Sem consenso global, Brasil busca mapa do caminho com cientistas e petroleiros para manter viva a proposta de fim dos fósseis

Foto: Kelly/Pexels

Mais Lidos

  • A luta por território, principal bandeira dos povos indígenas na COP30, é a estratégia mais eficaz para a mitigação da crise ambiental, afirma o entrevistado

    COP30. Dois projetos em disputa: o da floresta que sustenta ou do capital que devora. Entrevista especial com Milton Felipe Pinheiro

    LER MAIS
  • "A ideologia da vergonha e o clero do Brasil": uma conversa com William Castilho Pereira

    LER MAIS
  • O “non expedit” de Francisco: a prisão do “mito” e a vingança da história. Artigo de Thiago Gama

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

24 Novembro 2025

Entre avanços diplomáticos e contradições domésticas, Brasil tenta transformar em roteiro global a proposta de eliminar gradualmente petróleo, gás e carvão. Estudos que baseiam a proposta do mapa do caminho apresentado em Belém devem reunir agências internacionais, cientistas e representantes do setor petrolífero, enquanto o país mantém aberta a exploração de novas reservas na Amazônia.

 A informação é de Fábio Bispo, publicada por InfoAmazônia, 23-11-2025. 

Um mapa ainda sem rumo definido — e que expôs as contradições e disputas centrais da crise climática — começou a ser traçado em Belém com o encerramento da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). Proposto pelo presidente Lula (PT) já na abertura da Cúpula de Líderes, que antecedeu a conferência, o “mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis” dominou os debates nas duas semanas da reunião e conquistou o apoio de dezenas de países, mesmo tendo sido anunciado poucas semanas depois de o próprio governo autorizar a perfuração de poços de petróleo na costa amazônica.

Sem menções aos combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelo aquecimento do planeta, nos textos da agenda oficial das negociações, a proposta acabou se tornando um dos temas mais comentados da COP, pautando encontros paralelos e articulações diplomáticas, mas enfrentou forte resistência por parte de países produtores de petróleo e gás. Na primeira semana de negociações, a proposta apareceu nos rascunhos de textos, mas enfrentou resistência imediata de nações petrolíferas, lideradas pela Arábia Saudita, Rússia e Índia, pelo tema não constar na agenda oficial.

No meio da segunda semana, Lula voltou à Zona Azul, onde ocorrem as negociações, para tentar costurar um consenso. Uma versão preliminar do documento do Mutirão (principal pacote político do acordo de Belém) chegou a mencionar a criação de um “mapa voluntário” para a saída dos fósseis dentro do Acordo de Paris. Com os debates sobre financiamento e adaptação travados, o chamado mapa do caminho (roadmap, em inglês) para o fim dos fósseis era o grande resultado político esperado do encontro. Mas a proposta não entrou no texto final, que evitou qualquer menção aos combustíveis fósseis.

Um grupo de 29 países — entre eles Colômbia, Chile, Panamá, Alemanha e Dinamarca — ameaçou não assinar o acordo sem a inclusão do mapa do caminho, mas acabou cedendo.

“Estava um placar tipo 85 a 80, que a gente mais ou menos identificou, e como vocês sabem, tem que ser de 195 a 0”, disse Ana Toni, CEO da COP30, ao citar um placar estimado da divergência sobre o tema entre os países da convenção.

Sem acordo entre as 195 delegações, a saída à brasileira foi empurrar o tema para uma trilha paralela, anunciada por Corrêa do Lago na plenária final de sábado (22). Sob sua coordenação direta, a presidência da COP30 prometeu entregar, até a COP31, na Turquia, um documento técnico que subsidie novas discussões sobre o fim dos combustíveis fósseis. O roteiro, contudo, não é vinculante à Convenção do Clima e não cria obrigações para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, servindo apenas como uma plataforma voluntária de diálogo entre os países que apoiaram a iniciativa, algo em torno de 80 nações.

A primeira reunião desse grupo está prevista para abril de 2026, na Colômbia, durante a primeira conferência internacional dedicada à transição dos combustíveis fósseis.

Durante a COP30, em Belém, a Colômbia ganhou destaque ao anunciar toda a sua Amazônia como zona livre de petróleo, durante encontro de ministros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Na ocasião, provocou as demais nações que abrigam a maior floresta tropical do mundo a seguir o mesmo caminho.

Divisão exposta na plenária final

A solução encontrada pela presidência da COP30 gerou reações imediatas durante a plenária final. Países como Colômbia, Panamá e Uruguai exigiram que a menção à “transição para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa” fosse mantida no programa de mitigação.

A negociadora colombiana interrompeu a sessão e declarou: “Esta é a COP da verdade, a COP da confiança, e não pode apoiar um resultado que ignore a ciência.” Ela lembrou que “quase 75% das emissões globais de CO₂ vêm dos combustíveis fósseis” e que “não há mitigação se não pudermos discutir a transição com base na ciência e na justiça”.

Na direção oposta, Arábia Saudita, Rússia, Índia e Nigéria reagiram com ironias e críticas à pressão latino-americana. O representante russo acusou os países da região de “se comportarem como crianças que querem todos os doces”. A Nigéria afirmou que “a transição energética não pode ser imposta” e deve respeitar “as realidades econômicas nacionais”, enquanto a Índia, em nome do grupo BASIC, bloco de quatro países recentemente industrializados (Brasil, África do Sul, Índia e China), rejeitou reabrir o debate sobre os fósseis.

Em meio ao embate, o Secretário de Segurança Energética e Emissões Zero do Reino Unido, Ed Miliband, saiu da plenária e resumiu a ambiguidade do resultado aos jornalistas: “Eu teria preferido que a transição para longe dos combustíveis fósseis tivesse sido incluída no texto, mas países-chave se opuseram. Mesmo assim, há elementos suficientes neste acordo para que o Brasil lance esse roteiro crucial. É um avanço, ainda que limitado.”

A União Europeia, por sua vez, defendeu a continuidade das discussões sobre a transição energética, mas concordou em apoiar o texto do acordo climático apresentado na plenária, conhecido como Pacote de Belém, sem a menção aos combustíveis fósseis.

“A ciência nos diz claramente que as emissões globais precisam cair muito mais rápido. A Europa está fazendo a sua parte. Tínhamos a esperança de que Belém nos desse uma resposta global para acelerar ambição e ação e mostrar como vamos fechar a lacuna para 1,5 °C. O pacote à nossa frente é, em certa medida, uma oportunidade perdida. Ainda assim, a UE não irá se opor a este pacote”.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, foi desde o início a principal defensora da proposta brasileira. Em sua fala final, evocou a Conferência Rio-92, que deu origem às COPs, e afirmou que se pudesse voltar no tempo, diria a si mesma que “a urgência deveria falar mais alto que qualquer outro interesse”.

Em que pese ainda não ter sido possível o consenso para que esse chamado entrasse nas decisões desta COP, o apoio que recebeu de muitas partes e da sociedade fortalece o compromisso da atual presidência de elaborar dois mapas do caminho: um sobre deter e reverter o desmatamento e outro sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis, de maneira justa, ordenada e equitativa. Ambos serão guiados pela ciência e serão inclusivos.” — Marina Silva, ministra do Meio Ambiente

Ao discursar na plenária final da COP30, Marina foi ovacionada pelos representantes das 195 nações, que a aplaudiram de pé por mais de três minutos.

Mapa vai reunir estudos em meio a dilemas nacionais sobre exploração na Amazônia

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirmou que o roteiro será elaborado a partir de estudos já encomendados pelo MMA para definir caminhos de transição energética. “O objetivo é construir um documento técnico robusto, baseado em evidências e no diálogo entre países produtores e consumidores de energia”, explicou.

Segundo o diplomata, o Brasil pretende envolver cientistas e a própria indústria do petróleo na construção do plano, com apoio de instituições como a Agência Internacional de Energia (AIE), a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) e até mesmo o cartel da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que segundo ele, “tem muita pesquisa sobre o tema”.

“Queremos reunir a maior inteligência possível sobre energia fóssil e organizar essa informação por meio de reuniões, seminários e estudos”, disse Corrêa do Lago.

De acordo com André Corrêa do Lago, o roteiro do mapa deve se apoiar em estudos técnicos, incluindo propostas já encomendadas pela Presidência da COP30. A InfoAmazonia apurou que um desses estudos é o relatório “Transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”, elaborado a pedido do MMA e apresentado como subsídio para o mapa do caminho. O estudo foi realizado pela consultoria Catavento e apoiado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), representante do setor petrolífero, e pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS). A segunda versão, que inclui também o setor de carvão, foi entregue à presidência da COP30 em agosto deste ano. Ele foi citado pelo presidente da COP30 como um exemplo de como o roteiro será construído, reunindo o máximo de informações sobre o tema.

“Nós já começamos esse estudo, a ministra Marina Silva já tinha pedido e a Ana Toni tinha encomendado, nós começamos esse estudo com um trabalho que eu acho que nos mostrou que seria possível a gente fazer isso. E mais do que possível, interessantíssimo. Porque o primeiro trabalho que a gente encomendou já nos mostrou o mundo de uma maneira diferente”, anunciou Corrêa do Lago.

O estudo analisa a capacidade de 11 países adaptarem suas matrizes energéticas e os distribui em três grupos, definidos conforme o grau de urgência e viabilidade da transição dos combustíveis fósseis. Nesse conjunto, o Brasil é classificado como “potencial intermediário de adaptação”, atrás de Alemanha, China, Canadá e Estados Unidos, classificados como os que deveriam liderar a saída dos fósseis.

Na outra ponta entre os países avaliados, Índia, Arábia Saudita e Nigéria figuram no grupo dos adapters, que, segundo o estudo, demandam mais apoio para avançar na transição energética.

Na prática, isso significa que o Brasil, que tenta liderar o debate global sobre o fim dos fósseis, continuaria explorando petróleo por mais alguns anos. Uma solução que espelha o dilema interno do governo Lula sobre a exploração na Foz do Amazonas e a pressão de empresas estrangeiras como as norte-americanas ExxonMobil e Chevron, principais vencedoras do último leilão na costa amazônica brasileira.

Segundo a assessoria da presidência da COP30, a proposta é semelhante ao mapa Baku-Belém, aprovado também como medida lateral à convenção do Azerbaijão no ano passado (COP29), que reuniu esforços das duas nações na construção de um roteiro para o financiamento climático alcançar 1,3 trilhão de dólares.

Um balanço agridoce

O mapa dos fósseis proposto pelo Brasil sobreviveu politicamente, mas saiu da COP30 sem força normativa.

Para o especialista em políticas climáticas do Instituto Talanoa, Caio Victor Vieira, “a COP termina com um sentimento agridoce”. Apesar de avanços pontuais, ele avalia que o texto final não tratou das emergências que exigem respostas imediatas.

Vieira destaca que a proposta brasileira, mesmo que paralela, dá um recado importante sobre o quadro das nações-membros da convenção, mas é cético quanto aos resultados necessários.

Na avaliação do Greenpeace, o desfecho ficou aquém do necessário. “A decisão da Presidência de criar os dois mapas do caminho – tanto para zerar o desmatamento quanto para o fim dos combustíveis fósseis – tem gosto de prêmio de consolação”, disse Carolina Pasquali, diretora da ONG no Brasil.

Ainda sem mapa, fim dos fósseis no Brasil está indefinido

Questionada pela InfoAmazonia sobre quando o Brasil iria anunciar o fim dos fósseis como exemplo na própria bandeira que levantou, a ministra Marina Silva disse que “o próprio presidente Lula disse que está convencido de que a gente precisa fazer mapas do caminho”.

No último 17 de novembro, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) aprovou a inclusão de 275 novos blocos exploratórios para exploração de petróleo e gás.

Até o momento, o Brasil não tem uma data para acabar com a sua própria exploração de combustíveis fósseis.

Leia mais