Agravam-se as contradições estruturais do projeto neoliberal

Exploração capitalista. | Imagem: Reprodução

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

10 Janeiro 2020

"Nas últimas décadas, acentua-se simultaneamente a concentração de renda e a exclusão social. Cresce o fosso abissal entre os donos dos meios de produção e a classe trabalhadora. Boa parte do capital sequer entra no mercado de produção. Navega no cassino virtual, volátil e global do capital financeiro, usufruindo oportunisticamente a força e da fraqueza das economias locais e nacionais", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais e vice-presidente do SPM. 

Eis o artigo.

O projeto liberal, historicamente nascido das revoluções científica, tecnológica, industrial e política, no século XIX, funda-se no modo de produção capitalista. Desde o berço abriga em seu DNA profundas contradições estruturais. Não é diferente com a versão contemporânea ou neoliberal. Esta acrescenta, nos dias atuais, uma gestão política nacionalista e populista, num viés ideológico de obtuso retrocesso. No contexto de uma polarização extremada entre avanços e recuos, emergem com força redobrada as contradições assinaladas.

A primeira contradição tem a ver com o consumismo desenfreado versus limites naturais do planeta terra. O projeto do “viver bem”, desfrutando hoje, aqui e agora os bens da natureza e a força de trabalho humana, entra em rota de colisão frontal com o projeto do “bem viver”. Este último tem no cuidado com as relações eu-tu e nas relações do ser humano com o meio ambiente seu conceito chave. Daí a preocupação com as desigualdades sociais, crescentes e estridentes, com a preservação de “nossa casa comum” (Papa Francisco) e com as gerações futuras. Em lugar de um exacerbado consumismo que segue os interesses pessoais e/ou corporativos, aponta para uma sociedade social e ecologicamente justa, democrática e solidária. A devastação egoísta e inescrupulosa daquilo que a natureza coloca à disposição é substituída por uma gestão fraterna e responsável dessa dádiva da criação.

Outra contradição expõe a nudez de um crescimento da produção e da produtividade sem o corresponde aumento dos postos de trabalho. Ao contrário, as inovações tecnológicas aplicadas de forma inadequada, condenam enormes fatias da população à errância. Sequer conseguem o “luxo de serem exploradas”, permanecendo à margem do mercado de trabalho ou nele entrando pela porta dos fundos. Nesta globalização econômica que “exclui, descarta e mata” (Francisco), “os condenados da terra” (Frantz Fannon) sofrem a exclusão social ou a “inclusão preserva” (J. Souza Martins). Gigantesco exército de reserva sem raiz e sem rumo, como aves de arribação, que vem batendo às portas e pressionando as fronteiras, na disputa ingrata pelas migalhas raras e parcas que caem da mesa dos milionários e bilionários, estes últimos ao mesmo tempo magros em número e grossos em riqueza e poder.

Depois temos a contradição que faz de trabalhador e consumidor o mesmo sujeito. Os salários são a promessa do consumo e a realização do lucro, motor que faz gerar a roda da exploração capitalista. À medida que o salário é reduzido, a roda gira mais lenta e os ganhos decrescem. Num primeiro momento, o trabalhador é explorado enquanto vendedor de sua força de trabalho; no segundo momento, é explorado enquanto comprador de outros bens produzidos. Ou seja, se e quando reduzido ao extremo, o salário trava o consumo e o giro da roda. As mercadorias se acumulam, diminuindo a acumulação do capital. O ideal seria se o capitalismo pudesse produzir na terra e vender em outro planeta, explorando sem contradição os dois lados da cadeia.

Nas últimas décadas, acentua-se simultaneamente a concentração de renda e a exclusão social. Cresce o fosso abissal entre os donos dos meios de produção e a classe trabalhadora. Boa parte do capital sequer entra no mercado de produção. Navega no cassino virtual, volátil e global do capital financeiro, usufruindo oportunisticamente a força e da fraqueza das economias locais e nacionais. O pico da pirâmide social se fortalece às custas dos extratos que habitam os andares de baixo. Não sendo trabalhador “qualificado e aproveitável” nem consumidor “regular”, o exército de errantes converte-se em uma “turba de párias descartáveis”. Fora do mercado formal de trabalho, mas dentro das engrenagens que lhe moem os ossos e devoram os sonhos.

Conclui-se, enfim, que os investimentos na tecnologia, progresso e crescimento contradizem uma razoável distribuição de renda. Amplia-se, em lugar diminuir, a dicotomia dualista entre crescimento econômico e desenvolvimento integral, para voltar à temática central da carta encíclica Populorum Progressio, publicada por Paulo VI em 1967.

 

Leia mais