25 Setembro 2019
Há vários anos, o economista argentino Julio Gambina, que também é doutor em ciências sociais e presidente da Fundação de Pesquisas Sociais e Políticas, vem apontando que nem intelectuais e nem governos progressistas conseguem superar, em suas políticas e propostas, o marco do capitalismo.
A reportagem é de Alejandro Zegada, publicada por El País Bolívia, 22-09-2019. A tradução é do Cepat.
Nesta semana, Gambina reiterou que nos vários debates midiáticos e presenciais dos quais vem participando “são analisadas propostas sobre o que deve ser feito em questões econômicas, no país, na região e no mundo, com um importante limite estrutural e ideológico que se refere ao que fazer no marco do capitalismo”.
O especialista critica que no senso comum de intelectuais e profissionais parece “inimaginável pensar em ir além e contra o capitalismo. Não existe, em geral, o imaginário intelectual de superação da ordem capitalista, o que constitui um freio para se pensar e propor uma ordem alternativa, ou processar um rumo de transição do capitalismo para outra ordem social produtiva, o que implica outras formas de distribuição, mudança e consumo social”.
Gambina já havia feito uma crítica semelhante anos atrás, em 2013, quando visitou Tarija como convidado do 6º Encontro de Economistas, ocorrido nesta capital.
Na ocasião, em conversa com o jornal El País, destacou a urgência de que a América Latina, o quanto antes, faça decolar o que chamou de Nova Arquitetura Financeira. “Isso significa que os países orientem seus RIN para desenvolvimentos financeiros alternativos”, como a formação de alianças estratégicas em matéria energética, de soberania alimentar e autonomia produtiva e financeira entre os países.
No entanto, também alertou que os principais obstáculos para avançar nessa direção estavam dentro dos próprios governos progressistas da região, identificando que “existe uma trava, se preferir, ideológica, de que apenas se deve buscar soluções no marco do capitalismo. Penso que a grande limitação é que não há imaginação para além da ordem capitalista, e é por isso que acaba havendo uma subordinação ao potencial de fazer o que é possível, e não imaginando que é possível ir além”.
O sonoro fracasso do Banco do Sul e outras iniciativas desse tipo mostram que não se conseguiu destravar a mente e a vontade política dos governos de esquerda. Ao contrário, a restauração neoliberal marcou um retrocesso para aquela incipiente intenção transformadora.
“Para além dos discursos ou dos saberes profissionais dos governantes, ou dos balanços macroeconômicos dos países, o excedente que continua sendo gerado é produto da exploração da força de trabalho e é apropriado por vários mecanismos de transformação da mais-valia nas formas transfiguradas de lucro, seja renda, benefício empresarial, juros bancários ou qualquer uma das formas assumidas pela expropriação do trabalho social ”, explica Gambina.
Por isso, propõe “pensar na transição para construir alternativamente”. Nesse sentido, atuar a partir da transição para uma produção e circulação alternativas “implica assumir o ponto de partida da hipótese da Economia Política, na medida em que é o trabalho o criador de valor, claro que desdobrado com o desenvolvimento teórico de Marx com a crítica da Economia Política ao sustentar a origem do excedente econômico na exploração da força de trabalho”.
O economista argentino considera que é a partir do trabalho organizado socialmente que é possível pensar em alternativas, o que supõe a mudança da lógica produtiva. “Não se trata de procurar investidores, mas, sim, de organizar solidariamente o trabalho social para produzir, distribuir, intercambiar e consumir”, afirma.
“Claro, a primeira coisa a ser feita supõe desmontar o atual modelo de produção, o que requer um período de transição, já que o mecanismo não pode ser desmontado da noite para o dia”, esclarece o especialista.
Talvez o único governo da “maré rosa” ou da onda progressista que sobrevive na América do Sul seja o da Bolívia.
A Bolívia de Evo Morales conta com quase 14 anos de estabilidade política, que com acertos e desacertos se traduziu em uma estabilidade econômica que, no entanto, recém-começa a enfrentar os limites de um modelo que, para além da retórica, nunca se atreveu a realmente olhar para além do sistema, ao contrário, limitou-se a administrá-lo de uma forma melhor que seus antecessores neoliberais.
Assim, entre 2006 e 2019, o que se fez foi buscar consolidar o setor estadual desse Estado plurinacional “em transição” para um Bem Viver que foi ficando em segundo e terceiro plano.
Sim, o caso boliviano se destaca por ser o país com o maior crescimento econômico dos últimos anos. Contudo, a continuidade de um modelo produtivo que contradiz crescentemente os postulados do Bem Viver coloca em dúvida que a “transição” seja tal.
Sim, os limites do subdesenvolvimento, o atraso e a ausência de desenvolvimentos tecnológicos e científicos autônomos, que garantam a viabilidade de outro modelo produtivo, de distribuição, intercâmbio e consumo, apontados por Gambina, são problemas difíceis de superar. Contudo, sem passos concretos também não há nada a comemorar. Uma transição não poderia ser eterna, a menos que esse seja precisamente o objetivo.
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“Parece inimaginável pensar em ir além do capitalismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU