destaca a importância “dos métodos, da parte pedagógica, de descer também nos lugares onde o povo está”. Segundo ele, estamos a caminho de “um tempo em que não vamos ser mais um grande número, mas nós católicos temos que ser mais autênticos”, ser “fermento, que dá testemunho, que dá gosto”, deixando de lado “uma Igreja triunfal, uma Igreja clericalista”. O bispo de Miracema vive tudo isso “desde a esperança, eu não vou entrar no negativismo”.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O senhor foi um dos padres sinodais no Sínodo para a Amazônia. Depois de ter recebido a exortação pós-sinodal Querida Amazônia, qual é sua análise?
O Documento Final foi um documento muito bom, onde foram muito bem traduzidos os trabalhos dos padres sinodais junto com o Santo Padre. Com este documento se abriu uma perspectiva muito grande para com o Santo Padre. Ele falou na última sessão que ia ver se conseguia terminar até o final do ano, no início do ano que vem, depende também de se o Espírito Santo vai me conduzir, ele disse. Mas sempre tinha aquelas conversas, aqueles fake news sobre o Papa Bento XVI e o Cardeal Sarah, sobre os viri probati.
Não sei se as circunstancias influenciaram o Santo Padre, mas também a gente sempre percebeu da parte do Santo Padre, o Papa Francisco, propostas corajosas, fazer tentativas desde nossos locais. Mas também da parte dele, uma certa prudência, não querendo tocar o celibato. Acho que não foi a proposta de ninguém dentro do Sínodo, mas com o documento Querida Amazônia, nós ficamos um pouquinho sem proposta concreta. Não sei se foi certo esperar propostas concretas, porque o Sínodo é um processo, ele é um processo e não terminou.
Comparando o Documento Final com Querida Amazônia, os três primeiros capítulos, a parte social, cultural, e também ecológica, os sonhos são muito bonitos, e o Documento Final é reconhecido dentro dos sonhos do Santo Padre. Na parte sinodal ou eclesial, eu creio que tem uma certa prudência. Pode ser que o Santo Padre não quisesse definir para que nós pudéssemos continuar este processo. A questão das comunidades remotas, aquelas que ficam longe, que não tem a visita do padre para celebrar a Eucaristia, para se confessar e para a unção dos enfermos, as comunidades, por enquanto, vão ficar sem.
Tem também a proposta de uma Igreja ministerial, que ele falou também, da mulher, que seja reconhecida desde a instituição. Agora somos nós mesmos que devemos confirmar a responsabilidade das pessoas, não enviar de qualquer jeito, mas confirmar essa responsabilidade.
Pessoalmente, o que o senhor tem descoberto na exortação do Papa Francisco?
Pessoalmente, eu gostei do documento, para mim, como bispo da minha diocese, como cristão, como sacerdote, o documento chama a uma conversão. Essa conversão já tem vários anos, nos estamos falando desde o Documento 100 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), de uma conversão pessoal, de uma conversão comunitária, pastoralmente. O pensamento do documento nos leva de novo a uma missão, um anuncio original. Onde ele chama à doação do missionário, eu acho que hoje nós estamos trancando muito rápido, o pessoal fica dois anos, três anos, estes grupos itinerantes ou intercongregacionais, eles têm muita mudança.
Me lembra o padre de São Gabriel da Cachoeira, o padre Justino, ele é uma presença que traduz bem a necessidade. Ele fala daqueles missionários que deixaram as suas terras, os seus lugares, que vieram morar conosco, que aprenderam a nossa língua, nossa cultura, aqueles que nos ensinaram a fé e morreram conosco. É uma perspectiva de doação total da parte do missionário. Hoje nós somos um pouco beija flor, e isso pode ser uma consequência para nossa vida como Igreja.
Dom Philip Dickmans (Foto: Luis Miguel Modino)
Tem pessoas, leigos, leigas, que são a referência na comunidade católica, também nomeadas pelo bispo. Não foi diretamente dada uma resposta para celebrar a Eucaristia, mas o pedido também é para uma solidariedade. Tem dioceses no Brasil que tem padre de sobra, mesmo que nunca tem padres de sobra, se tem padres de sobra é porque eles não estão trabalhando. Mas uma solidariedade, padres que se colocam a disposição, temos que superar um egoismo, um consumismo, também o comodismo, muitos “ismos”. Enquanto nós padres, religiosos, consagrados, não voltarmos na nossa resposta original, a ser uma pessoa de Deus, nós não vamos conseguir avançar.
No processo sinodal, se faz necessário dar passos e sempre estar a caminho, tendo como metodologia o discernimento. Qual o discernimento que a Igreja da Amazônia, partindo da reflexão do Papa Francisco e de tudo o que tem sido vivido ao longo do processo sinodal, deveria realizar ao longo dos próximos meses, dos próximos anos?
Nós estamos esperando a equipe de 13 pessoas que o Papa nomeou se sentar, mas também vai ter os seminários. Nós estávamos num processo muito bom, num processo saudável, não era de reação, de crítica, com todos os bispos foi um processo muito saudável. Não podemos parar isso, o Santo Padre, eu entendo que no quarto capítulo, quando ele fala da sinodalidade, do sonho eclesial, nós precisamos que tudo o que foi falado, em Manaus por exemplo, tudo o que foi falado em Belém, são contribuições grandes, que já são propostas concretas.
Uma Igreja mais ministerial, com mais responsabilidade para os leigos. Nós temos que enfrentar uma coisa que não vem só dos padres, nem dos bispos, aquele clericalismo que muitas vezes é uma imagem feita pelos próprios leigos, não digo por todos. O leigo tem que entender que o modelo da Igreja, ele é hierárquico, mas ela tem uma unidade, pelo nosso batismo nós somos iguais no sentido de anunciar a Boa Nova. Nós temos que ter muito cuidado para que o processo sinodal não pare, ou deite numa cama para dormir. No Brasil, temos suficientes homens e mulheres vivos, aqueles que participaram do Sínodo, para que o processo possa ir dando os passos.
O Papa Francisco tem sonhos. O senhor, como bispo e como missionário na Amazônia há muitos anos, o que é que sonha para a Amazônia e para a Igreja da Amazônia?
Os nossos sonhos não podem parar, mas o Papa Francisco nem só sonha, ele é profeta. Sonhar é uma experiência, uma experiência bíblica também. Eu fiquei pensando como vou aplicar esse documento na minha diocese. Vamos começar o estudo, pois mesmo a gente tendo participado, não todos padres estão dentro do processo, não todos os leigos. Mesmo que foi preparado e foram feitas as escutas, mas hoje em dia, nós esquecemos rapidinho das coisas, tudo é rápido e se esquece.
Tem que ser feito um trabalho com calma, cativar para esse documento, alias, não só para esse documento. Todo o processo tem os quatro documentos, Laudato Sí, Instrumentum Laboris, Documento Final e Querida Amazônia. São quatro documentos que tem que ser estudados, tem que ser pensados, também como colocar em prática, como viver isso, como pôr em prática na nossa diocese. Nós tivemos uma assembleia muito boa, onde nós fomos traduzindo as diretrizes da ação evangelizadora no Brasil, mas que é mergulhado pela fala, pelos pensamentos do Santo Padre. Já tem na agenda as propostas para estudar os documentos e a comissão.
Nossa vida como Igreja é igual a Procissão de Echternach, que é uma cidade em Luxemburgo, que tem uma procissão que fala a vida do Senhor. Ela vai três passos para frente e dois para trás, ela vai devagarzinho, mas ela avança. Eu prefiro que nós pudéssemos avançar aos poucos, mas sem parar, porque pular de vez para frente não dá certo, depois todo mundo fica sem ânimo, sem perspectiva. Esse é um desafio para todos os documentos dos papas, são documentos que provocam fogo, ardor, mas nós não conseguimos trazer para a vida de cada dia.
O que poderia impedir esses avanços?
O Espírito Santo não vai fazer, eu na minha diocese também não vou fazer, e conhecendo meu povo, eles estão dispostos para avançar. Muito vai depender dos métodos, da parte pedagógica, de descer também nos lugares onde o povo está. Igual uma mãe que vai ao encontro do seu filho, ela sempre está de braços abertos. Espero que o Papa Francisco ainda vai aguentar mais um tempo, mas também não pode ser nossa preocupação, porque a gente tem que confiar na ação do Espírito Santo. Mas nós estamos em um tempo precioso, decisivo também, um tempo em que não vamos ser mais um grande número, mas nós católicos temos que ser mais autênticos. Por não ser mais uma maioria, daqui a uns dias, temos um tempo para ser uma minoria que é fermento, que dá testemunho, que dá gosto.
O arcebispo do Iraque, ele me falou uma vez, num encontro com ele, que os muçulmanos, aqueles que são bons, que não são terroristas ou extremistas, eles dizem que os cristãos são a flor para sua sociedade, são poucos, mas dão um testemunho muito bonito de Deus e da caridade. Nós temos que aprender, tem uma parte de nossa Igreja muito preocupada com uma Igreja triunfal, uma Igreja clericalista, uma Igreja que não tem muito pilar, pode ter muito teto, mas qualquer coisa pode cair. O Papa Francisco nos convida para construir uma base sólida para que a casa comum não caia, mas fique em pé.
Desde que sou padre sempre fiquei na esperança, eu não vou entrar no negativismo, mesmo que tenham dez que pensem negativo, eu vou sempre ficar enfrentando. O documento do Papa nos dá isso, sonhar, mas não é só sonhar por sonhar, mas com a perspectiva que o Reino de Deus pode se manifestar e o jeito vai depender de nós, do conjunto eclesial. Nós temos que fazer propostas concretas e começar já na nossa diocese, não esperar por todos, mas enviando, dando uma missão bem concreta, reconhecida pelo bispo. Mas são passos, que podem ser um grande avanço na nossa Igreja, reconhecendo o que o Papa também fala muito, a presença da mulher.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O avanço do Sínodo vai depender dos métodos, de descer nos lugares onde o povo está”. Entrevista com Dom Philip Dickmans - Instituto Humanitas Unisinos - IHU