03 Dezembro 2019
Dani Rodrik é um economista original. De origem turca, ele trabalha e ensina há muitos anos nos Estados Unidos. Ele é um dos primeiros economistas contemporâneos a enfatizar a importância de estudar as consequências políticas e sociais da globalização econômica. Defende uma abertura controlada das economias, lamentando a “hiperglobalização” dos anos 1990-2000, que priva os governos de espaços de soberania econômica.
Ele também está trabalhando nas estratégias de desenvolvimento dos países emergentes, enfatizando a necessidade de intervenção do Estado. Está igualmente interessado em definir o que é um “bom” economista. Aberto aos trabalhos heterodoxos, ele não defende menos a cientificidade dos métodos da economia dominante. Seus últimos dois livros, publicados em francês pela DeBoeck Supérieur, são La mondialisation sur la sellette (2018) e Peut-on faire confiance aux économistes (2017).
Dani Rodrik é o ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman e professor de Política Econômica Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard.
A entrevista é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 22-11-2019. A tradução é de André Langer.
Após os adeptos do livre comércio dominarem o debate econômico nos últimos quarenta anos, este parece ser menos o caso agora nos Estados Unidos. Você compartilha esse sentimento?
Eu diria sim e não. A ascensão dos populismos e as guerras comerciais de Donald Trump levaram a se interrogar sobre a ordem econômica mundial assim como tem funcionado até agora. Mas, paradoxalmente, Donald Trump empurrou de tal maneira o pêndulo para o outro lado que isso reforçou o argumento daqueles que defendem a maior abertura possível: se Donald Trump é a alternativa, então é melhor ficar no livre comércio como nós o praticamos nas últimas décadas.
Qual seria o caminho certo?
Penso que a globalização foi longe demais na integração profunda das economias, não apenas com o livre comércio além fronteiras, mas também com o crescente desejo de harmonizar as políticas públicas dentro das fronteiras. Isso não é compatível com um mundo onde as economias são diferentes e onde os governos precisam recorrer a políticas diferenciadas. Isso é óbvio quando se compara, por exemplo, a China e os Estados Unidos, mas é verdade de uma maneira geral.
Precisamos de um novo modelo que podemos chamar de “coexistência econômica pacífica”. Um modelo que reconhece que cada democracia carrega valores diferentes, que os Estados precisam ter um espaço adequado de políticas públicas que nem sempre vão necessariamente na direção de uma maior abertura. Em matéria de direito do trabalho, de política social, fiscal... as multinacionais devem entender que um país pode ser aberto sem ter que aplicar apenas as políticas que atendem aos seus interesses.
Do mesmo modo, fomos longe demais na integração financeira. O Fundo Monetário Internacional (FMI) não mais é hostil aos controles de capitais e os países devem estar em posição de controlar os fluxos financeiros, especialmente os de curto prazo.
Os países deveriam parar de assinar acordos de livre comércio?
Dez ou quinze anos atrás, pensava-se que a assinatura de tais acordos sustentava o dinamismo das economias. Hoje sabemos que esse não é o caso. A abertura comercial provoca efeitos massivos de redistribuição de renda. Eu preferiria que mais tempo fosse gasto implementando políticas nacionais de integração: quanto mais as economias se integram de maneira internacional, mais se desintegram no plano doméstico. Os vencedores da globalização se separaram do resto da sociedade, o que não tem, por outro lado, relação com o aumento dos populismos em muitos países.
No ano passado, você declarou em uma entrevista que “a globalização destroçou as sociedades”. É uma afirmação muito forte.
É o que vemos em todo o mundo. As sociedades estão se tornando cada vez mais divididas, como podemos ver pelo forte aumento das desigualdades. Mesmo em países como a França, onde as desigualdades são mais contidas, a insegurança e a ansiedade estão presentes, especialmente no que diz respeito às perspectivas de renda e emprego, o que alimenta a exasperação social.
É o resultado da desindustrialização pela qual a globalização e a mudança tecnológica são responsáveis. Tudo isso se dá em um cenário em que as instituições de proteção recuaram. Isso é especialmente perceptível nos Estados Unidos com, por exemplo, a perda do poder dos sindicatos.
Existe uma resposta econômica para a ascensão dos populismos?
A ascensão dos populismos é geralmente explicada de duas maneiras: ou pela deterioração das condições econômicas ligadas à globalização, à mudança tecnológica, à austeridade...; ou por fatores culturais, uma evolução dos valores em direção à rejeição do outro, a xenofobia... Parece-me que é mais fácil para os partidos extremos mobilizar esse tipo de sentimentos nativistas quando as pessoas vivem na insegurança econômica.
Deste ponto de vista, uma resposta econômica a essa insegurança parece-me importante. Nos Estados Unidos, isso significaria mais investimentos públicos em educação, ma infraestrutura, a criação de empregos nas áreas com maiores dificuldades. Essas políticas poderiam ser financiadas por uma política tributária mais progressiva, incluindo um imposto sobre a riqueza. Também significaria dar um poder maior aos sindicatos e fortalecer a luta contra o poder dos monopólios. Precisamos testar essas políticas; algumas serão mais eficazes e outras menos, mas estamos em um estágio em que precisamos ser ousados.
Quem será o candidato democrata nas próximas eleições presidenciais?
Eu não sei! Mas espero que seja um dos candidatos da ala progressista: Bernie Sanders ou Elisabeth Warren.
Donald Trump pode ser derrotado?
Espero que sim! Mas devemos pensar a longo prazo. Penso que Donald Trump é apenas o sintoma do que está acontecendo nos Estados Unidos. A coisa mais importante além de vencê-lo em 2020 é responder aos problemas da sociedade americana. A pior coisa que pode acontecer não é Donald Trump, mas um futuro Donald Trump mais inteligente. Uma vitória de Joe Biden, de alguém que não atacaria de maneira resoluta os problemas que minam a sociedade americana, seria uma vitória de Pirro.
Após a crise da década de 1930, a ciência econômica foi profundamente transformada. O mesmo não aconteceu depois da crise do subprime. Por quê?
Certamente nós estamos em uma situação idêntica à da década de 1930, na medida em que precisamos inventar um novo capitalismo.
Mas a crise era muito mais violenta na época com um quinto da população desempregada. Entendo que nossa transformação se faz hoje de maneira mais gradual. Mas acho que está acontecendo.
Você leu o estudo de James Heckman sobre “a tirania do top 5”? Ele critica o peso exorbitante das cinco maiores revistas americanas de economia na seleção dos economistas e denuncia a reprodução das ideias dominantes que elas encorajam.
Absolutamente. Em algum momento da história, toda ciência considera o que é aceitável, estabelece-se um consenso sobre o que é um bom trabalho. Isso tem a vantagem de hierarquizar facilmente os diferentes trabalhos de acordo com a qualidade de sua utilização das ferramentas disponíveis. Mas isso comporta a desvantagem de que é difícil entrar no coração da reflexão com novos métodos e novas ferramentas.
No entanto, defendo a ideia de que a ciência econômica progrediu nas últimas décadas, tornando-se mais rigorosa, mesmo que não tenha deixado espaço suficiente para aqueles que querem fazer economia fora de seu ambiente dominante. Desejo permanecer nesta posição mediana de abertura aos trabalhos heterodoxos, mas sem perder as vantagens do mainstream.
Diante das escolhas de política econômica, o trabalho empírico torna possível a escolha da solução certa?
Eu acho que a análise empírica nunca é conclusiva. A realidade econômica depende muito do contexto, ela é tão maleável que nenhum resultado preciso pode ser generalizado. Esse é um dos problemas com o método dos experimentos aleatórios.
Essas experiências locais são interessantes, mas seus resultados precisam ser tomados com cautela, pois é difícil determinar como você pode usá-los para definir políticas em uma escala mais ampla e em contextos diferentes.
Quando você faz isso, entra uma parte maior de julgamento e as escolhas se tornam mais desordenadas. Um acúmulo de análises empíricas que vão na mesma direção apenas aumenta o nível da barreira a ser atravessada para defender um resultado contrário.
Os economistas são cientistas puros?
Os economistas não escapam mais que os outros aos vieses pessoais, na escolha dos temas e dos resultados que desejam destacar. Mas, no final, ao oferecer uma caixa de ferramentas padrão, a economia permite que pessoas com ideias diferentes continuem a debater entre si, sabendo o que as diferencia, o que é muito útil.
Como você vê o futuro da ciência econômica?
Como sempre fez, a ciência econômica continuará a mudar. O trabalho sobre o big data é útil, mas não é suficiente para entender o mundo. Penso, portanto, que o pêndulo penderá a favor de trabalhos mais teóricos, porque precisamos reinventar as instituições do capitalismo.
Você acha que os economistas dominantes estão abertos a novas ideias?
Eu acredito que os economistas estão abertos a qualquer coisa que possa ser expressa na linguagem da ciência econômica. Deixe-me dar um exemplo: as abordagens psicológicas da economia comportamental não chegaram dizendo “sua hipótese de racionalidade econômica é não importa qual”. Seus defensores disseram: “Acreditamos que os agentes econômicos otimizam seu comportamento sob restrições, pensamos que as curvas de utilidade que permitem avaliar a satisfação dos consumidores de acordo com a quantidade de bens consumidos são úteis... Mas se você ajustar um pouco essas ferramentas, podemos destacar comportamentos que não seguem a plena racionalidade dos agentes econômicos. Sem questionar os fundamentos de sua abordagem, podemos incluir desvios de comportamento sempre respeitando o rigor formal de suas ferramentas”.
Isso permite importar na ciência econômica os resultados provenientes, no caso deste exemplo, da psicologia, mas também de outras ciências sociais. Assim, os economistas podem avançar. É um passo que nos ajudará a ir mais longe na próxima vez.
Os economistas são intelectualmente fechados se lhes opusermos que os seus métodos não são válidos. Mas eles são muito abertos se você lhes disser: seus métodos são bons, mas mudemos esse aspecto em particular e isso lhe permitirá trabalhar com representações mais próximas da realidade. Temos nossos hábitos de pensamento e, para fazer evoluir nossas ideias, precisamos nos propor ideias melhores falando nossa língua.
Mas com sua abordagem, fica impossível qualquer revolução científica! Nós nunca poderíamos ter tido, por exemplo, um John Maynard Keynes que muda radicalmente a maneira de pensar a economia.
Certamente, a ciência se protege contra as revoluções. De fato, Keynes foi absorvido pela disciplina e suas ideias “arranjadas” para permanecerem compatíveis com o mainstream. Alguns dizem que muitas de suas ideias originais foram abandonadas. Mas seu verdadeiro impacto inicial foi que seu trabalho foi reescrito na linguagem dominante. Mais tarde, o acento foi colocado em outros aspectos, como o papel fundamental da incerteza, o espírito animal... que foram integrados em novos modelos nos quais a demanda pode ser insuficiente e a economia pode se encontrar em equilíbrio com um desemprego elevado.
Mas não quero rejeitar sua ideia. É verdade que, quando o mundo se transforma profundamente, você precisa de uma revolução nas ideias, pois o conhecimento evolui apenas nas margens. Mas o que é diferente com a ciência econômica é que ela progride desenvolvendo suas ferramentas de representação do mundo não pela descrição da economia assim como ela funciona concretamente. Essa também é a crítica que podemos fazer a ela. Quando você começa os estudos de economia, não se explica como funciona a economia francesa ou a americana; você aprende um certo número de técnicas e recebe ferramentas.
Para mudar a ciência econômica, você deve usar as ferramentas disponíveis, mudar as hipóteses e trazer novos resultados que mudem nossa visão do mundo.
Em quais temas trabalhará nos próximos anos?
Sobre o desafio dos “bons” empregos. Refiro-me, com isso, não apenas a um nível de remuneração que coloca você na classe média, mas empregos estáveis, com uma cobertura social, horários regulares. Não os empregos que mergulham na insegurança econômica e na ansiedade social, do tipo que criamos muitos. Que instituições econômicas são necessárias para desenvolver bons empregos em um mundo em que a globalização e as mudanças tecnológicas os tornam escassos?
Precisamos elaborar uma nova política industrial, no sentido amplo, que integre os diferentes níveis territoriais de decisão política, as empresas, as instituições de ensino e de formação. Precisamos que os empregadores internalizem o custo social ligado à insuficiência de criar bons empregos.
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“Precisamos inventar um novo capitalismo”. Entrevista com Dani Rodrik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU