11 Abril 2020
Pesquisadores brasileiros consideram impossível estimar quando o pior terá passado no país, mas adiantam que saída do coronavírus exigirá superação do pico de infectados e testes de imunidade abrangentes.
A reportagem é de Larissa Linder, publicada por Deutsche Welle, 10-04-2020.
Foram necessários 76 dias de isolamento e semanas sem novos casos de infectados pelo Sars-Cov-2 para que as autoridades chinesas tomassem a decisão de encerrar a quarentena na cidade de Wuhan, epicentro da pandemia de covid-19. Na quarta-feira (08/04), os 11 milhões de moradores voltaram a sair de suas casas dentro de uma normalidade maior, com a certeza de que o pior já passou – o que está longe de significar que não haverá novas ondas da doença.
A DW Brasil conversou com pesquisadores para entender quando, afinal, o pior terá passado também para os brasileiros. Há ao menos duas certezas: é cedo demais para aliviar qualquer restrição no país, e não é possível responder com segurança quando e como se sairá da quarentena. Em princípio será necessário boa parte da população já estar imunizada, e ter sido superado o pico da curva de infectados.
Encontrar respostas torna-se complexo porque, além de se tratar de um inimigo desconhecido e todo estudo neste momento vir com uma lista de ressalvas, há no Brasil um problema adicional: faltam dados fidedignos, apontam os pesquisadores.
Sem testes em massa e com outros tantos represados em laboratórios, não é possível saber ao certo como a curva de infectados evolui e como a doença avança em diferentes regiões. Assim, fica difícil fazer previsões. Por enquanto, só se sabe que o país se encontra na subida da montanha de novos infectados. Quando chegar ao cume, é impossível prever, dizem os pesquisadores, que olham com muita desconfiança qualquer estimativa do tipo.
"O problema de sair da quarentena é o seguinte: você só vai poder sair com certeza, quando todas as pessoas ou 80% da população estiver imunizada", diz Fernando Reinach, biólogo, professor aposentado da Faculdade de Bioquímica da Universidade de São Paulo e colunista de O Estado de S. Paulo.
Ele aponta duas possibilidades: imunização: pela vacina – que está longe de chegar – ou pela doença . "Acho que a primeira chefe de Estado que falou isso claramente foi a [chanceler federal alemã] Angela Merkel, que disse que achava que 70% dos alemães teriam que pegar o vírus. Como todas as pandemias, só acaba quando o vírus não tem mais quem infectar."
Ele explica que só se verificam os resultados de uma eventual liberação depois de 15 a 30 dias: "Vamos supor que libere hoje [da quarentena], as pessoas começam a se contaminar e a doença começa a se espalhar, 15 dias depois começam a aparecer casos no hospital, 20 dias depois começam a morrer de novo. E aí decidem fechar de novo, e são mais 20 dias para ver o resultado do fechamento."
O pneumologista Carlos Alberto Barros Franco, membro da Academia Nacional de Medicina, lembra que a ideia do isolamento não é evitar que se pegue o coronavírus, mas que não se tenha um grande contingente da população contaminado ao mesmo tempo, sobrecarregando o sistema de saúde.
"A questão não é se vou pegar, é quando. Eu quero pegar quando houver leitos disponíveis, quando puder receber tratamento adequado, porque se não, vai-se morrer não pelo vírus, mas por não conseguir atendimento." Ele, que atende pacientes de covid-19 num hospital particular do Rio de Janeiro, conta que toda a ala separada para o coronavírus já está lotada.
Fala-se muito sobre a superação do pico da curva de infecções como uma linha limítrofe de quando se poderia começar a pensar em relaxar as restrições. Por exemplo: hoje o Brasil está na subida dessa curva, com o número de casos aumentando a cada dia, e teria ultrapassado o pico quando esse número passasse a cair. Contudo, ninguém é capaz de dizer em que momento dessa queda seria seguro suspender a quarentena.
"Até agora, o único país que realmente subiu e desceu a curva foi a China", onde o alívio da quarentena só chegou depois de duas ou três semanas sem registro de novos casos e com cerca de 70% da população imune, explica Reinach.
Para Domingos Alves, professor e pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que trabalha com projeções no grupo de pesquisadores Covid-19, o primeiro passo para se pensar em sair da quarentena é dispor de dados confiáveis, o que não ocorre hoje no Brasil.
"A gente vê muito isso de que as medidas de contenção já surtem efeitos. Eu desafio esses pesquisadores a mostrarem a metodologia deles e mostrar que o intervalo de tempo que estão tomando não excede a faixa de erro do modelo deles. Vemos, por exemplo, em alguns gráficos, que a tendência de subida diminui, depois explode em seguida – até porque tem exame represado."
Segundo Alves, o que precisa ser observado é a tendência da curva, e no momento se está no começo da subida. Ele também alerta que é preciso levar em conta a heterogeneidade do país e dos estados. Por isso não faria sentido liberar um estado inteiro da quarentena ao mesmo tempo: seria preciso estudar características como estruturas etárias e acesso a água.
Considerados pelos profissionais e pesquisadores ouvidos pela DW Brasil um elemento importante no planejamento da saída da quarentena, os testes de imunidade começarão a ser feitos no Brasil em poucos dias. Eles diferem dos de infecção: enquanto estes detectam a presença do vírus, o imunológico serve para detectar a presença e a quantidade de anticorpos, e determinar quem está imune – embora não seja possível afirmar que quem já contraiu o Sars-cov-2 esteja 100% livre de uma nova contaminação.
Brasileiros de diferentes regiões farão exames, como parte de um esforço para começar a testar a população, liderado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com ao menos 12 milhões de reais do Ministério da Saúde, que também pagará pelos testes.
"A ideia é fazer 100 mil testes, distribuídos em três rodadas, de forma que se possa comparar a evolução da epidemia ao longo do tempo", explica um dos coordenadores do projeto, o epidemiologista Aluísio Barros. Como numa pesquisa eleitoral, ao todo serão testados por amostragem habitantes de 133 municípios escolhidos por serem sedes de sub-regiões estaduais.
A testagem imediata de imunidade não é uma unanimidade. Para Alves, diante da falta do gargalo de exames que se tem para determinar os infectados, o Ministério da Saúde deveria estar direcionando os recursos nesse sentido. Já Reinach defende que a saída da quarentena precisa ser planejada desde já.
"O que acho importante deixar claro é que o número de testes que vai ser usado para esta pesquisa é relativamente pequeno, comparado com o total de testes que o ministério comprou, e a importância de conhecer a proporção dos já infectados é enorme, para se poder manejar bem as ações de saúde", justifica o pesquisador da UFPel.
Outros países têm ido nesse sentido. A Alemanha tenta avançar com um projeto de pesquisa sobre um tipo de passaporte da imunidade, permitindo ex-pacientes de covid-19 voltarem à vida normal após serem testados. Pesquisadores do Centro Helmholtz para a Investigação de Doenças Infecciosas planejam testar a imunidade de 100 mil cidadãos. Segundo a revista Der Spiegel, se aprovado, o projeto começará a ser implementado no final de abril.
Em quarentena desde 9 de março, a Itália também estuda algo parecido. Ainda em abril, a região do Vêneto, no norte, deve começar a coletar 100 mil amostras de sangue de toda a região: primeiro de milhares de profissionais de saúde e depois de funcionários públicos, para estudar em laboratórios os anticorpos de quem tem o vírus e de quem se recuperou dele, conforme informações do The New York Times.
No caso do Brasil, Barros diz não saber o que será feito com os dados de imunidade colhidos, e se haverá uma espécie de passaporte de imunidade. Questionado a respeito da medida e sobre seu planejamento para saída da quarentena, o Ministério da Saúde não se manifestara até a publicação desta matéria.
Mas nem todos estão seguros a respeito do passaporte: segundo a pesquisadora da Yale School of Medicine, ouvida pelo jornal português Público, portadores de anticorpos "podem potencialmente transmitir o vírus". Por isso seria prematuro pensar que estão protegidos e não podem transmitir a doença. O diretor do Instituto Pasteur, Stewart Cole, defende que "é preciso mais tempo" para saber quais anticorpos se ligam ao coronavírus e protegem contra a covid-19.
Mesmo tendo decretado o fim do período de isolamento na maior parte do país, o governo chinês mantém controle estrito sobre os cidadãos, e a liberação é gradativa. A brasileira Luana Borges, professora de inglês na província de Xian, conta que a população segue usando máscara facial e sendo submetida a constantes medições de temperatura, além de ser controlada por meio de um código QR (Quick Response code) de saúde municipal.
Em diversas cidades, há um QR para cada habitante, informando sua condição de saúde com base tanto em declarações próprias quanto em dados de que o governo dispõe. Assim, os cidadãos recebem códigos marcados em verde, amarelo ou vermelho.
Somente os residentes com código verde podem circular livremente pela cidade. Os portadores de códigos amarelos e vermelhos devem manter a quarentena e se registrar diariamente numa plataforma de internet para prestar informações, até obterem o código verde.
Longe de impor um controle governamental como o da China, a Itália, país europeu mais afetado pela pandemia, ainda estuda como sair da quarentena. Além de gradativa, a liberação não deverá ser nacional, e o caminho pela frente pode ser maior do que o esperado. Nesta quinta-feira, o número de mortes registradas voltou a crescer: 610 contra 542 na véspera; e os novos casos também aumentaram, de 3.836 para 4.204. A contagem diária foi a mais alta desde 5 de abril, segundo a agência de notícias Reuters.
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Caminho do Brasil até fim da quarentena promete ser árduo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU