Enquanto a economia brasileira se recupera lentamente, o índice de desemprego no Rio Grande do Sul continua elevado. No 3º trimestre de 2019, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua registrou o maior número de desempregados desde 2012. De acordo com Walter Rodrigues, coordenador da Pnad Contínua no estado, atualmente o Rio Grande do Sul tem 106 mil pessoas buscando emprego há mais dois anos e “este é o maior contingente de pessoas procurando trabalho no período de dois anos ou mais”. Segundo ele, “apenas 50 mil dos 106 mil desocupados por dois anos ou mais têm no mínimo o ensino médio completo ou equivalente. Isso pode mostrar que, mesmo com uma escolaridade média ou superior, esses desempregados enfrentam dificuldades de uma nova colocação no mercado de trabalho. No entanto, a maioria dos desocupados nesta condição de procura de emprego tem menos que o ensino médio ou equivalente, enfrentando uma barreira a mais para conseguir emprego”. O maior índice de desemprego no estado é entre as mulheres e jovens com idade entre 16 e 29 anos, seguido de pessoas com faixa etária entre 30 e 49 anos.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Rodrigues também apresenta os dados dos desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho porque não encontraram oportunidades no mercado. “São pessoas que têm dificuldades para consumir, resumindo o seu consumo, quando ainda têm uma reserva de dinheiro, para itens essenciais à sua sobrevivência. Como resultado, comércio, serviços, indústria e produção primária têm menos demanda no mercado interno, gerando, em muitos casos, o aumento da desocupação em um círculo vicioso. Também são pessoas que têm extrema dificuldade em manter contribuições previdenciárias, refletindo negativamente no futuro da seguridade social”.
Na avaliação dele, o desemprego de 11,08% registrado no país no 3º trimestre indica que “o desemprego continua resistente em virtude de uma retomada do crescimento extremamente tímida. Uma economia que não se recupera da recessão de uma maneira vigorosa não gera uma demanda considerável por mão de obra”.
Walter Rodrigues (Foto cedida pelo entrevistado)
Walter Rodrigues é analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e coordenador da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua no Rio Grande do Sul.
IHU On-Line - Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua, no terceiro trimestre deste ano, 106 mil pessoas buscam emprego no Rio Grande do Sul há dois anos. Como o senhor interpreta esse número? Como se chegou a essa marca?
Walter Rodrigues - Este é o maior contingente de pessoas procurando trabalho no período de dois anos ou mais, em toda a série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012, representando quase um quinto dos 540 mil desocupados no trimestre. Este número é 3,75 vezes maior que o menor contingente para um terceiro trimestre no nosso Estado, verificado no 3º trimestre de 2014, quando foi estimado em 28 mil pessoas que estavam à procura de trabalho por igual período. Desde então, este contingente de desempregados só vem aumentando.
Com a manutenção do desemprego em patamares elevados, muitas pessoas que perderam o emprego durante a crise econômica ou que tentam ingressar pela primeira vez no mercado de trabalho desde então, encontram dificuldades pela baixa demanda por mão de obra na economia gaúcha e pela desatualização causada por tanto tempo fora do mercado de trabalho. Isso gera um efeito cumulativo, pois a cada trimestre, desde o 3º de 2015, novos contingentes de desocupados juntam-se a este grupo com os que nele já estavam e que dele não conseguiram sair.
Pessoas de 14 anos ou mais de idade, desocupadas na semana de referência, por tempo de procura de trabalho:
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral - Tabela 1616 do SIDRA
IHU On-Line - Qual é o perfil dessas pessoas que buscam emprego há mais de dois anos?
Walter Rodrigues - Na maioria são mulheres (68 mil). Quanto à idade, as faixas etárias com maior concentração são as de 16 até 29 anos (48 mil) e de 30 até 49 (41 mil). Já em relação à escolaridade, os dois maiores grupos são os que têm até o fundamental completo ou equivalente e o ensino médio completo ou equivalente, ambos com 44 mil pessoas.
IHU On-Line - Comparando com o dado nacional, como está o Rio Grande do Sul no que diz respeito ao número de desempregados? E quais fatores incidem mais sobre a realidade gaúcha?
Walter Rodrigues - A taxa de desocupação se manteve estatisticamente estável na comparação com o 3º trimestre de 2018 para o país e o Rio Grande do Sul. No entanto, tivemos no estado um aumento de 11,1%, com um acréscimo de 54 mil desocupados, enquanto no país o aumento do número de pessoas desocupadas foi de 0,5%, com mais 65 mil desempregados.
Podemos dizer que o comportamento do mercado de trabalho é reflexo do desempenho dos diversos setores da economia gaúcha e da demanda destes setores por mão de obra.
IHU On-Line - Num comparativo, quais as regiões do país com maior número de pessoas que buscam emprego há dois anos ou mais?
Walter Rodrigues - A região Sudeste tem o maior número, reflexo da maior população, mas, proporcionalmente, é na região Nordeste que está o maior percentual de desocupados nesta condição.
IHU On-Line - Em termos metodológicos, o que diferencia um desempregado, uma pessoa que busca emprego e um desalentado, aquele que desistiu de buscar emprego? E, na prática, o que faz de um desempregado um desalentado?
Walter Rodrigues - Desempregados ou desocupados são pessoas que, na semana de referência, estavam sem trabalho (que geram rendimentos para o domicílio) e que tomaram alguma providência efetiva para trabalhar e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência.
Já desalentados são pessoas que desistiram de fazer uma busca efetiva por trabalho, mas gostariam de ter um trabalho e estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência. Essas pessoas não procuraram trabalho porque acreditavam que não o encontrariam por razões de mercado, tais como:
Quando alguém desiste de procurar trabalho, deixa de ser desocupado e passa a ser desalentado.
IHU On-Line - Quais os impactos econômicos e sociais desse grande número de desempregados e desalentados no Brasil?
Walter Rodrigues - São pessoas que têm dificuldades para consumir, resumindo o seu consumo, quando ainda têm uma reserva de dinheiro, para itens essenciais à sua sobrevivência. Como resultado, comércio, serviços, indústria e produção primária têm menos demanda no mercado interno, gerando, em muitos casos, o aumento da desocupação em um círculo vicioso. Também são pessoas que têm extrema dificuldade em manter contribuições previdenciárias, refletindo negativamente no futuro da seguridade social.
IHU On-Line – Uma parcela das pessoas que busca emprego há dois anos ou mais no Rio Grande do Sul tem ensino médio completo. O que esse dado revela?
Walter Rodrigues - Apenas 50 mil dos 106 mil desocupados por dois anos ou mais têm no mínimo o ensino médio completo ou equivalente. Isso pode mostrar que, mesmo com uma escolaridade média ou superior, esses desempregados enfrentam dificuldades de uma nova colocação no mercado de trabalho. No entanto, a maioria dos desocupados nesta condição de procura de emprego tem menos que o ensino médio ou equivalente, enfrentando uma barreira a mais para conseguir emprego.
IHU On-Line - O IBGE também revela que neste trimestre o desemprego ficou em 11,08%. Como o senhor analisa esse número? Em que medida revela que a recuperação econômica ainda é algo distante?
Walter Rodrigues - Essa taxa de desocupação do país mostra que o desemprego continua resistente em virtude de uma retomada do crescimento extremamente tímida. Uma economia que não se recupera da recessão de uma maneira vigorosa não gera uma demanda considerável por mão de obra.
IHU On-Line - O senhor também tem trabalhado com dados sobre saúde materno-infantil. É possível traçar relações entre esses dados e o número de desempregados e desalentados?
Walter Rodrigues - Na Pnad Contínua não temos, até o momento, nenhum suplemento relacionado à saúde. O cruzamento entre saúde e mercado de trabalho será possível com a conclusão da Pesquisa Nacional de Saúde - PNS que o IBGE está realizando neste segundo semestre de 2019.
IHU On-Line - A partir desses últimos dados da Pnad Contínua, pode-se constatar uma queda na renda dos trabalhadores gaúchos? E que relação podemos estabelecer com os números nacionais?
Walter Rodrigues - Não verificamos queda nem no rendimento médio, mantendo-se estável (+2,7%), nem na massa de rendimento, que teve uma elevação de 5,4%. Como tivemos um acréscimo de mais 54 mil pessoas desocupadas e mais 111 mil pessoas ocupadas no mercado de trabalho gaúcho no 3º trimestre, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, o resultado foi um saldo de 57 mil postos de trabalho ocupados.
O crescimento da massa de rendimentos é explicado por esse acréscimo de remunerações. No entanto, o rendimento médio se manteve estatisticamente estável porque a média de rendimento dos que entraram no mercado de trabalho foi semelhante à dos que já estavam.
A massa de rendimentos é a soma dos rendimentos brutos habitualmente recebidos de todas as pessoas ocupadas em todos os trabalhos que tinham na semana de referência — há preços médios do trimestre mais recente que estão sendo divulgados com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
Acesse aqui a tabela completa de dados.
IHU On-Line - E com relação aos índices de pobreza no estado, o que revelam os dados deste último trimestre? Como o senhor interpreta esses dados tendo em perspectiva o cenário nacional?
Walter Rodrigues - Os dados relacionados à pobreza, divulgados recentemente, são anuais e referem-se à série histórica 2012-2018. Na comparação com 2014, ano em que a pobreza e o desemprego eram menores, percebemos um crescimento da pobreza, assim como do desemprego em nível nacional, na Região Sul e no Rio Grande do Sul. Isso mostra a clara relação entre pobreza e mercado de trabalho.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Walter Rodrigues - Todas as informações divulgadas pelo IBGE são fruto da aplicação de metodologia preconizada pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, fazendo da Pnad Contínua uma referência mundial em pesquisas estatísticas relacionadas ao mercado de trabalho.
Além da adequação metodológica, temos que destacar o trabalho dos entrevistadores, supervisores e todo o pessoal envolvido na coleta de dados, na apuração e na divulgação da Pesquisa. Em especial, temos que agradecer aos moradores dos domicílios selecionados para esta pesquisa por amostra, que recebem os nossos entrevistadores e entrevistadoras, fornecendo informações fidedignas, protegidas pelo sigilo estatístico, que não pode ser rompido nem mesmo por ordem judicial, como já decidido na justiça brasileira.