27 Março 2020
Sem meios para sobreviver, muitos precisarão romper distanciamento. Mas um conjunto de medidas – para assalariados, precários e pequenas empresas – pode garantir dignidade e Saúde para todos.
O artigo é de Célio Turino, historiador, escritor e gestor de políticas públicas, publicado por Outras Palavras, 25-03-2020.
Em meio à pandemia que se espalha pelo mundo, fundamentos econômicos, que antes se faziam passar por sólidos e racionais, se desmancham na mesma velocidade que o vírus. Caso o Brasil não adote medidas imediatas e eficazes, para além das medidas sanitárias, viveremos uma catástrofe humanitária jamais imaginada. Não há tempo para vacilação e as Instituições políticas precisam agir com objetividade, ética e compromisso com a vida.
Enquanto não houver uma vacina ou remédio eficaz (o que só deve acontecer no horizonte de um ano, ou próximo disso), a única solução que se revela eficaz é o Distanciamento Físico (melhor esse termo, que distanciamento social, uma vez que podemos e devemos estar fisicamente apartados mas socialmente próximos). E Distanciamento Físico implica em Quarentena por período indeterminado, quando a maioria dos trabalhadores estarão apartadas de meios para seu sustento. Nem todos trabalham em serviços essenciais ou poderão trabalhar a partir de casa. Há o Comércio Físico, os Trabalhadores da Cultura, bares, restaurantes, serviços, os trabalhadores informais, aqueles sem registro em carteira, incluindo microempreendedores individuais (MEI), os desempregados.
Ao não apresentar um programa de amparo econômico durante a difícil travessia da quarentena, o país estará condenando a medida de Distanciamento Físico ao fracasso e, por consequência, fracassará no combate ao Covid19, prolongando, inclusive a própria quarentena, que perderá eficácia. Inevitavelmente as pessoas serão compelidas a buscar meios de subsistência de alguma forma, rompendo com o recolhimento necessário, cabe, portanto, oferecer um Plano de Emergência e Amparo Econômico para o Enfrentamento à Pandemia. Não pensem que será uma tarefa fácil, muito menos solucionada com uma única iniciativa, há que apresentar um conjunto de medidas que, entrelaçadas, garantam justiça e paz social durante esse duro momento.
Partindo desta análise, tomo a iniciativa de apresentar a seguinte contribuição:
1) Auxílio quarentena – nos mesmos moldes e valor do Auxílio Doença, da Previdência Social – assumido pelo INSS. Durante todo período da quarentena e para todos os trabalhadores contribuintes da Previdência Social (CLT, MEI, Simples…) impossibilitados de trabalhar. Essa decisão, além de preservar dezenas de milhões de empregos, tem o efeito de desonerar a folha de pagamentos das empresas, representando alívio financeiro às empresas, mas de forma diferente da apresentada pelo governo federal, pois focada nas pessoas, preservando a renda das famílias.
O mecanismo é o mesmo do afastamento por doença pelo INSS (sendo que muitos contribuintes da previdência, inclusive, irão contrair Covid-19 caso o Brasil não adote medidas imediatas e eficazes, bem como outras doenças). Está na Constituição e os trabalhadores formais, por conta própria ou empregados, já pagam por esse seguro social; impossibilitados de trabalhar por razão de Saúde, cabe à Seguridade Social assumir o encargo trabalhista. Essa medida também tem o efeito de preservar melhor a renda dos trabalhadores, pois se estende até o teto da previdência (R$ 6.101,06), evitando queda brusca na renda familiar. Cabe ao INSS assumir imediatamente este encargo, assim como está acontecendo em inúmeros países.
2) Renda Básica da Cidadania – no valor mensal de R$ 300,00 por pessoa, durante o período mínimo de seis meses, conforme proposta da Renda Básica da Cidadania. Para todos os trabalhadores informais, intermitentes, desempregados, moradores de rua, extensiva a todos os membros da família. Bem como ampliação do Bolsa Família para o mesmo valor per capta (atualmente o Bolsa Família está condicionado a um teto de R$ 205,00 por família). Esta proposta irá beneficiar diretamente 77 milhões de pessoas a um custo mensal de R$ 23 bilhões. Igualmente representará um aporte direto de recursos na base do comércio e serviços, representando um subsídio indireto às pequenas e médias empresas, pois é uma injeção de recursos direta na sobrevivência, evitando queda profunda da atividade econômica nas comunidades.
3) Seguro Quarentena (conforme proposta apresentada pelo Partido dos Trabalhadores) ou Renda Básica da Cultura e cadeias produtivas com características específicas de sazonalidade e intermitência, que, por razão da Quarentena, estão impossibilitadas do exercício de atividade econômica regular. Com valor de um salário mínimo mensal, mediante contrapartida adequada às especificidades de cada setor (como apresentações artísticas via internet, entre outras iniciativas);
4) Renda Básica para pequenas e médias empresas – transferência de subsídio mensal, em valor fixo (entre R$ 5.000,00 a R$ 10,000,00) para empresas impossibilitadas de manter suas atividades econômicas. Igualmente esse subsídio deverá ser repassado a sites e agências de notícias de caráter colaborativo e comunitário, bem como TVs e Rádios comunitárias dado o indispensável papel destes veículos neste momento em que a boa informação é crucial. Se esse horizonte não for oferecido agora aos pequenos e médios empresários, haverá falências em série, justamente na base econômica da sociedade, que são os pequenos negócios. Claro que crédito e desonerações também serão necessários, mas sem um parâmetro mínimo de subsídio essas empresas vão quebrar, prejudicando a recuperação econômica pós pandemia;
5) Suspensão de impostos em Tarifas de Serviços Públicos (eletricidade, gás, internet…) com determinação de redução em 50% no valor cobrado pelas concessionárias e impedimento no corte dos serviços (quando a Quarentena passar será possível recompor o valor a partir de planilha de custos transparente). Da mesma forma deve-se assegurar o oferecimento de serviços independente do pagamento. Essa medida tem diversas vantagens: 1) se espalha pelo conjunto da sociedade (de grandes empresas a famílias de baixa renda); 2) permite redução de 75% no valor das tarifas atuais; 3) reduz risco de inadimplência; 4) não adiciona custo fiscal e a momentânea perda de receita pode ser recomposta no futuro.
O Brasil está prestes a enfrentar a maior crise de sua história. Não há tempo a perder!
É preciso apresentar um plano de contingência que seja Justo e solidário, permitindo que todos os brasileiros possam ter segurança de que irão atravessar esse momento difícil com um mínimo de amparo, por mais modesto que seja. Esse plano vai em sentido inverso ao apresentado pelo governo federal (concentrado para grandes empresas e instituições financeiras), pois focado nas pessoas e na economia de base da sociedade. Cabe aprova-lo o quanto antes, diminuindo incertezas e ansiedade das famílias.
O cumprimento deste plano (ou de propostas que sigam na mesma lógica) está diretamente relacionado ao êxito no combate à maior crise sanitária que o Brasil já teve que enfrentar, permitindo que as pessoas possam se recolher em suas casas com a paz e tranquilidade necessárias. Há meios e recursos para bancar esse programa de Renda Básica Emergencial. É o que procurarei demonstrar no próximo artigo.
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Renda Cidadã, para uma quarentena segura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU