22 Março 2020
Vamos aproveitar a reclusão a que estamos submetidos para aprofundar nossa oração, como a revista Prier nos convida a fazer todos os meses. Aprende-se a rezar, pratica-se a oração, a oração desperta uma vida interior mais rica e voltada para os outros.
A reportagem é de Xavier Accart, editor-chefe da revista Prier, publicada por La Vie, 19-03-2020. A tradução é de André Langer.
Em plena Quaresma, o período de reclusão decretado pelas autoridades públicas para “lutar contra um inimigo invisível”, como o descreveu Emmanuel Macron no dia 16 de março de 2020, nos oferece um tempo de retiro e de... oração – uma palavra que pode gerar perplexidade. Quantas vezes ouvi, mesmo entre praticantes: “Eu gostaria de rezar, mas ninguém nunca me ensinou a fazê-lo”?
Em vez de lhes dar uma receita excessivamente restritiva, ofereço-lhes seis grandes características de uma oração autêntica, que os ajudarão a encontrar o seu caminho ou a aprofundá-lo. Ao fazer isso, serão apresentadas as formas essenciais da oração; vocês podem encontrar uma metodologia precisa na edição especial da revista Prier “30 métodos para rezar”.
A primeira dimensão é o Espírito Santo que reza em nós. A oração é uma realidade misteriosa que nos precede. Quer gostemos ou não, ela vive em nossas profundezas, especialmente para nós, batizados, cuja possibilidade de uma vida de plena comunhão com a Santíssima Trindade foi restituída. O Espírito reza em nós, Ele é nossa relação com o Pai. Esse mistério é a base de nossa pessoa, pois é dessa fonte que recebemos a vida, o ser e o movimento. Se essa relação se estancasse, nossa existência se dissiparia como névoa, de acordo com uma imagem bíblica. Nós não temos nossa vida de nós mesmos, não somos seres fechados e autossuficientes!
Se essa relação profunda é a base do nosso ser, temos que nos despertar para isso, entrar conscientemente nessa relação. É por isso que aquilo que Bento XVI chamou de “a arte da oração” é tão precioso. Uma arte que não pode ser tomada como garantida e deve ser cultivada e renovada. Especialmente porque, ao longo da nossa existência, nossa oração se transforma de acordo com as condições externas e internas. Nosso itinerário espiritual não é uma realidade linear. Também podemos experimentar avanços e grandes retrocessos.
Se existem formas variadas de oração, seu mistério é um. Trata-se de uma união misteriosa com Deus no ato de fé. A fé é uma das dimensões essenciais da oração. A fé não é a crença, não é o método Coué que consistiria em convencer-se da veracidade dos artigos do Credo. A fé é, como a caridade e a esperança, uma virtude sobrenatural, isto é, um ato que depende da nossa vontade e que nos dá a graça de participar de Deus, de tocá-lo.
A virtude da fé nos foi dada de maneira permanente no nosso batismo. Portanto, cada vez que fazemos um ato de fé do fundo do coração (dizendo, por exemplo: “Senhor, eu sei que você está aqui” ou “Meu Deus e meu Tudo”), ocorre um intercâmbio misterioso, que vem nos transformar para nos conformar com o que somos. Os Evangelhos apresentam o exemplo da hemorroíssa (Mateus 9, 20-22): sofrendo de perda de sangue que ninguém poderia curar, ela se aproxima de Jesus apertado pela multidão e toca com fé em seu manto. Então uma força sai dele e Jesus se vira para descobrir quem realmente o tocou. Isaac, o sírio, um asceta do século VII, dizia que a fé é a asa da oração e que sem ela a oração retorna para nós. Isso significa que essa virtude sobrenatural permite que nos elevemos além do nosso pequeno eu dobrado sobre si mesmo para acessar o Céu evocado no Pai-Nosso.
Uma das formas mais simples de oração ilustra bem esse ato de fé: são as chamadas “jaculatórias”, fórmulas curtas dirigidas a Deus como flechas. Elas podem ser retiradas dos Salmos, das Escrituras ou emprestadas de um santo – em sua história, a Igreja reconheceu ou atribuiu virtudes particulares a algumas. Cada um pode encontrar aquela que mais o toca. Por exemplo: “Jesus que viveu em Maria, venha e viva em mim” (Senhor Olier), “Jesus, eu confio em ti” (Santa Faustina), “Deus, venha em meu auxílio!” (Salmo 70), etc. Dirigir esses breves gritos a Deus permite que permaneçamos unidos a Ele, que recordemos sua presença, que voltemos a ele para viver e agir em sua presença quando nossa mente estiver dispersa. Mas esses impulsos não são suficientes. Eles existem para manter uma consciência que se aprofunda nos tempos prolongados de oração.
Isso me leva a uma terceira característica da oração: a dimensão do tempo. Uma das coisas mais preciosas que temos para oferecer a Deus é o nosso tempo, o tempo limitado da nossa existência. E, na economia normal da vida espiritual, Deus precisa de tempo para restaurar a semelhança que originalmente tínhamos com Ele. A oração é, portanto, antes de tudo, o tempo que vamos oferecer a Deus, ou melhor, os espaços de tempo que serão reservados ao nosso coração a coração com Ele. Para poder tomá-los, devemos nos convencer de que eles são necessários para o cumprimento de nossa vida e para a salvação dos outros seres humanos. Eles devem ser a prioridade em torno da qual o resto da nossa existência se organizará.
Muitas vezes, tomo um exemplo prático: se você quiser encher uma jarra com pedrinhas grandes e pequenas, com areia e água, deve começar colocando as pedras grandes, depois as pequenas que se ajeitam ao redor das maiores, em seguida a areia e, finalmente, a água. O mesmo vale para o nosso emprego do tempo. Se esses momentos de oração não forem considerados prioritários, sempre cairão no esquecimento. Ora, arrancá-los de nossos dias é uma dimensão do combate espiritual. “O mundo está em chamas”, dizia Teresa d’Ávila, e os Padres do Deserto viam-no como um campo de batalha entre anjos bons e demônios que disputam o coração dos homens.
A liberação de tempo para a vida de oração é uma arma essencial, assim como a fidelidade a esse encontro ao longo das semanas. Quanto à duração desses momentos de oração, eles devem ser combinados com um guia espiritual, se possível. É certo que com menos de 20 minutos por dia, é difícil entrar na oração silenciosa em que penso particularmente. Mas o principal é começar. É uma pena se são apenas cinco minutos no começo, mas o importante é perseverar.
Uma quarta dimensão da qual é importante tomar consciência é a dimensão eclesial, ou a chamada “comunhão dos santos”. Nossa oração nunca é individual e nunca tem por fim único a nossa salvação. Isso é muito importante em um contexto de forte individualismo. Motivados por uma grande sede espiritual, muitos de nossos contemporâneos buscam técnicas de libertação ou estados alterados de consciência.
Em 2001, parti para o Monte Athos, desejoso de saber mais sobre a oração do coração, vista por muitos como uma espécie de ioga cristã. Falei com um monge, no momento abade de um desses mosteiros. Ele me indicou que a oração do coração – “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tende piedade de nós” – era simplesmente a continuação da oração litúrgica ortodoxa que constantemente repete ladainhas do “Kyrie Eleison” (“Senhor, tenha piedade”). Portanto, a nossa oração individual deve ser enxertada na oração da Igreja, porque esta última é a continuação da oração de Cristo, uma oração de intercessão pelos seres humanos e de oferenda do mundo a Deus.
Temos que extrair o dinamismo da nossa oração dessa grande corrente de oração ininterrupta de 2000 anos e animada pelo Espírito Santo. Isso é particularmente ilustrado por uma forma de oração que pode ajudar a estruturar esse momento: a liturgia das horas, que ritma os dias de acordo com as horas do dia. Os ofícios articulam invocação (oração jaculatória), salmodia, intercessão, meditação da Palavra... Nossa oração inscreve-se acima de tudo na Eucaristia, na missa, fonte e cume da Igreja, que é chamada a ser nossa oração e não apenas um lugar onde vamos rezar. A suspensão das missas durante a epidemia permite refletir sobre essa realidade.
Uma quinta dimensão é a palavra de Deus, indissociável do silêncio necessário para sua assimilação. Ela é essencial. É o alimento da nossa oração. Assim se encontra na base da vida monástica a lectio divina, uma meditação sobre as Escrituras que passa do sentido literal ao simbólico, da oração à contemplação. A ideia é que a Palavra seja ativa – tanto na ruminação quanto na sua proclamação litúrgica. Um fio de ouro a percorre, que é o Espírito Santo. E graças a ele, hoje ela nos fala de acordo com nossas perguntas, nossas necessidades.
É importante enfatizar contra a mentalidade que impregna a todos nós que ela possui propriedades particulares. Não a lemos como um texto comum. Existem muitos métodos para se alimentar dele. Podemos projetar sobre ele a imaginação ou deleitar-se com saborear cada palavra, cada frase. Também não devemos hesitar em repetir versículos.
A repetição feita com fé e desejo não é repetição enfadonha, mas aprofundamento do mistério. O rosário é um bom exemplo. Também podemos nos deixar transbordar pela superabundância da Palavra, como na salmodia, mas devemos então fazer breves silêncios (chamados de “pausas”) para deixá-la entrar em nossas profundezas. Como escreveu Anselm Grün no número especial que Prier dedica a ele: “Uma música impregnada de silêncio pode levar a um silêncio mais profundo do que o simples ato de permanecer em silêncio”.
Uma última dimensão a ser levada em consideração é a questão da experiência. A ação de Deus geralmente ocorre em uma profundidade que está além da ordem da sensação. O fruto de sua ação só pode ser medido no longo prazo. No curto prazo, o efeito pode até parecer negativo em certas fases.
Para tomar uma metáfora metalúrgica, os materiais impuros sobem à superfície, o que pode resultar, por exemplo, em certa irritabilidade. Entretanto, repercussões da ação de Deus na psique ou mesmo no corpo são possíveis. Elas serão tanto mais sensíveis quanto menos purificada estiver a alma. Em uma sala cheia de poeira suspensa, o raio de sol pode ser visto com mais nitidez...
Não rezamos para buscar experiências sensíveis ou estados alterados de consciência. Um mestre como Lourenço da Ressurreição, carmelita parisiense do século XVII, percebeu inclusive a atenção dada às graças recebidas como um obstáculo ao conhecimento do próprio Deus. Essa natureza misteriosa também implica que não se pode julgar por si mesmo a qualidade da sua oração. É importante lembrar-se disso para não desanimar com as distrações que assolam a mente na oração silenciosa. Trata-se então de trazer de volta pacificamente e com fé sua atenção para Cristo misteriosamente presente no silêncio, na Eucaristia e nas Escrituras.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Seis chaves para entrar em oração em tempo de reclusão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU