20 Abril 2020
Entrevista com o imunologista Stephen Kissler da Escola de Saúde Pública TH Chan de Harvard, coordenador do estudo na Science que propõe uma estratégia de reabertura. "O relaxamento das medidas terá que ser lento e gradual, caso contrário, é certo que os contágios começarão a crescer novamente". Na ausência de uma vacina – prevista presumivelmente para o começo do próximo ano - o distanciamento social deverá ser mantido de 25% a 70% até por um ano e meio.
Já se vê alguma luz no fim do túnel da emergência mundial por coronavírus. Mas, na ausência de uma vacina, o distanciamento social terá que ser mantido de 25% a 70% do tempo por pelo menos mais 12 a 18 meses, dependendo de vários fatores, como contatos interpessoais, influência do período quente sobre os contágios e disponibilidade dos sistemas de saúde. Não tem dúvidas o professor Stephen Kissler, pesquisador do Departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas da Universidade de Harvard, Boston (EUA), autor principal do primeiro grande estudo peer-rewiewed que propõe previsões para futuros desenvolvimentos da pandemia. O artigo publicado recentemente na Science é baseado no comportamento conhecido de outros dois coronavírus (OC43 e HKU1), estreitamente relacionados ao SARS-CoV-2. A partir da análise de trabalhos como o de Kissler e seus colegas, estão sendo planejadas reaberturas parciais no mundo, bem como todas as outras medidas necessárias para enfrentar a crise.
A entrevista é de Matteo Grittani, publicada por La Repubblica, 19-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Deve ser um período difícil para o seu departamento. Como está a moral?
Eu não escondo que são semanas de trabalho sem descanso. O que vemos lá fora todos os dias nos causa tristeza. No entanto, no laboratório, o sentimento dominante é um otimismo cauteloso. Vamos ser claros, vai ser difícil até o final do ano, mas estamos vendo uma colaboração entre cientistas. e formuladores de políticas de origens e países diferentes que não tem precedentes. E isso nos dá esperança.
Em seu trabalho na Science, vocês destacam a possível necessidade de "distanciamento social, de alguma forma, até mesmo em 2021 e 2022". Isso também se aplica se tiver a vacina ou uma cura disponível?
No momento, podemos dizer que, com a vacina, seremos capazes de relaxar consideravelmente as medidas de contenção. No entanto, acredito que é necessário esclarecer aos cidadãos que o distanciamento social é hoje o antivírus mais eficaz possível em larga escala. Será crucial continuará a implementá-lo com seriedade e rigor, e não excluímos que possa ser útil em regime reduzido, mesmo nos meses imediatamente após a difusão da vacina.
Vamos falar da vacina. Quantos meses serão necessários para desenvolvê-la? E, acima de tudo, quanto tempo levará para que esteja disponível para todos?
Sob as condições atuais, restringindo os tempos ao máximo - e acredite, seria algo impensável até alguns meses atrás - o desenvolvimento de uma vacina poderia ser concluído no segundo semestre. A distribuição em larga escala ocorreria o mais tardar no primeiro semestre de 2021. Uma vez desenvolvida, é claro que haverá uma ordem a ser cumprida, assim como aconteceu com a vacina contra a gripe H1N1 de 2009, os primeiros estoques seriam destinados a profissionais de saúde, idosos e imunodeprimidos. Quando essas categorias estiverem protegidas começará a distribuição ao restante da população. Não vamos esquecer também a corrida pela cura.
Bem, a cura. O presidente Trump havia chamado a hidroxicloroquina de "solução" no tratamento do vírus. Depois, existem os antivirais usados para o Ebola, como o Remdesivir. O que você acha?
Temos evidências de benefícios realmente bastante limitados no tratamento dos pacientes mais graves com cloroquina. Certamente não é a solução, sem mencionar os efeitos colaterais. O Remdesivir agora está passando pelos ensaios clínicos e temos sobre esse medicamento um otimismo moderado. No momento, existem outras moléculas em desenvolvimento e para todas elas a mesma regra se aplica: leva tempo para garantir sua segurança e eficácia antes de administrá-las à população.
Quanto tempo leva para esses tratamentos estarem disponíveis no mercado?
Se os testes passarem, é uma questão de poucos meses.
Depois, há a termolabilidade do vírus. Existe a possibilidade de que contágios e severidade dos sintomas diminuam com o aumento da temperatura?
Existe a possibilidade. A transmissibilidade dos coronavírus que causam o resfriado comum é certamente condicionada pela estação (embora não esteja claro o quanto incidam o clima, a mudança no estilo de vida ou outros). No entanto, excluo que o calor do verão causará um colapso drástico dos contágios. É mais provável que o curso da doença prossiga de maneira pouco mais leve do que aquele no início da pandemia.
Vamos falar da Itália. Por que você acha que no país o vírus tinha se mostrado tão agressivo, especialmente no norte? É possível que a chave seja o nível de poluição da região?
O fenômeno italiano é um estudo de caso em nível global. A realidade é que, neste momento, não temos certeza, mas acreditamos que a poluição só pode desempenhar um papel no agravamento dos sintomas agudos do vírus. Quanto à transmissão, em vez disso, é um processo incrivelmente complexo, vinculado a fatores como clima, usos, hábitos da população e uma série de outras variáveis. Para entender o que aconteceu no seu país, será necessária uma análise mais aprofundada.
A Itália vem discutindo a "fase 2" há dias. Algumas regiões (aliás, as mais afetadas) planejam reaberturas parciais isoladas. Você acha que é uma abordagem razoável?
Este é sem dúvida o momento de planejar a Fase 2, discutindo-a com as várias partes envolvidas. No entanto, a sala de controle deve continuar a ser científica e tecnicamente orientada. O método que estamos propondo, como outros, é bastante simples: as áreas que apresentam uma desaceleração considerável nos casos por pelo menos 2-3 semanas, podem começar a relaxar as medidas de isolamento. Porém é preciso cuidado, nessa fase, para não cometer erros e não baixar a guarda. Em outras palavras, relaxar o distanciamento social deve ocorrer de maneira lenta e progressiva, caso contrário, é certo que os casos começarão a crescer novamente em breve. O desafio para todos será "adaptar a cada caso" as estratégias de relaxamento das contenções em áreas específicas, de acordo com as condições locais (tendência de contágios, número de leitos de terapia intensiva, disponibilidade de pessoal de saúde, etc).
Outro aspecto fundamental para uma futura reabertura é a duração da imunidade para aqueles que já adoeceram. O que se sabe até o momento?
Pois bem, esse ainda é um tópico de estudo. Uma coisa precisa ser esclarecida: cada pessoa que resiste ao vírus desenvolve uma resposta imune diferente; por esse motivo, é provável que também o tempo em que uma pessoa possa ser considerada imune possa variar bastante.
Em termos concretos?
Pode-se ver o que acontece com outros coronavírus. Por exemplo, as imunidades daqueles que sofrem um resfriado comum duram, em média, apenas um ano. A imunidade para os coronavírus da SARS pode durar alguns anos. É razoável pensar que o a imunidade para SARS-CoV-2 esteja nessa faixa, mas ainda não temos evidências científicas para ter certeza.
Então, qual é o caminho agora?
O maior desafio começa agora. Por um lado, continuará a corrida por vacinas e tratamento eficaz e seguro. Pelo outro, será vital realizar testes sorológicos em massa para entender quantas pessoas já contraíram o vírus e, portanto, desenvolveram uma certa imunidade". A tecnologia nos ajudará muito no rastreamento dos contatos. E não vamos esquecer o fortalecimento das unidades de terapia intensiva e, acima de tudo, o aumento de recursos para os serviços nacionais de saúde, que estão fazendo esforços inacreditáveis.
Como se diz "luz no fim do túnel" nos Estados Unidos?
(Risos, ndr) Veja bem, estamos atravessando talvez pelo período mais difícil dos nossos tempos, mas temos certeza de que o progresso científico e o bom senso das pessoas serão os verdadeiros fatores de mudança para enfrentá-lo. Então, sim, nos esperam meses de grande trabalho e sacrifício, mas existe esperança, existe luz.
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“Já se vê alguma luz no fim do túnel, mas por 12 a 18 meses será necessário um distanciamento social gradual”, afirma imunologista de Harvard - Instituto Humanitas Unisinos - IHU