12 Mai 2020
Especialista em questões de governança ambiental e migração, François Gemenne dirige o Observatório Hugo na Universidade de Liège e leciona no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). Também é o autor principal do Grupo de Peritos Intergovernamental sobre a Evolução do Clima (Giec). Ele publicou recentemente, com o pesquisador Aleksandar Rankovic, Atlas de l’anthropocène (Éd. Presses de Science Po, 2019).
Nesta entrevista, o perito aborda as lições que podemos tirar das respostas à pandemia de Covid-19 e aplicar na luta contra o aquecimento global e a solidariedade nacional e internacional.
A entrevista é de Catherine André, publicada por Alternatives Économiques, 09-05-2020. A tradução é de André Langer.
É difícil saber se esta crise será uma chance para o clima ou não. Podemos, no entanto, tirar lições da crise da saúde?
Certamente, há lições muito importantes que podemos aprender para o futuro, especialmente na luta contra as mudanças climáticas. Eu vejo duas. A primeira é que ainda é possível, apesar do que costuma ser reivindicado, tomar medidas drásticas e extraordinariamente caras quando estamos em perigo iminente. Durante muito tempo, repetimos que tínhamos que fazer as coisas de maneira gradual, não apressar as pessoas, para que não fosse muito caro. E, de repente, evaporamos anos de esforços de austeridade! Evidentemente, isso implica que nos perguntemos por que estamos prontos para implementar medidas drásticas contra o coronavírus e por que parecemos incapazes disso contra as mudanças climáticas.
A resposta me parece muito simples: todos nós temos medo de pegar o vírus, enquanto pensamos que as mudanças climáticas afetarão os outros antes de nos afetar. E acredito que nós, pesquisadores, temos uma parte de responsabilidade nisso: ao calibrar nossos modelos em prazos longos, as políticas públicas estabeleceram os mesmos horizontes: neutralidade de carbono em 2050, dois graus em 2100... Ao passo que para o coronavírus, nós monitoramos diariamente as curvas de mortes e hospitalizações, acompanhamos esses dados como o leite no fogo!
Em 2050, muitos dos que leem essas linhas hoje já estarão mortos; portanto, isso necessariamente nos parece muito distante. Se tivéssemos uma previsão de carbono diária, que nos indicaria, por exemplo, a taxa de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, a mudança climática nos pareceria mais perto. Segue-se dessa constatação uma grande lição de comunicação.
A segunda grande lição diz respeito à questão da solidariedade. Nossas sociedades se mostraram solidárias como nunca antes. Durante anos, fomos informados de que colocamos o lucro na frente do humano, e agora, o que fazemos? Exatamente o contrário! Desencadeamos uma crise econômica monumental, que fez tombar vertiginosamente todas as Bolsas de Valores do mundo, para proteger os mais vulneráveis. É uma ótima lição que estamos dando a nós mesmos. O sacrifício dos jovens, que são muito menos vulneráveis à Covid-19 e que serão os primeiros a serem afetados pela crise econômica e pelo desemprego em massa que isso causará, parece-me particularmente marcante.
Certamente, isso não significa que todos terão mudado: se fazemos parte disso, é também porque tememos ser contaminados, ou contaminar as pessoas próximas a nós. O problema é que essa solidariedade, no momento, permanece em grande medida confinada às fronteiras nacionais: temos uma crise global, mas as respostas são arquinacionais, com um fechamento generalizado das fronteiras. Ora, não é fechando as fronteiras que iremos impedir a mudança climática. Portanto, a pergunta que deve ser feita é como projetar essa solidariedade, que às vezes não suspeitávamos, para além de nossas fronteiras nacionais. Porque é aí que frequentemente se encontram as vítimas da mudança climática. No caso do coronavírus, podemos esperar um benefício imediato para nós mesmos das medidas tomadas; o mesmo não vale para a mudança climática.
As consequências desta pandemia eram previsíveis e evitáveis?
Nós tínhamos reservas estratégicas de petróleo, mas não de máscaras. Isso, por si só, diz tudo sobre a nossa cegueira. Eu não quero processar ninguém. Devemos reconhecer que todos ficamos surpresos com a amplitude que essa pandemia tomou em poucas semanas. É claro que poderíamos tê-la previsto, antecipado mais, mas estávamos cegos. Foi só quando os mortos estavam às nossas portas, na Itália, que nós realmente começamos a nos preocupar. Essa crise diz muito sobre a nossa falta coletiva de antecipação.
Essa crise nos obriga a nos questionar sobre o que é o comum?
Não nos obriga a nada, mas nos incita a fazê-lo. E eu penso que é uma aspiração de muitos de nós. O que é particular no controle de uma epidemia é que ninguém está seguro até que todos estejam seguros. Uma única pessoa pode potencialmente infectar dezenas, centenas de outras. Basta um único indivíduo infectado para que a epidemia recomece – o famoso “paciente zero”.
De certa forma, a epidemia nos lembra que aqueles que colocamos à margem da sociedade – os sem-teto, migrantes e excluídos – também fazem parte dela. E que temos que cuidar deles, não apenas por eles, mas também por nós mesmos. É um princípio maravilhoso para fazer sociedade, um grande princípio de inclusão em torno de um bem comum. A grande questão para o clima é saber se conseguiremos identificar e aproveitar o que temos em comum, além de nossas fronteiras: a Terra em que habitamos.
Como, concretamente, fazer isso?
A crise oferece uma série de oportunidades para traduzir isso em realidade. A prioridade é redirecionar os investimentos e os subsídios dos combustíveis fósseis. A cada ano, mais de 6% da riqueza do mundo é investida nisso. A crise atual, combinada com o preço muito baixo do petróleo, é uma oportunidade para redirecionar esses investimentos e subsídios. É também uma oportunidade para fixar um preço mínimo para o petróleo, estabilizar o preço do carbono e desfinanciar o mercado de energia. São todas formas para nos reapropriar do comum.
Nós, na Europa, no Ocidente, temos uma visão egocêntrica?
Sim, muito profundamente. Estou muito impressionado com essa ideia, muito em voga, de que a crise atual seria um prenúncio, ou um aviso, da mudança climática. Como se fosse “vir”, quando é uma realidade há anos, mas que afeta principalmente os países do Sul. O mesmo vale para o colapso de que falam os colapsologistas: trata-se sempre de um colapso “por vir”, em nossas sociedades, ao passo que já está em curso em muitos lugares, fora de nossas fronteiras. Mas só vemos o problema quando ele virar a esquina.
Eu poderia multiplicar os exemplos. Quando se diz que estamos interessados na migração, na verdade não estamos interessados na migração, mas nas populações que chegam ao nosso território. Passa a ser uma preocupação nossa apenas quando as pessoas cruzam o Mediterrâneo. Tudo o que acontece antes, ou em outro lugar, não nos importa. Do mesmo modo, as soluções que imaginamos sempre se relacionam conosco: nossos modos de vida, nossos modelos econômicos... É obviamente importante que nos questionemos, mas a luta contra a mudança climática também passará pela cooperação, não apenas pela introspecção. Isso implica estar conscientes do impacto das nossas decisões sobre os outros, e não pensar apenas em nós mesmos. E que também precisamos aprender com o que os outros estão fazendo.
Como podemos encontrar novamente o caminho da cooperação internacional para enfrentar de maneira eficaz a mudança climática, a poluição do ar e o colapso da biodiversidade?
Esta é uma pergunta fundamental e é, talvez, a minha maior preocupação neste momento. Receio que a cooperação internacional saia esfrangalhada desta crise. Estamos diante de uma crise global, mas à qual fornecemos apenas respostas nacionais, sem nenhuma coordenação. O resultado é um fechamento generalizado das fronteiras. E sabemos como as fronteiras são tranquilizadoras no caso de uma crise. Infelizmente, os nacionalistas compreenderam perfeitamente todo o benefício que poderiam obter disso. O risco é que as medidas impostas do ponto de vista da saúde – o confinamento, o isolamento e o fechamento – acabem se tornando um projeto político de fechamento sobre si mesmo. O grande desafio será articular a relocalização – necessária – de um certo número de cadeias produtivas com a abertura ao mundo. É o caso dos alimentos, da saúde e da energia, em particular.
Vemos claramente a necessidade de uma maior descentralização; é um imperativo político e não somente econômico. Podemos discutir as vantagens do fechamento das fronteiras para limitar a propagação do vírus, mas é certo que isso não impedirá a mudança climática. Mais do que nunca, precisaremos de cooperação internacional.
Já sabemos a nova data do início do Tour de France, mas não quando será a próxima COP 26, adiada sine die. Eu realmente espero que essa COP possa ser a ocasião para uma refundação da cooperação internacional, que possa incluir outros atores além dos governos. Não uma COP 25 + 1, mas uma COP 0, que consiga reconstruir o multilateralismo. Isso passará pela inclusão da sociedade civil, das empresas ou dos municípios. Os governos não têm todos os comandos para combater a mudança climática; é preciso fazer sentar outros atores à mesa de negociações.
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“Somos capazes de medidas drásticas contra o coronavírus, mas não contra o aquecimento global”. Entrevista com François Gemenne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU